quinta-feira, 8 de junho de 2017

Despedidas (6)

Uma das coisas em que a duracao da estada aqui faz toda a diferença é a frequência a museus. Nos sempre gostamos muito de museus, mas quando vínhamos a NY de passagem, embora ir ao Metropolitan fosse quase um ritual, algo obrigatório, em paralelo a alguma exposição especial em algum outro, a relacao com os museus muda completamente quando se tem tempo em uma escala diferente. Uma das primeiras coisas que fizemos quando chegamos, em 2015, foi nos tornarmos membros do Metropolitan. O Met sempre foi meu museu preferido. Ele e’ definido como um museu enciclopédico, porque apesar de seu forte serem obras de arte, o museu tem tambem um acervo histórico e cultural muito grande. Desde os anos 80 que visitamos o Museu, na Quinta Avenida, na altura da rua 82, mas ir a museus e’ uma coisa relativamente cara (exceto em Washington, onde os melhores museus sao da cadeia museus nacionais, conhecidos coletivamente como Smithsonian). O Met e’ uma instituição publica não-estatal (como aquelas que o Bresser tentou criar no Brasil quando foi ministro da reforma do estado). Ele nao tem a ver com governo, mas nao e’ uma instituição privada e, em troca de certos benefícios, nao pode implementar varios tipos de políticas (por exemplo, nao pode discriminar nao apenas contra etnias ou genero, mas tambem nao pode discriminar criancas). Ele nao pode cobrar entradas e apenas sugere valores de contribuição, que o visitante pode ou nao aceitar. Antigamente, a natureza voluntaria da contribuicao era meio oculta e todo mundo pensava nele como pago. Recentemente o museu foi intimado a tornar clara essa natureza e hoje as pessoas pagam o que quiserem. E’ um museu enorme (vimos muitas de suas ampliacoes nesses trinta e tantos anos) e eu costumava ir sempre aos mesmos lugares, onde estavam as telas que eu gostava de rever. Pissaro, entre os franceses do final do sec XIX, Sargent na American Wing, e mais algumas coisas. Mais de hora e meia, duas horas no maximo, visitando um museu fica muito cansativo, nao so para a atencao, mas tambem para as pernas e por isso, em visita curta, eu ia visitar meus velhos conhecidos. Como associados, nos pagamos uma contribuicao annual, que nos da’ direito a um numero ilimitado de visitas, e certos outros privilegios, mas o mais importante e’ o estimulo que cria para conhecer o museu em mais detalhe. Nesses dois anos, visitar o Met foi uma atividade praticamente seminal. Olha-se as exposicoes novas, visita-se os velhos amigos, passa-se um tempo tomando um capuccino e comendo um cupcake de chocolate na cafeteria da American Wing. Despedir-me do Met e’ talvez, individualmente, a coisa mais dolorosa do retorno a Portugal. Ainda temos a chance de visita-lo algumas vezes antes de ir (na verdade, pretendo faze-lo amanha de manha), mas e’ mesmo a despedida de um velho amigo. Ha’ varios outros museus muito interessantes em NY, mas, para mim pelo menos, os outros eu vou ver, mas o Met e’ ir para casa.
Quem vem para ca’, a proposito, para estada mais longa, deve providenciar tao cedo quanto possivel apos a chegada, uma carteira de identidade de NYC. Nao apenas serve como identidade para varias coisas que demandam isso aqui, mas tambem, como estimulo, dao um ano de membership em uma lista enorme de museus, inclusive o Met, por um ano. Eu nao gusto de arte moderna, mas Fernanda gosta e usou sua carteira para virar membro do MOMA e outros museus por aqui.
Outro museu muito simpatico, tambem na Quinta, mas na altura da rua 103, e’ o da cidade de NY. Conta a historia da cidade, muito interessante, e tem exposicoes especiais, como uma de fotografia, agora, de Todd Webb, que e’ magnifica. Fernanda gosta particularmente de um museu de fotografia chamado ICP, mas eu nunca fui. Mas alem dos grandes, tipo Met e Moma ou Guggenheim, que eu tambem nao gusto, ha’ muitos relativamente pequenos, como os que eram colecoes privadas (os mais conhecidos sao a Morgan Library e a Frick Collection) e os tematicos. Duas ou tres semanas atras fomos ao Tenement Museum, que retrata a vida dos emigrantes europeus do fim do seculo XIX, inicio do XX, que e’ muito interessante, emocionante mesmo, retratando um estilo de vida que era muito proximo ao de nossos proprios antepassados (especialmente para quem e’ de SP). Alem disso, ha’ muitas visitas guiadas (neste sabado vamos a uma do Harlem nos anos 60) que, para quem tempo e curiosidade, podem ser muito interessantes. Mas, disso tudo, a despedida mesmo e’ do Met. O cartao de membership vai provavelmente para uma moldurinha em algum lugar.

