Todos sabemos que este debate sobre como encarar as despesas com saúde vem evoluindo, já que num momento como este, totalmente excepcional, decisões excepcionais precisam ser tomadas e pensadas. Não dá, realmente, para pensarmos a pandemia como algo “normal”. O problema aqui é que esta idéia de excepcionalidade abre espaço para o oportunista, os "caroneiros de sempre".
Emendas parlamentares “paroquiais”, nem sempre relacionadas com a crise sanitária atual, devem ser observadas. Tirando as despesas adicionais com saúde do Orçamento, estamos aceitando uma reacomodação destas emendas, em discussão entre os fiscalistas do governo e os políticos.
Este é o grande perigo que ronda. Devemos considerar também o Orçamento de 2021 uma sucessão de equivocos. Estamos totalmente atrasados em relação à sua execução. Normalmente, este começa a ser formulado em abril do ano anterior, enviado ao Parlamento no transcorrer e aprovado até dezembro. Desta vez, este só foi devolvido ao governo, depois de avaliado pelos parlamentares, agora em 2021, entre março e abril, quatro meses depois do prazo! Ou seja, estamos navegando à quatro meses sem uma bússola a nos guiar.
Muitos vão considerar o Orçamento uma “peça de ficção” de difícil execução, ainda mais em momentos de crise como o atual, na qual não sabemos o que vai acontecer no mês que vem, quanto mais no ano que vem. No entanto, não podemos nos furtar de “elaborar” um mínimo de planejamento, a saber o que poderemos gastar e como deve vir a arrecadação.
Este cenário, aliás, é importante, pois norteia qual visão se tem sobre a economia neste ano de 2021. Sobre isso, inclusive, foram diversos os erros de formulação, de leitura.
Paulo Guedes achava que ao fim de dezembro passado a crise sanitária já estaria “mais ou menos” controlada ou superada. Sua projeção de inflação para este ano era bem otimista (2,16% para o IPCA), o que guiaria o reajuste do salário mínimo e o comportamento das receitas.
Em 12 meses, pelo IPCA de março, não é isso que se viu. Foi a 6,1% e por este patamar deve ficar até o meados do ano. Ao final, acreditamos em algo próximo a 5%. Há de considerar também as várias despesas que foram "desbastadas", diante do anúncio destes R$ 26 bilhões a R$ 29 bilhões em emendas parlamentares, um absurdo, por não sabermos nem ao certo ao que serão usados. Aliás. Bem sabemos que 2022 é ano eleitoral e muitos deputados já começam a “montar” as suas estruturas de campanha.
Pela "lei do teto dos gastos", a todas as despesas adicionais colocadas, há de se considerar em que rubrica teremos que retirar, ou realocar recursos. São vários absurdos neste front. O BACEN não tem mais os recursos para “tocar” o projeto do PIX; as bolsas de estudo da Capes, na área de Ciência e Tecnologia, “minguaram”, o Plano Safra foi reduzido à metade, recursos da agricultura familiar, do Pronaf, foram puverizados, dentre tantos. Estamos nos confrontando com um shutdown nos próximos meses. Ou seja, a máquina pública terá que parar de funcionar e isso num ambiente de pandemia! Soma-se a este imbróglio, também, o "bate-boca" entre governo e STF, além do Parlamento, para a instalação de uma CPI da Covid. Claro! Vivemos uma crise institucional de imprevisíveis desdobramentos. Só não vê quem não quer.
O presidente Bolsonaro, em telefonema "vazado" pelo Senador Jorge Kajuru, foi muito claro em “ameaças” contra senadores que trabalham a favor deste desfecho. É fato que uma CPI teria que ser reunida, tal a quantidade de descalabros do presidente, negando a vacina, brigando contra os fatos, contrário ao isolamento e o lockdwn, etc. Não dá para apagar disso. No entanto, uma outra CPI também precisa avançar, a dos governadores e prefeitos, que se aproveitaram da comoção da pandemia para desviar recursos. E, ao que consta, não foi nada isolado. Foram vários a cometerem estes delitos.
Diante desta confusão, os mercados estão “estressando” nesta manhã de terça-feira. O EZW, principal fundo de ativos brasileiros na bolsa de NY, caiu 1,7%; o dólar se firma acima de R$ 5,70, o Ibovespa deve recuar forte e a curva de juro futuro sinalizar considerável elevação, dado este risco fiscal maior.
Outro indicador a piorar é o risco Brasil, medido pelo Credit Default Swap (CDS) de 5 anos. Na segunda-feira, era negociado em 221 pontos, se mantendo nesse nível de 220 nos últimos dias, patamar mais elevado desde outubro do ano passado.
Nos EUA, esta terça-feira é dia de CPI de março, havendo a possibilidade de chegar a 3,8% nos próximos meses. Projeção de mercado aponta 0,5% no mês e 2,5% na taxa anualizada.
Uma nota.
Morreu nesta segunda-feira um dos economistas mais brilhantes da sua geração, John Williamson.
Pensou como ninuém os problemas estruturais dos países em desenvolvimento. Tentou resolvê-los, com evidências, fatos. Não foi um omisso, a não enxergar a realidade e manter uma narrativa preguiçosa, mas um schollar que teve a devida coragem de colocar o "dedo na ferida", no início da década de 90, ao expor o desastre das "políticas nacional desenvolvimentistas" dos emergentes nas décadas de 70 e 80.
Tivemos a “crise da dívida externa”, a “década perdida”, vários países quebrados. Em resposta, Williamson reuniu vários economistas na Brooking Institution, em Washington DC, e traçou um irretocável diagnóstico sobre o que fazer, que caminho seguir, para superar estes gargalos estruturais nos vários países da América Latina.
Nasceu o "Consenso de Washinton". Nada contra, muito pelo contrário. O que devemos criticar é a incompetência de muitos que não souberam extrair o que o “Consenso” tinha de urgente e positivo. Não terem visto as especificidades de cada país, este, talvez, o maior erro.
Vamos conversando. Escreverei sobre este tema nesta semana.