sábado, 27 de dezembro de 2025

Alvaro Costa e Silva

 Coluna do Alvaro Costa e Silva na Folha de hoje (27 de dezembro), p. A3.


QUARTETO FANTÁSTICO 


O lugar-comum publicitário inventou uma fórmula para atrair o leitor desacostumado aos livros de não ficção: garantir que estes podem ser lidos como um romance. Raramente isso é verdade. "As Cartas do Boom" tem essa mágica, com a vantagem de que o tema central é a arte de escrever romances.


Não quaisquer romances. O livro recém-lançado mostra a gestação e registra o impacto de quatro obras —"A Morte de Artêmio Cruz", "O Jogo da Amarelinha", "A Cidade e os Cachorros", "Cem Anos de Solidão"— que obtiveram êxito de público e alta estima crítica, sacudindo a roseira da literatura na segunda metade do século 20.


É a primeira compilação da correspondência —207 cartas— entre os principais romancistas do movimento que ganhou a etiqueta de "boom": o mexicano Carlos Fuentes, o argentino Julio Cortázar, o peruano Mario Vargas Llosa e o colombiano Gabriel García Márquez. Os dois últimos ganharam o Nobel, e se o tivessem dado aos dois primeiros, tudo bem.


Fruto da amizade, da ambição e da inveja, é um epistolário pleno de vida. A parte mais relevante começa em 1955 e vai até 1976, quando as desavenças pessoais, motivadas pela política, desintegraram o quarteto fantástico.


É curioso notar como a vocação dos escritores esteve ligada ao encantamento pela Revolução Cubana e como, aos poucos, modificaram seu posicionamento em relação a Fidel Castro, até se tornarem irreconciliáveis. Em 1976, Vargas Llosa desferiu o famoso "puñetazo" contra García Márquez, no saguão de um cinema mexicano.


As cartas mostram o Fuentes pragmático, lutando para promover e vedetizar o grupo. Mosqueteiro mais velho, Cortázar é o crítico cruel, mas necessário; a pedido dos confrades, lê os inéditos e não se furta em apontar as falhas. Vargas Llosa é o mais obstinado em se tornar um escritor de sucesso; não à toa, seu apelido é "Grande Chefe Inca". Mesmo nas mensagens mais prosaicas, a música verbal de García Márquez sobressai, ao lado de seu disfarce de indiferença diante do intelectualismo.

Efeitos do Bolsa Família

 


José Mauro Nunes

 


Foi publicada hoje uma entrevista feita comigo pelo jornal O Globo, na qual compartilho algumas reflexões sobre como o ambiente digital tem redesenhado — de forma profunda e irreversível — a jornada de compra dos consumidores nos shopping centers.


Destaco alguns pontos que abordei na matéria:

🔹 O consumidor híbrido: não existe mais fronteira rígida entre online e offline. O cliente pesquisa no digital, compara preços em tempo real, busca avaliações e só então decide como e onde comprar.

🔹 O papel estratégico dos shoppings: mais do que centros de compras, tornam-se hubs de experiências, conveniência e serviços, integrando tecnologia, dados e presença física para fortalecer o valor entregue.

🔹 O Messy Middle e o ZMOT: conceitos essenciais para entender como o comportamento de busca, comparação e validação impacta diretamente conversões e fidelização.

🔹 A urgência da transformação digital: gestores e operadores de shopping centers precisam repensar processos, comunicação, métricas e modelos de negócio para acompanhar esse novo consumidor conectado.

Espero que gostem. Segue o box com a entrevista 

José Mauro Nunes

 


Livros que estou lendo — e que ajudam a pensar melhor o mundo em que vivemos.

O primeiro é Automação e o Futuro do Trabalho, de Aaron Benanav.

Ao contrário do discurso mais comum na literatura atual que discute IA, o livro não parte da ideia de que “os robôs vão roubar todos os empregos”. Benanav faz um movimento mais interessante — e mais incômodo: ele mostra que o problema central do trabalho hoje não é a automação em si, mas a falta de crescimento econômico capaz de gerar empregos em escala.