Despedidas (5)

Nesses dois anos, exceto, naturalmente, pelas idas ao Brasil, que contam cada vez menos como lazer, nos praticamente nao viajamos. Muitas razoes para isso. A primeira e’ que, estando em NY, a vontade de ir a outros lugares e’ normalmente menor. Nao se fica entediado aqui, procurando outros lugares para ver. Ha’ um efeito atracao, e’ claro, ha’ outros lugares que da’ vontade de ver ou rever, mas nao ha’ o efeito expulsão, a compulsão de ir para outro lugar para fugir de onde se esta’. Fernanda queria (re)ver outros lugares, certamente nao por tedio de ficar aqui, antes pelo contrario, ela gosta de NY ainda mais do que eu. Quando vivíamos em New Jersey nos anos 80, com uma bolsa do CNPq, as possibilidades de vir a NY eram limitadas. Mesmo assim, nao se passavam muitas semanas antes que Fernanda pusesse uma maca (eu nao tenho acentos, e’ apple aqui) na bolsa, pegasse o trem e viesse passar o dia na cidade (eu tinha menos liberdade por causa das exigências do doutorado). Mas, enfim, ha’ sempre uma boa razao para ficar na cidade. Por outro lado, viajar com crianças e’ sempre muito mais complicado (agora nem tanto, ja que ambos os pirralhinhos passaram para uma fase em que a estrutura necessária para fazer uma viagem e’ menor). A carga a transportar, qualquer que seja o destino ou a duracao da viagem, nao era facil (ficar longe deles, ainda mais dificil). Terceiro, o custo de viajar por aqui e’ muito alto. Trens são caros, nem sempre confiaveis (a Amtrak esta’ sempre com um pe’ na cova, e frequentemente com todos os quarto), hoteis tambem, e precos sao sempre mais altos nas ocasiões mais propicias a viagens. Esse custo, e’ claro, e’ alto tambem porque as distancias aqui sao muito maiores (em comparacao com Portugal, onde zanzamos muito mais pelo pais). Por ultimo, ha’ o habito familiar, que Madalena tambem ja absorveu, de que toda viagem envolve um complexo e prolongado processo de planejamento que geralmente se conclui quando ja’ e’ tarde demais e tem de ser reiniciado do zero quando outra meta e’ definida. 
A excecao, para nos, acabou sendo, e assim mesmo em pequeno numero, o vale do Hudson, onde temos amigos extremamente proximos. Agora mesmo acabamos de voltar de um fim de semana mais longo por la’ (ha’ um monte de fotos de passaros, comida, especialmente a feijoada que Fernanda preparou no sabado, e pessoas sendo postadas aqui no fb postadas pela Fernanda e pela Madalena desse fim de semana). A regiao, onde fica o Bard College, onde lecionei nesses dois anos, e’ muito bonita, especialmente na primavera, como agora, e no outono, quando as folhas amarelam e envermelham e as arvores se preparam para hibernar no inverno. Numa dessas idas, visitamos em Hyde Park, a casa onde nasceu Franklin Roosevelt, que se tornou um parque nacional e onde estao enterrados ele e Eleanor Roosevelt. Foi uma visita muito emocionante para nos, a casa onde vivia a familia e para onde FDR sempre ia, quando nao estava em Washington ou em Warm Springs, a estacao de aguas onde ele tratava sua polio. FDR e seu tempo na presidencia americana, onde enfrentou uma depressao e a Guerra, ha’ anos sao meu interesse intelectual mais forte, mas a conexao vai alem disso, focalizando o cidadao que enfrentou os piores momentos do seculo vinte, mantendo o sistema politico aberto, enquanto o mundo se consumia no nazi-fascismo ou era engolfado pelo stalinismo.
No final, minha memoria de viagens desta vez vai ser preenchida pela imagem das margens do Rio Hudson por onde ia, todas as quartas-feiras, meu trem para Rhinecliff, onde me esperavam para me levar ao Levy Institute. Eu ainda tenho uma viagem a fazer para la’, em duas semanas que vem, mas a rigor essa despedida ja foi feita, quando o semestre acabou.

