domingo, 30 de novembro de 2025

Nuremberg

 Bruno Astuto

O que esperar de 'Nuremberg', filme com estreia prevista para fevereiro no Brasil

'O desafio não era entender as doenças dos réus, mas sua normalidade'

30/11/2025 04h31  


"Nuremberg”, que tem estreia prevista para fevereiro no Brasil, volta a colocar no centro do debate um tema que sempre assombra a Humanidade: o esforço de explicar o mal. O filme, estrelado por Russell Crowe e Rami Malek, é baseado no livro “O nazista e o psiquiatra,” de Jack El-Hai, e acompanha o capitão e psiquiatra americano Douglas Kelley (Malek) encarregado de avaliar a sanidade mental de 22 oficiais nazistas capturados logo após o fim da Segunda Guerra. Um deles era Hermann Göring (Crowe), talvez o mais sedutor, vaidoso e manipulador entre os homens do alto escalão do Terceiro Reich. Kelley tentou descobrir se havia uma anomalia, um traço clínico, um sinal neurológico que explicassem tamanha crueldade. E, para seu próprio horror, a resposta foi não. Os réus de Nuremberg, do ponto de vista psiquiátrico, eram “comuns”, fanáticos, racionais, ambiciosos, eficientes. Pessoas capazes de amar os filhos ao mesmo tempo em que assinavam ordens que matavam os filhos dos outros.


É justamente essa normalidade que torna “Nuremberg” tão perturbador. O tribunal não mostrou monstros biológicos, mas monstros morais, homens que fizeram escolhas conscientes e se beneficiaram delas. Não havia doença que justificasse aquele projeto de extermínio. Havia método. Havia cálculo. Havia adesão. E talvez por isso tenha me chamado tanta atenção o documentário exibido recentemente no canal britânico Channel 4, “Hitler’s DNA: Blueprint for a Dictator” (O DNA de Hitler: o mapa genético de um ditador). Ele tenta insistir no caminho que Kelley já provara ineficiente: explicar o mal por exames.


O programa apresenta resultados genéticos obtidos a partir de um suposto fragmento de sangue sobre o sofá em que Hitler se suicidou em 1945, um material cuja autenticidade nunca foi comprovada historicamente. Mesmo assim, sob a direção da geneticista Turi King, da Universidade de Bath, do Reino Unido, esse DNA atribuído ao ditador foi sequenciado e analisado como se fosse um material indiscutível. A partir daí, veio o malabarismo metodológico criticado por especialistas, o de transformar dados de ancestralidade e predisposição populacional em diagnósticos retrospectivos individuais. Tudo apareceu no laudo televisivo: predisposição ao autismo, esquizofrenia, transtorno bipolar, uma salada neurodivergente servida como explicação para a origem do mal.


Então volto ao trabalho minucioso do psiquiatra que conviveu com os homens que realmente tomaram as decisões. Kelley disse que o desafio em Nuremberg não era entender as supostas doenças dos réus, mas sua normalidade. Ali ele não encontrou danos cerebrais, traços patológicos ou síndromes raras, mas convicção, estratégia, frieza, escolhas. E é nesse ponto que o documentário e o filme se chocam. Enquanto o primeiro tenta colocar a responsabilidade no laboratório, o filme — e os fatos — a colocam onde ela sempre esteve: na ação humana.


Sei que a palavra “maldade” soa quase antiquada em tempos que celebram vulnerabilidades como se fossem medalhas espirituais, que transformam traumas em passaportes morais e pedem compreensão infinita para tudo. Sei que é dever da História e da Ciência apresentar nuances. Mas oferecer novos pontos de vista não significa distribuir desculpas. Se não houve doença, houve liberdade. Se houve liberdade, houve culpa. Portanto, responsabilidade e crime.


E mais: se o ditador era prisioneiro das próprias síndromes, qual era a síndrome dos milhões que o seguiram? Que anomalia genética explica a multidão que marchou, denunciou, participou, aplaudiu, colaborou?


Nada disso pede laudo. Exige memória.


Porque o mal não se espalha por mutação; ele se espalha por adesão.

Woody Allen 90

 Quem está ao lado de Woody Allen no seu aniversário de 90 anos?


INÁCIO ARAUJO


Às vésperas dos 90 anos que Woody Allen completa neste domingo (30), é quase impossível não indagar como será a comemoração. Viver 90 anos é sempre uma glória, quanto mais para alguém que proclamou publicamente seu medo da morte. Ou por outra, que disse textualmente: "Não tenho nada contra a morte. Só quero não estar presente quando ela chegar." Um desses oximoros que fizeram a sua fama, sem dúvida.


O problema que se impõe hoje é outro. Quem estará a seu lado no dia dos seus 90 anos? Sua imagem foi seriamente manchada desde que sua enteada, Dylan, o acusou de tê-la abusado sexualmente. A discussão sobre o caso durou décadas, tanto a jurídica como a midiática. Seria verdade ou a jovem teria sido influenciada por sua mãe, Mia Farrow, ex-mulher de Allen?