Segundo o autor, desde os anos 1970 o mundo vive um processo prolongado de estagnação industrial, especialmente nos países centrais. A tecnologia avança, sim, mas não o suficiente para explicar o desemprego estrutural, a informalidade e a precarização que vemos se espalhar globalmente. Em muitos casos, a automação aparece mais como resposta à crise do que como sua causa.

Outro ponto forte do livro é a crítica à ideia de que o setor de serviços poderia substituir indefinidamente os empregos industriais. Benanav mostra como grande parte desses serviços cresce com baixa produtividade, baixos salários e pouca proteção social, o que ajuda a entender por que trabalhar mais nem sempre significa viver melhor.

É uma leitura que ajuda a recolocar algumas perguntas que me inquietam:

1) O que realmente está em crise: o trabalho ou o modelo econômico?

2) Por que crescemos menos e distribuímos pior?

3) Que tipo de futuro do trabalho é possível sem repensar o próprio capitalismo?

Livro direto, provocador e muito atual — especialmente para quem se interessa por trabalho, tecnologia, desigualdade, políticas públicas e globalização.

José Mauro Nunes

 

Sem sombra de dúvidas, um dos melhores livros que li em 2025. “Por que as Nações Fracassam”, de Daron Acemoglu e James A. Robinson, é uma obra fundamental para compreender as raízes profundas do desenvolvimento econômico, político e social das sociedades.

A tese central do livro é clara e poderosa: não são a geografia, a cultura ou o clima que explicam o sucesso ou o fracasso das nações, mas sim a qualidade de suas instituições.

Segundo os autores, países prosperam quando constroem instituições inclusivas — aquelas que promovem participação política ampla, segurança jurídica, inovação e oportunidades econômicas distribuídas. Em contrapartida, instituições extrativistas concentram poder e riqueza, bloqueiam a mobilidade social e perpetuam ciclos de desigualdade e estagnação.

Os seus principais argumentos são:

• Instituições importam mais do que geografia ou cultura: o sucesso ou fracasso das nações depende fundamentalmente da qualidade de suas instituições políticas e econômicas, e não de fatores naturais ou culturais.

• Instituições inclusivas versus extrativistas: nações prosperam quando adotam instituições inclusivas, que promovem participação política, inovação e oportunidades amplas; fracassam quando prevalecem instituições extrativistas, concentradoras de poder e riqueza.

• Inclusão institucional, accountability e capacidade de implementação: instituições inclusivas não se limitam à participação formal, mas exigem mecanismos efetivos de controle, transparência e responsabilização. Para a gestão pública brasileira, o desafio central é transformar normas e planos em execução consistente, reduzindo assimetrias regionais e desigualdades de acesso a serviços públicos.

• Dependência de trajetória e reformas de longo prazo: os autores evidenciam como decisões institucionais criam trajetórias difíceis de reverter. No Brasil, isso implica reconhecer limites de reformas pontuais e a necessidade de políticas estruturantes de longo prazo, capazes de romper ciclos de baixa eficiência, captura institucional e fragilidade da confiança pública.

Para quem trabalha com políticas públicas, desenvolvimento, gestão, economia, marketing institucional ou análise social, o livro oferece uma lição essencial: não há crescimento sustentável sem inclusão, confiança institucional e regras do jogo legítimas.

Uma leitura que ajuda a pensar não apenas por que algumas nações fracassam, mas sobretudo o que precisa ser protegido e transformado para que sociedades avancem de forma mais justa e resiliente.

O código Master

  O código Master


Desde que assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin passou a trabalhar pela adoção de um código de conduta para os ministros da Corte, de modo a estabelecer parâmetros claros, explícitos e próprios de comportamento.