Andando por NY


Ainda andando por Manhattan, nosso roteiro mais frequente foi, geralmente aos sábados pela manha, de casa ao Metropolitan nos dias de tempo bom (sem chuva ou nevasca). Sao 7 quadras para oeste e depois cerca de 20 para o norte. Fizemos muitas variantes (subir ou voltar por qualquer uma das avenidas, ainda que Fernanda normalmente preferisse a Madison por causa das vitrines, e eu preferisse a Terceira por causa da padaria do Eric Kayser), mas o mais comum tem sido ir ate’ a Quinta Avenida e subir pela Avenida mesmo, margeando o Central Park ou, quando o dia e’ mais convidativo, entrar por ele mesmo (entrar pelo Central Park encomprida o caminho porque nenhuma das passagens de pedestres avança em linha reta). Dependendo do que víssemos no museu, e do estado das pernas ao final, voltavamos a pe de novo ou de ônibus. Essa caminhada ainda será feita ate’ provavelmente nossos últimos dias aqui. O roteiro das avenidas e’, em si, muito interessante. Da Primeira a Terceira anda-se por areas residenciais, com seu comercio, dentro da ideia de que Manhattan e’ uma reunião de áreas mais ou menos auto-suficientes, nao apenas seus mercados e mercearias, barbeiros e leitores de mao (aos borbotões) mas tambem seus restaurantes, cinemas (que estão desaparecendo aqui tambem), parques infantis, escolas, etc. A Lexington e’ mais comercial e de escritórios, como tambem a Madison, so que para renda mais alta do que a Lexington (lojas de grife, essas coisas). A Madison, no passado, era a avenida das grandes agencias de publicidade (quem assistia a Feiticeira, o seriado, vai reconhecer porque era onde ficava a McMan and Tate). A Park, única avenida com duas maos e um passeio com jardim no meio, e’ a dos ricos (ricos mesmo). A Quinta é dos ricos tambem. Ja foi mais, mas ricos aqui sao ricos mesmo, nao os dos Jardins (em SP).
Outro roteiro que tambem fizemos muito, embora mais porque iamos a lugares por ali do que por si mesmos, era o Village. O Village é o Quartier Latin daqui. O West Village e’ melhor tratado, com aquelas ruas de predios antigos e baixos que se ve em filmes. O East Village era mais um lugar para imigrantes, a Primeira Avenida era mais ou menos a fronteira entre o que era razoavelmente seguro e os lugares onde nao se ia, nos anos 80, por exemplo, quando moramos aqui pela primeira vez. Depois da Primeira vem a Alphabet City, as avenidas A a C, que eram barra pesada na epoca, inclusive pelo trafico de drogas. Agora a gentrificacao liquidou tudo isso. Passeamos por la duas ou tres semanas atras e nao se faz ideia do que a area ja foi. Tambem as comunidades de imigrantes, como os ucranianos na Primeira Avenida, ja estao se diluindo. A St Mark’s Place, entre a Segunda e a Terceira, onde conviviam grupos enormes de punks e livrarias radicais, so se reconhece pela localização, nao tem mais nada da epoca. Sobra ali de muito bom o Cloister Café, na rua 9, também entre 2a. e 3a. Uma delicia de lugar, muito bonito, otima comida e precos muitos bons. No West Village fica o Vanguard e outras casa de jazz, e o melhor da area em torno da Washington Square. E’ como caminhar no calcadao de Copacabana, meio obrigatório para quem passa pela cidade, mas um obrigatorio agradavel, sem sacrifício. 
 Um pouco mais para o sul da ilha, fica o Soho, que tambem ja foi, e ainda e’, mas nao tanto, um bairro de artistas. A gentrificacao tornou tudo meio caro para que esses pessoal continuasse por ali, mas ainda tem muitas galerias e e’ um lugar gostoso de se andar. Nao e’ uma area muito grande, vai da W Houston ate’ a Canal St, anda-se uma manha e se ve quase tudo. Ao sul da Canal fica o que se chama aqui de Tribeca (Triangle Below Canal). Era uma area meio malvista, mas quando os precos subiram no Soho, o pessoal atravessou a rua do Canal e foi para Tribeca, e agora e’ uma área de artistas ate’ mais que o Soho propriamente. Em dias mais friozinhos, um passeio pelo Soho/Tribeca pode acabar no Dean and Delucca da Prince Street, onde se pode comprar pães sensacionais, mortadella trufada e ainda levar (ouo tomar la mesmo) um gumbo, a sopa de frutos do mar, muito condimentada, da Louisiana, para casa.
Claro que ha’ muitos outros roteiros de caminhada por aqui e Fernanda fez muitos mais do que eu, muitas vezes em visitas guiadas para conhecer a historia do lugar e coisas assim, para o que eu nao tenho muita paciencia. Mas um roteiro final e’ a area das antigas Twin Towers, o World Trade Center, onde esta’ o memorial as vitimas do ataque terrorista de setembro de 2001. A area foi toda remodelada e ficou muito interessante para se visitar. Dali pode se atravessar a West St em direção ao Brookfields Place, para se ver o Hudson, o cais para veleiros e iates, e depois comer alguma coisa no Le District, uma mistura de mercearia e restaurante francês onde se come muito bem ou se compra para comer em casa depois.