Em tempos de MeToo, ele foi cancelado. Atores que tiveram belos momentos trabalhando com ele, como Michael Caine, acharam melhor se afastar. Atrizes, idem. As que ficaram com ele, sobretudo Scarlett Johnasson, não foram bem-vistas. Falavam de sua relação profissional com o cineasta e comediante. Nunca foram incomodadas por ele.


Com Diane Keaton era um pouco diferente —nem valia a pena criticá-la. Viveu com Woody Allen, fez oito filmes com ele, e basta ver o que ele disse quando ela morreu. Por exemplo, ele não se importava nada, nada mesmo, com o que pudessem dizer de seus filmes. Só o que Keaton dissesse contava.


O escândalo arrefeceu, mas não quer dizer que não volte agora, nos seus 90 anos. Sempre haverá quem se lembre de um filme, "Manhattan", em que um homem maduro —ele mesmo— se apaixona loucamente por uma adolescente. E essa história Allen viveu ao menos uma vez na vida real, com Kristine Engelhardt, então uma jovem de 16 anos. O namoro inspirou o filme.


Nos Estados Unidos dos puritanos do Mayflower, isso seria por si um escândalo. Engelhardt, já senhora, disse que com Allen tudo bem, não se arrependia de ter estado com ele, que não lhe fez mal nenhum, foi muito bom.


A favor dele, contava apenas, a rigor, o fato de Mia Farrow também não ser um primor de equilíbrio. Tanto que, no meio da polêmica, passou a dizer que Ronan, filho dela e de Allen, talvez não fosse filho dele, mas de Frank Sinatra, de quem se divorciou em 1968, mas com quem continuou a manter um caso amoroso. "Caso clandestino", como pontuou o cineasta.


Isso não impediu que ele fosse cancelado. Várias decisões judiciais contrárias não ajudaram o seu caso. O problema, porém, não para aí. Porque é muito mais difícil cancelar uma obra que o coloca entre os grandes comediantes do século 20 do que cancelar, digamos, Harvey Weinstein, o produtor.


O que fazer com tudo o que Allen produziu de relevante nesta vida? Jogar ao mar? É o mesmo que jogar fora boa parte da inteligência americana, do humor judaico, do mito de Manhattan, apenas para começar.


Com comédias, dramas ou comédias dramáticas, Allen foi quem melhor esquadrinhou a complexidade da vida sexual e amorosa —nesta ordem— nas grandes cidades da segunda metade do século passado. Anotou, compreendeu, mas também soube rir da adesão, muitas vezes apenas fingida, às modas intelectuais que se sucediam na época.


Naquele momento, ao contrário de hoje, o movimento era de libertação da sexualidade, com tudo o que isso pode trazer de prazer ou desgosto. Os tempos são outros, não há dúvida. Ainda assim, há algo de irônico no fato de que, ao longo da vida, Allen nunca foi um personagem controverso.


Desde os tempos que escrevia para a TV, nos anos 1950, seu humor já se destacava. Outro comediante célebre, Mel Brooks, lembra que já na época o teor cômico dos dois já era diferente. Allen dava um tiro só, sempre na mosca, lembrou Brooks, enquanto o humor dele mesmo seria do tipo "chumbo grosso" —atirava para todo lado e uma das balas havia de chegar ao alvo.


O primeiro filme Allen que escreveu, "O Que É Que Há, Gatinha?", de 1964, de certo modo confirma essa ideia. Mas o filme era de Peter Sellers e Peter O’Toole e de uma série de atrizes ilustres, a começar por Romy Schneider, sem contar o diretor, Clive Donner. Mas ali ele já introduzia um objeto-chave de sua escrita —a psicanálise.


A história posterior dos dois no cinema confirma essa ideia. Desde "Um Assaltante Bem Trapalhão" (1969), sua primeira direção, Allen impôs o tipo do judeu fraco, feio, esforçado, perseguido e, ainda assim, capaz de ser bem-sucedido.


No filme seguinte, "Sonhos de um Sedutor" (1970), seu primeiro trabalho com Diane Keaton, foi apenas roteirista e ator, mas já o ator principal —trapalhão, sem dúvida, mas também trazia ali o característico traço autoirônico. Em "O Dorminhoco" (1973), como em "A Última Noite de Boris Gruchenko" (1975), entre outros, Keaton já estava de novo ao lado de Allen. O título original do filme seria "Amor e Morte" —os dois temas que mais inquietaram o cineasta ao longo dos anos.


Desses trabalhos nasceu a parceria, a amizade e mesmo o amor entre ambos. A química entre eles pareceu absolutamente perfeita em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", de 1977, onde Allen atingiu um dos pontos altos de seu humor em parte pela maneira discretamente sarcástica como olhava para a gente culta e um tanto esnobe de Nova York, que a ele nem sempre parecia tão culta quanto apregoava. Essa comédia dramática —se assim é possível definir— recebeu quatro troféus no Oscar, sendo três para ele —filme, roteiro, direção— e um para Keaton —melhor atriz.


