segunda-feira, 21 de junho de 2021

Como é trabalhar na Europa? Tem dicas?, de alguém da rede (Gustavo Miller)




"Se eu ganhasse R$ 1 a cada vez que escuto essa pergunta no inbox do meu LinkedIn, estaria rica (ok, talvez não considerando a cotação atual do Euro). Mas resolvi abrir a primeira edição de minha newsletter com o tema que é hors concours de interação por parte de vocês. E a inspiração é esta notícia da Folha de S. Paulo, que aponta "que se pudesse, quase a metade (47%) dos jovens brasileiros deixaria o país".

Quando eu fiz meus primeiros seis meses de Portugal, em 2019, escrevi cá um artigo sobre minhas primeiras impressões. E agora, depois que fiquei mais 1 ano na Alemanha, posso fazer uns comparativos rápidos que talvez ajudem quem estiver lendo a prosseguir ou desistir do desejado sonho de um dia viver e morar no exterior.

Família e amigos

Sempre digo que virar imigrante é uma grande renúncia. Teus pais vão envelhecer mais rápido, teus amigos vão casar, divorciar-se e ter filhos... E você vai ver tudo isso de longe. É estar em uma festa (pelos Stories) sem ser convidado. Digo sem pestanejar: ter um apoio por perto (mesmo que não físico) é crucial para uma adaptação a um novo país. Ainda mais durante uma pandemia.

Eu trouxe minhas duas cachorras comigo do Brasil e foi a melhor decisão. Grande maioria dos outros imigrantes brasileiros que conheci vieram com seus companheiros. É difícil fazer amigos de verdade aqui porque a cultura dos europeus é mais reservada. Já os expatriados quase sempre estão de passagem: alguns desistem, outros mudam de país à procura de melhores salários... Quase sempre quem persiste consiste família e adota a Europa como lar por motivos como segurança, serviços públicos de qualidade e, palavra importante, estabilidade.

Teu imposto vai ser útil

Já compartilhei isso aqui num post: 70% das pessoas que conheci na Alemanha em 2020 estavam desempregadas. Durante a pandemia, a Merkel pôs em ação o Kurzarbeit: uma política pública em que o governo assume parte da folha de empresas que estão em dificuldades. O Estado cobre até 80% dos salários, o teto é de 5 mil euros, e os empregados não podem ser demitidos assim que o empregador pede para entrar neste programa.

Entendi que na Alemanha estar desempregado não é tabu porque é para isso que serve o imposto de renda agressivo retido na fonte todo mês. O Estado ajuda não apenas com um bom dinheiro pingando na conta, mas também com suporte a cursos caros de especialização e até parte do aluguel. Fora outros auxílios que existem, em especial para novas famílias.

Você não vai ficar rico

Tenho um amigo brasileiro fotógrafo que é um dos mais renomados retratistas da MPB. Foi um dos primeiros a me receber em Lisboa e disse algo que me marcou:
Ele não ganhava mais dinheiro vivendo fora; ele economizava mais dinheiro.

Pai de duas crianças, no Rio ele pagava escolar particular para as duas, fora plano de saúde e outras atividades como idiomas e atividades físicas. Aqui tudo é bancado pelo Estado. A qualidade não é excelente, mas é boa. Uma coisa que me impressionou muito em Portugal, principalmente após viver também na Alemanha, é que os portugueses falam muito mais inglês que os alemães. Isso tem a ver com o ensino do idioma a todos de graça.

Portugal, porém, tem o salário mínimo mais baixo da Europa. Estive em Geneva recentemente e fui surpreendido pela informação que lá tinha mais portugueses que os vizinhos franceses. O motivo? O sonho de ter um ordenado em francos suíços. Isso faz deles ricos? Não exatamente, porque o custo de vida lá é estratosférico.

Não existe na Europa, infelizmente, um país ideal que reúna um clima excelente com salário show. Os países mais pobres do continente são justamente aqueles com ótimas praias e super dependentes do turismo. Muitos amigos que fiz em Portugal trabalhavam em restaurantes, ficaram desempregados na pandemia e não tiveram ajuda do governo, como o exemplo alemão que citei acima. Na Alemanha o clima é frio demais, as pessoas mais ainda, mas quando o cinto aperta tem um governo que extende a mão e o braço. O que vale mais pra você?

Uma boa notícia é que, com a popularização do trabalho remoto, é cada vez mais comum poder optar por viver em um país com custo de vida melhor e trabalhar para outro que paga melhor. É o meu caso.

Você vai ter de dar uns passos para trás na carreira

Costumo dizer que morar na Europa me fez sentir pela primeira vez na vida o que é ser minoria. No Brasil sou homem, hétero, cis, alto... Sempre tive vantagens competitivas e privilégios. Aqui eu sou... latino. E com isso vem vários preconceitos lidados no dia a dia (todo mundo tem diversas histórias) e adversidades no ambiente de trabalho.

Os tipos de profissionais brasileiros mais requisitados na Europa são os programadores e desenvolvedores. Tem vaga de sobra em TI e toda startup ou empresa de tecnologia global tem um grupo enorme de funcionários brazucas. Somos talentosos? Muito. Trabalhamos melhor? Sem sombra de dúvidas. Mas também somos uma mão de obra mais barata. Não é incomum descobrir que colegas com menos experiência ganham mais simplesmente por terem nascido no primeiro mundo, e que seu currículo no Brasil não vai lhe ajudar tanto assim a pegar aquela vaga mais sênior. Eurocentrismo que fala?

Resumo final: está pronto para recomeçar?

Morar e trabalhar no exterior é um eterno recomeçar. Cansa. Por isso admiro demais o imigrante que persiste e... fica! Eu vim para ficar somente dois anos, já passei a meta e daqui a pouco eu acho que a dobro.

E você, vai vir our não?"

Editorial do Estadão (17/02)

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