Despedidas (3). Cardim falando de NY

A rigor, nos não estamos nos despedindo de Nova York, nos estamos nos despedindo de Manhattan. Fernanda ate’ que menos, ja’ andou mais para fora da ilha, um pouco para Astoria, Queens, onde ficam os supermercados que vendem coisas brasileiras, inclusive algumas que ja não encontrávamos no Brasil ha’ anos (como os dadinhos Quarto Centenário: quem for paulista e pelo menos da minha geração sabe do que estou falando), e um pouco, bem menos, pelo Brooklyn. Eu saio da ilha meio arrastado e me lembro de ter feito isto duas vezes nestes dois anos. Uma noite para ir ao BAM (Brooklyn Academy of Music) ver Isabella Rossellini e Jeremy Irons apresentarem uma biografia de Ingrid Bergman), outra para ir a casa de um velho amigo (na verdade, filho de velhos amigos). NY se divide em 5 boroughs: Manhattan, Bronx, Queens, Brooklyn e Staten Island. Staten Island, do outro lado da foz do Hudson, e’ o que menos tem a ver com a cidade, quase nunca se ouve falar e quando se ouve, não é boa coisa. Queens e Brooklyn, como boa parte de Manhattan, foram áreas de imigração forte, Queens continua sendo. E’ um bairro meio folclórico, especialmente por causa da comunidade judia, que Neil Simon costumava retratar em suas pecas, e depois pelos russos, que trouxeram consigo sua mafia. Brooklyn se gentrificou e virou área boemia. O Bronx continua sendo a area mais barra pesada, renda baixa, onde se concentra a comunidade negra, nos projetos habitacionais que se faz aqui pelo menos desde os anos FDR. Pois e’, nisso tudo, estamos e ficamos a esmagadora maior parte do tempo em Manhattan, que e’ afinal a ideia que todo mundo faz realmente de NY. Quando se visita, se percebe que e’ uma cidade cara. Quando se vive aqui, se percebe que e’ uma cidade cara pra cacete. Alugueis são sempre, uniformemente muito altos (quando aparece uma exceção, em geral não vale a pena olhar, porque e’ um buraco). E nao se pode pensar muito. Se voce disser ao corrector que vai pensar, o cidadão que esta’ parado atras de você ja grita “I’ll take it”. Eu nao estou exagerando, nos perdemos um ou outro imóvel quando chegamos porque resolvemos conversar a respeito! E’ obvio que morar em Manhattan teria de ser caro, mas e’ caro mesmo assim. Vale a pena, mas e’ caro.
Manhattan e’ um lugar para se andar. A cidade e’ basicamente plana, ou com ondulações tao leves que na maior parte das vezes nem se percebe que se esta’ subindo e descendo. As exceções sao poucas. Uma característica curiosa daqui e’ que nao tem um “centro”. Ha’ cidades onde o centro e’ pequeno, ha’ lugares com mais de um centro (como SP, que tem o novo e o velho). Manhattan simplesmente nao tem centro em nenhum sentido. Ha’ naturalmente os lugares onde ha’ mais gente, por causa do numero sempre muito grande de turistas que inundam areas especificas, como a Times Square, para alegria dos batedores de carteira e outros que vivem de tomar dinheiro dos visitantes. Mas nao ha’ centro, a cidade e’ uma coleção de bairros com suas características que servem todos de centro para alguma coisa. O Village e’ um centro, o Soho e’ um centro, o Upper East Side, onde vivemos, e’ outro centro, e ha’ muitos outros. A propria palavra que se usa para designar centro em qualquer outra cidade, downtown, aqui quer dizer downtown mesmo, a parte sul da cidade. Depois vem midtown e o uptown (onde tem o Upper West Side, do outro lado do Central Park) e o Upper East Side, onde estamos nos. Nos costumamos andar muito, mas quase sempre pelo lado leste. Manhattan nao e’ uma cidade europeia, onde se vai tendo surpresas quando se caminha, porque tudo e’ curvo e meio Escondido. Aqui e’ uma grade. Das avenidas é possível ver uma ponta e as vezes as duas. E’ a escala enorme de tudo que e’ fascinante, misterio mesmo nao tem. E, naturalmente, quando se quer simplesmente relaxar, vai-se ao Central Park, que cobre da rua 60 a rua 120, por ai vai. Tem florestas, lagos, ate’ cachoeiras (eu nao vi, Fernanda, quem anda muito mais por aqui, quem viu num passeio guiado). Nos estamos a uma quadra e meia do East River, ao lado da estação do bondinho para a Roosevelt Island, onde vamos com alguma frequência levar as crianças para brincar e andar de skate. De vez em quando escolhemos algum outro ponto da ilha para andar pelas ruas e Fernanda tirar as milhares de fotos que acumulou aqui. Para quem nasceu e cresceu em cidades grandes (a menor cidade em que vivi foi Campinas, nos anos 70, e assim mesmo por ano e meio) aqui é uma delicia.