Inspirado no código de conduta do equivalente ao STF na Alemanha, Fachin fez a sua defesa mais explícita à proposta no discurso de encerramento do Ano Judiciário de 2025, em 19 de dezembro. Na ocasião, a reputação institucional do STF passara a ser questionada no caso do Banco Master. Fachin disse que a corte, para 2026, tem um “encontro marcado” com temas entre os quais estão as “diretrizes e normas de conduta para os tribunais superiores, a magistratura em todas as instâncias e no Supremo Tribunal Federal”.


“Cabe-nos exercer nossas atribuições com rigor técnico, sobriedade e consciência histórica. Não poderia, nessa direção, deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de debatermos um conjunto de diretrizes éticas para a magistratura. Considerando o corpo expressivo que vem espontaneamente tomando o tema no debate”, disse o presidente do STF, cuja proposta tem um único aliado público até agora entre os membros da corte: a ministra Cármen Lúcia.


A reação foi imediata. Oito ex-presidentes do STF defendem a adoção do código de conduta. Em outubro, o ex-ministro Cezar Peluso foi um dos subscritores de um documento da Fundação FHC com propostas para o aprimoramento do judiciário, incluindo, entre os pontos, um manual de conduta para o STF. Em 22 de dezembro, Ayres Britto, Carlos Velloso, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber expressaram apoio à ideia, em reportagem de Rafael Moraes Moura, no jornal O Globo.


O ex-ministro Joaquim Barbosa, relator da ação penal do mensalão, afirmou à piauí que “apoia 100%” a criação do código, e que o caso Master reforça a necessidade de fazê-lo. “As duas coisas estão entrelaçadas. Código de conduta é o mínimo que se pode fazer neste momento”, disse Barbosa, em sua primeira declaração sobre o assunto.


Além deles, o antecessor de Fachin na presidência, Luís Roberto Barroso, apoia a iniciativa, mas ainda não se pronunciou publicamente. “Não é difícil imaginar o que eu penso. Mas desde que saí do Supremo, estou procurando ficar abaixo do radar e evitando declarações”, disse à piauí.


Internamente no STF, os demais ministros têm evitado falar do assunto, mas por outro motivo. “O silêncio da bancada desconfortável com o código de conduta é o sinal mais gritante da sua conveniência, para não dizer necessidade”, escreveu o colunista Elio Gaspari, dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo.


O principal – e até agora único – porta-voz da resistência é o decano do tribunal, Gilmar Mendes, que falou sobre a proposta de Fachin em conversa com jornalistas de diversos veículos, na segunda-feira, 22. O ministro sustentou que já existem regras suficientes para regular a conduta de magistrados no Brasil, o que torna desnecessário adotar um código próprio para o STF.


Na conversa com os jornalistas, o decano chamou de “bobagem” as cobranças da imprensa sobre participações de magistrados em eventos e expressou seu desacordo em relação à ideia de moderação nas manifestações públicas de ministros, inclusive sobre processos em julgamento. “Eu travei toda aquela batalha contra a Lava Jato falando, denunciando. Se eu não tivesse falado, certamente nada teria mudado”, afirmou.


No mesmo dia, o gabinete de Gilmar Mendes divulgou aos jornalistas um levantamento comparativo para demonstrar que tudo aquilo que o código alemão exige de seus juízes — independência, imparcialidade, cuidado com a vida privada, recusa de benefícios, moderação na comunicação pública, quarentena depois da aposentadoria — já está contemplado, de uma forma ou de outra, no ordenamento jurídico brasileiro.


O levantamento divulgado por Mendes  cita a Constituição brasileira, a Lei Orgânica da Magistratura e o Código de Ética da Magistratura Nacional do Conselho Nacional de Justiça, além das regras previstas no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal. “Não há vácuo no ordenamento jurídico brasileiro quanto à disciplina da conduta, independência e imparcialidade dos juízes”, conclui o texto.


Entre os críticos da falta de contenção no comportamento de alguns magistrados, há aqueles que concordam que talvez não haja “vácuo” nas leis brasileiras. O problema, na verdade, está em outro lugar: o descumprimento das normas existentes, que vem sendo justificado por uma interpretação cada vez mais elástica das próprias normas.