Pouco depois, com "Interiores", de 1979, começa a fase, digamos, bergmaniana de Allen. Mesmo que houvesse alternâncias com filmes menos pesados, demorou um tanto para o cineasta atingir um equilíbrio entre a aproximação com os temas de Ingmar Bergman e a sua própria maneira bem menos grave de estar no mundo. É possível que o equilíbrio entre o que Allen era e o que gostaria de ser tenha sido atingido no belo "Hannah e Suas Irmãs", de 1986.


Quanto ao sexo, ninguém se preocupou em 1979 quando "Manhattan" abordou a paixão fulminante de um homem maduro por uma adolescente. Ao contrário, a publicidade logo mitificou Mariel Hemingway, a neta do escritor Ernest Hemingway. O tempo acabou demonstrando que tantos os publicitários como Allen haviam errado —Mariel não era uma atriz muito talentosa.


Os filmes bem-sucedidos não pararam. Eram quase sempre provocativos no setor vida amorosa, e nele a fluência verbal fazia lembrar Groucho Marx, que se articulava a uma mímica muito pessoal, em que euforia, depressão, mau jeito e sedução se acumulavam.


E inteligência, também. Assim vieram "A Rosa Púrpura do Cairo" (1985), "A Era do Rádio" (1987), "Tiros na Broadway" (1994), "Meia-Noite em Paris" (2012), entre outros. Ora existe evocação do passado, ora dos mistérios da criação. Ora mesmo, como em "Zelig" (1983), da capacidade de adaptação às situações que se apresentam.


E, diga-se, Allen soube adaptar-se como um mestre ao tiroteio que veio no momento em que chegava ao fim o relacionamento com Mia Farrow e ele se preparava para casar com sua enteada (adolescente) Soon-Yi Previn. Tudo começa em 1992. Vários processos judiciais ainda aconteceriam, Allen ainda ganharia um Oscar de roteiro original por "Meia-Noite em Paris" e um Globo de Ouro honorário em 2014.


"Blue Jasmine", em 2013, já traz um quê sombrio e evoca o teatro de Tennessee Williams, com mais humor. O sombrio se manifestaria plenamente em "Roda Gigante", de 2017. Daí por diante, não havia Zelig capaz de contornar os processos perdidos, os cancelamentos, a impossibilidade de produzir.


Não importa que suas atrizes se recusassem, de modo geral, a dizer uma palavra contra ele. As portas fecharam-se. Mesmo a Amazon, que produzira "Um Dia de Chuva em Nova York" (2019), decidiu não distribuir o filme e cancelou um contrato para mais quatro filmes com Allen.


Atropelado pelo MeToo nos Estados Unidos, restou-lhe a Europa, a França em especial, que sempre o acolheu, e onde filmou o estranho "Golpe de Sorte", de 2023, onde aplica em Paris o espírito de Nova York. Tem humor, mas Paris não é Nova York, como aliás lembrou Caetano Veloso em um belo samba —o humor saiu chocho, melancólico.


Com tudo isso, o certo é que Woody Allen chega aos 90 anos sem brilhos e bolhas, firme no casamento com Soon-Yi, com uma bagagem invejável no cinema e na literatura e com o peso da acusação de assédio sexual sempre sobre sua cabeça.


Ele pode dizer que não merecia isso, como Gene Hackman em "Os Imperdoáveis". Mas o outro pistoleiro do filme, vivido por Clint Eastwood, respondia na lata: "Merecer não tem nada a ver com isso." E bam!


Onde ver os principais filmes de Woody Allen no streaming


Bananas (1971)

Onde ver: Disponível no Prime Video


Tudo o que Você Sempre Quis Saber sobre Sexo, Mas Tinha Medo de Perguntar (1975)

Onde ver: Disponível no Prime Video


Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)

Onde ver: Disponível no Prime Video e no Oldflix


Manhattan (1979)

Onde ver: Disponível para aluguel nas plataformas digitais


A Rosa Púrpura do Cairo (1985)

Onde ver: Disponível no Prime Video


Hannah e Suas Irmãs (1986)

Onde ver: Disponível no Prime Video


A Era do Rádio (1987)

Onde ver: Disponível no Prime Video


Match Point (2005)

Onde ver: Disponível no Prime Video


Scoop: O Grande Furo (2006)

Onde ver: Disponível no Prime Video


Tudo Pode Dar Certo (2009)

Onde ver: Disponível no Prime Video


Meia-Noite em Paris (2011)

Onde ver: Disponível para aluguel nas plataformas digitais


Para Roma com Amor (2012)

Onde ver: Disponível para aluguel nas plataformas digitais e no canal Diamond Films+ do Prime Video


Blue Jasmine (2013)

Onde ver: Disponível no PlutoTV e para aluguel nas plataformas digitais


Magia ao Luar (2014)

Onde ver: Disponível no Prime Video


Homem Irracional (2015)

Onde ver: Disponível na Netflix


Um Dia de Chuva em Nova York (2019)

Onde ver: Disponível na Netflix


Golpe de Sorte em Paris (2023)

Onde ver: Disponível no Prime Video


Inácio Araujo

Crítico de cinema da Folha


Foto: O cineasta Woody Allen em foto de 2014 - Damon Winter - 9.jul.14 / The New York Times.


FSP 28.11.2025

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