Despedidas (2) Mais Cardim


O que mais fizemos nesses dois anos, junto com ir a museus, o que fica para depois, foi ir ver jazz. Eu tenho um primo, pianista profissional, que me ensinou o que havia para ser sabido de jazz quando eu era garoto. O problema, naturalmente, era que a maioria, quase todos, dos musicos que eu gosto mais ja morreram faz tempo. Mas ainda sobraram muitos, como Ron Carter, Herbie Hancock, Chick Corea e outros. Por mais de um ano, nos fomos praticamente todas as semanas a algum clube de jazz. Sao muitos aqui, e, pelo que me dizem muitos amigos, em alguns deles se apresentam músicos promissores. Eu confesso que preferi ver o pessoal que ja cumpriu sua promessa. De longe, nosso lugar mais frequentado foi o Village Vanguard, na Sétima Avenida com 14. E’ o lugar mais importante do jazz aqui em NY. Muito simples, ele se mantém como sempre foi. Nos estivemos aqui, ha’ uns 25 anos atras, e tudo continua igual. Não tem cozinha, apenas um bar, e’ um lugar onde nao se vai para conversar (a não ser enquanto se espera o show começar), vai-se para ouvir. Pequeno, onde se chega descendo escadas que saem da rua e levam ao subsolo, sente-se a vibração (mas nao o barulho) do metro passando embaixo. Vimos grandes músicos la, todos sempre falando na emoção que e’ tocar no Vanguard (em outros lugares, eles agradecem ao publico por ter vindo, essas coisas, no Vanguard parecem agradecer ao clube por aceita-los). Nunca vimos nada la que nao valesse a pena, alguns vezes vimos apresentações inesquecíveis (uma delas vimos Ravi Coltrane tocando seu saxophone ao lado do retrato de seu pai, uma cena em si emocionante). Outros clubes ja ficaram mais comerciais. Tem restaurantes, servem jantar, etc e tal. O Birdland, na W44 e’ dos melhores também. Bons músicos, casa simpática, sem amontoar as pessoas como faz, por exemplo, o Blue Note, onde so fomos quando era mesmo inevitável. McTyner, Herbie Hancock com Chick Corea, e Ron Carter tivemos de ir ver la, porque, afinal, era onde estava tocando. Mas no Blue Note, se bobear vendem entradas ate pro pessoal sentar no seu colo, nos seus ombros, na sua cabeça se voce for careca. Outro gostosinho, como o Birdland, e’ o Jazz Standard. Também espaçoso, com cozinha, mas, como o nome sugere, na maior parte do tempo e’ para standards mesmo, não para jazz. Nos falta ainda conhecer o Jazz at the Lincoln Center. O lugar parece ser muito bonito, mas predominam por la as apresentações de orquestras, o que em jazz não me agrada muito. Mas pelo menos uma vez, se der tempo, e aparecer algum programa realmente atraente, e’ preciso.