Afinal, o próprio comparativo divulgado por  Gilmar afirma que o código de conduta alemão recomenda que os magistrados divulguem os rendimentos obtidos por palestras e eventos. Até hoje não se sabe quanto cada ministro recebeu ao participar de eventos como os fóruns do Lead, Esfera, grupos econômicos do setor dos bancos, planos de saúde e mesmo em eventos como o bancado pela Refit em Nova York neste ano. Neste ponto, o vácuo é explícito: nenhuma norma brasileira exige a divulgação de remuneração.


O código da Alemanha também veda que os juízes se envolvam em eventos que provoquem “dúvidas sobre independência, imparcialidade e integridade”. Mesmo assim , aqui no Brasil, Dias Toffoli pegou carona no jatinho do advogado do Master para ver a final da Libertadores em Lima, no Peru. E, ao desembarcar de volta, puxou para si o caso do Master e decretou sigilo sobre o assunto. Solicitado a explicar sua atitude, Toffoli disse que só recebeu o processo do Master depois da viagem e que não conversa sobre processos em ocasiões como essa. No entanto, o ministro já estava na capital do Peru quando foi sorteado relator do caso.


O caso que tornou o debate sobre código de conduta mais urgente envolve o ministro Alexandre de Moraes e, mais uma vez, o Banco Master. Primeiro, a jornalista Malu Gaspar*, de O Globo, revelou que o escritório de advocacia da mulher do ministro, Viviane, tinha um contrato milionário com o Master. Ganhava 3,6 milhões de reais por mês. Se o contrato não tivesse sido rompido depois do escândalo do Master, renderia um total de 129 milhões — um valor fora do padrão do mercado .


O escopo do contrato do Master com o escritório da mulher do ministro era amplo: representar os interesses do banco nos Três Poderes,  em órgãos como o Banco Central, a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Mensagens apreendidas pela Polícia Federal indicavam que os pagamentos ao escritório eram tratados internamente pelo Master como prioridade absoluta. Até agora não surgiram registros formais de atuação do escritório da mulher de Moraes junto ao Banco Central ou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica em favor do Master. O ministro Alexandre de Moraes e o escritório foram procurados pela imprensa, mas não responderam aos questionamentos.


Depois do contrato, a repórter Malu Gaspar revelou que o ministro manteve ao menos quatro contatos (três telefônicos e um pessoal) com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, durante o período mais sensível da crise do Master. Segundo a reportagem, o ministro Moraes buscou informações sobre o andamento da compra do Master pelo Banco de Brasília (BRB). Ouviu do regulador que havia indícios de fraude que inviabilizavam a transferência de mais de 12 bilhões de reais de crédito do Master para o BRB.


Moraes lançou duas notas em menos de 24 horas. Na primeira, afirmou que as reuniões com dirigentes do sistema financeiro ocorreram “exclusivamente” para tratar dos impactos da Lei Magnitsky – e não fez nenhuma menção ao Master. A jornalista Daniela Lima, do UOL, antecipou a versão de Moraes, mas divergiu em um ponto da nota: afirmou que, sim, houve menção ao Master em conversa com Galípolo.


Na segunda nota, Moraes foi mais explícito e disse que “em nenhuma das reuniões jamais foi tratado qualquer assunto ou realizada qualquer pressão referente à aquisição do BRB pelo Banco Master”. Admitiu dois encontros com Galípolo, em seu próprio gabinete no STF, em 14 de agosto e 30 de setembro. Disse também que “jamais esteve no Banco Central e que inexistiu qualquer ligação telefônica entre ambos, para esse ou qualquer outro assunto” e que “o escritório de advocacia de sua esposa jamais atuou na operação de aquisição BRB-Master perante o Banco Central”. Sobre este último ponto, ninguém havia dito o contrário.