Memórias (1) Por Fernando Cardim de Carvalho...


Quando viemos de Lisboa para Nova York, eu fiz uma longa lista de coisas que fizemos ou lugares a que fomos que queríamos não apenas que ficassem na nossa memória, mas que serviriam também como sugestões a quem visitasse Portugal. Agora estamos chegando ao momento de voltar para la’, e pensei em fazer a mesma coisa aqui: comentar sobre a cidade e nossa experiência nela nesses dois anos (a primeira vez que vivemos aqui foi ha’ mais de três décadas, essas memórias ja não valem muita coisa). Nos estivemos aqui, juntos ou separados, a passeio ou a trabalho, quase todos os anos desde que voltamos ao Rio, em 1986 (até hoje a gente se lembra do susto em 1986 de ver quase todo mundo que conhecíamos meio zumbis, impressionados com a figura messiânica do Funaro, o Dilson, não o doleiro amigo do Temer ou do Cunha, ou sei la de quem). Mas a experiência de viver em um lugar e’ muito diferente, mesmo para turistas frequentes. NY e’ uma cidade única, e’ um chiche, mas e’ verdade. O que se tem aqui, não se tem em nenhum outro lugar, pelo menos não em escala semelhante (Londres ou Paris). Andar pelas ruas, mesmo não fazendo nada, apenas olhando a sua volta, e’ mesmo eletrizante. O volume de coisas que se tem para fazer e’ alem do compreensível. Ler o caderno de fim de semana do Times, ou a coluna do que vai pela cidade na New Yorker, sempre uma lista selecionada, ou o Time Out, e’ enlouquecedor. Se se esta’ de visita, é enlouquecedor porque nao da’ tempo de ver tudo. Se se vive, e’ enlouquecedor porque daria para ver tudo se torrássemos toda nossa poupança privada (nos sempre tivemos juizo) em dois anos. Ha’ muitas manifestações culturais que nao me interessam (dança, por exemplo, e’ algo alem da minha compreensão, arte contemporânea de qualquer natureza, plástica, musica, o que for, e por ai vai). Mesmo assim, entre jazz, concertos, teatro e museus ja’ se pode consumir tudo o que se tem, com a maior facilidade. Estou excluindo restaurantes, que eram parte importante da nossa vida lusitana, viagens para fora da cidade (transporte e hoteis são estupidamente caros), e outras atividades, nesse caso, mais por conveniência, como conferencias, cursos, etc. Mas a cidade tambem é extremamente barulhenta (especialmente depois de quase três anos de Portugal!), com sirenas tocando ininterruptamente, muito suja (não ha cães sem dono, mas ha’ muitos donos que deixam os resíduos sólidos dos cães onde são depositados pelos próprios, e sempre alguém para pisar e espalhar), com uma rede de metro cuja cobertura e’ em geral muito boa, mas com equipamento envelhecido e administração deficiente, alem das estações imundas (pelo menos a gente se distrai esperando os trens olhando as ratazanas passeando pelos trilhos) e com transito caótico. Em geral, tem-se a imagem de que todo lugar e’ uma bagunça, mas nos US as pessoas cumprem a lei. Em geral, e’ mesmo assim, exceto no transito de NY. Ninguém respeita coisa nenhuma e policia de transito e’ um conceito teologico: uns acreditam que existe, e ate’ citam aparições aqui e ali, mas ver mesmo, ninguem ve. O saldo e’, obviamente, positive, e’ uma cidade incrivel, mas exige muito mais paciência do que normalmente se imagina.

Editorial do Estadão (17/02)

LULA PROMETE O ATRASO: A razia bolsonarista demanda a eleição de um presidente disposto a trabalhar dobrado na reconstrução do País. A bem d...