Segundo uma nova reportagem, agora do jornal O Estado de S. Paulo, Moraes chegou a ligar seis vezes em um único dia para Galípolo. Em sua resposta, o Banco Central não mencionou números, mas afirmou que todas as interações foram documentadas e que a instituição está à disposição para prestar esclarecimentos. Em coletiva de imprensa, em 18 de dezembro, Galípolo declarou publicamente que o BC registrou reuniões, telefonemas e trocas de mensagens relacionadas ao caso. 


A única nota à imprensa divulgada pelo Banco Central, em 23 de dezembro, diz: “O Banco Central confirma que manteve reuniões com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, para tratar dos efeitos da aplicação da Lei Magnitsky”. Nada do que se discute no caso Banco Master desmerece ou contamina os julgamentos dos envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro, conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes com base em um conjunto robusto e incontroverso de provas. Confundir esses planos significa politizar as suspeitas, criando uma equivalência inexistente entre investigações sem relação entre si — algo distinto do que ocorreu em episódios como o da Lava Jato, em que a condução dos processos por Sérgio Moro violou os próprios princípios da operação.


Paradoxalmente, quem caiu na armadilha de criar a falsa equivalência entre o caso Master e o julgamento dos golpistas foi a própria esquerda, que invadiu as redes sociais atacando Malu Gaspar, como se suas revelações fizessem parte de um complô para desmoralizar o ministro que condenou Bolsonaro e seus militares. A onda chegou a tal ponto que a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji**) lançou uma nota em defesa da jornalista. “Infelizmente, nos últimos anos, se tornaram comuns os ataques misóginos a mulheres jornalistas que fazem reportagens sobre pessoas que ocupam importantes espaços de poder”, diz a nota. “Quando qualquer jornalista sofre intimidação por exercer o seu ofício, perde a sociedade como um todo.”


 


Nenhuma norma de conduta foi capaz de evitar todos esses acontecimentos. “Do ponto de vista institucional, não é tanto sobre a qualidade ou efetividade das normas”, diz o professor Rubens Glezer, da FGV-SP, “mas sobre a forma como o Supremo se organiza para controlar a atuação cotidiana de seus próprios ministros”. Glezer destaca que, ao reconhecer a constitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça, o próprio STF estabeleceu que seus ministros não estariam sujeitos a controle externo regular, e em razão disso o STF não tem uma instância institucional de controle sobre equívocos, atitudes abusivas, excessos e violações éticas de seus ministros.


“O controle existente é basicamente entre os próprios ministros e, no limite, o impeachment pelo Senado. E não é um bom instrumento”, afirma Glezer. Nesse contexto, de acordo com o professor, a proposta de um código de ética é uma tentativa de estruturar esse controle interno e preservar a autonomia do tribunal, evitando que a única resposta possível a crises recorrentes seja a intervenção externa ou soluções excepcionais.


Além disso, em 2023, o STF derrubou um dispositivo do Código de Processo Civil que ampliava as hipóteses de impedimento de juízes quando escritórios de seus parentes advogassem junto à corte. A decisão reduziu restrições criadas para prevenir conflitos indiretos de interesse e reforçou a aposta na autocontenção individual dos magistrados. Hoje, Brasília está tomada por parentes de ministros com escritórios de advocacia. De alguma forma, tornou-se comum que familiares de ministros do STF que já advogaram ou advoguem na corte – entre eles, as mulheres de Moraes, Toffoli e Cristiano Zanin, a ex-mulher de Gilmar Mendes, o filho do ministro Luiz Fux e a irmã do ministro Kassio Nunes Marques.


Um dos pontos que o caso Master evidencia é o despautério da presença frequente de ministros do STF em eventos patrocinados por empresas com causas bilionárias na corte. Antes disso tudo, entre 2022 e 2024, o Banco Master bancou ao menos cinco eventos — dos quais quatro no exterior: Nova York, Paris, Londres e Roma –, que contaram com a presença de ministros do STF, como Moraes, Gilmar, Toffoli, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski, segundo levantamento do Poder360.


Um dos episódios mais citados ocorreu em 2022, durante a Brazil Conference, quando o controlador do Master, Daniel Vorcaro, ofereceu um jantar em Nova York que reuniu ministros do STF. No Fórum Jurídico Brasil de Ideias, realizado em Londres em abril de 2024, Moraes, Gilmar e Toffoli compareceram, assim como o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o advogado-geral da União, Jorge Messias, que foi indicado recentemente por Lula para o STF e aguarda sabatina e votação de seu nome no Senado.


Nestes eventos, não há registro de encontros ou reuniões paralelas, não há divulgação de agendas, nem comunicação prévia de potenciais conflitos. A resistência a transformar esses escrúpulos em norma obrigatória revela mais do que divergências técnicas ou jurídicas, segundo o professor Davi Tangerino, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Ela reflete um traço estrutural da vida pública brasileira: o patrimonialismo. “Muitos agentes públicos se sentem donos do cargo”, afirma Tangerino. Segundo ele, isso se manifesta em decisões moldadas por visões pessoais, na construção de posições de poder em relação a outros Poderes e, em casos extremos, há risco de corrupção.


A leitura dos editoriais publicados nos últimos dias por O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo revela enfoques distintos, mas convergentes. O Estadão afirmou que conexões pessoais mal explicadas de ministros do Supremo com o Banco Master “arriscam a credibilidade do STF” e colocam a Corte em “terreno pantanoso”, ao converter episódios individuais em um problema institucional. A Folha enquadrou o episódio como expressão de um déficit mais amplo de controles, advertindo que a ausência de freios institucionais favorece excessos e reforça a percepção de que “poderosos se protegem”. Já o Globo, em editorial intitulado STF fracassa em transparência e prestação de contas, destacou que a corte demorou duas semanas para se manifestar sobre o vínculo entre Moraes e o Master. O jornal carioca classificou como “inaceitável” a continuidade do segredo imposto por Toffoli e defendeu explicitamente a adoção de um código de conduta para os ministros do Supremo, como forma de “dirimir todas as situações que gerem conflito de interesse” e preservar a integridade institucional da Corte.


No centro do debate não está um banco, nem um contrato, nem um voo, nem um telefonema. Está uma questão mais ampla: se um tribunal que cobra transparência dos demais poderes está disposto a submeter a si mesmo a regras capazes de transformar princípios éticos em procedimentos objetivos. Enquanto essa resposta não vier na forma de normas claras, casos como o do Master continuarão a explicitar que confiança pública é uma construção permanente.



*Malu Gaspar trabalhou na piauí entre 2015 e 2021 e fez parte da primeira composição do podcast Foro de Teresina, que estreou em 2018


**O jornalista Breno Pires é conselheiro fiscal da Abraji desde 2024

Transformações da profissão

 


Durante décadas, a formação econômica foi baseada em narrativas, pouca prática quantitativa e quase nenhuma intimidade com programação. Esse é o velho economista:


• Aprende a construir narrativas
• Pouca intimidade com métodos quantitativos
• Não aprende programação
• Tem dificuldades em fazer análise de dados

Mas o jogo mudou radicalmente na última década.

O novo economista, em tempos de IA, precisa ser um profissional híbrido, que une teoria à prática e sabe lidar com dados em escala:

• Teoria e prática se misturam
• Conhece bem cálculo e estatística
• Programa em várias linguagens
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🚀 A profissão não está morrendo, está se transformando.

Quem quiser continuar relevante precisa falar a língua dos dados — e usar a IA como aliada, não como ameaça.

O profissional do futuro será aquele que consegue usar Agentes de IA como aliado, aumentando sua produtividade e conseguindo distinguir o que é real do que é falso.

Não é trivial: exige intimidade com novas tecnologias e capacidade de internaliza-las de forma veloz, sem perda de relevância.

👉 E você, concorda ou tem uma visão distinta?

Alvaro Costa e Silva

 Coluna do Alvaro Costa e Silva na Folha de hoje (27 de dezembro), p. A3. QUARTETO FANTÁSTICO  O lugar-comum publicitário inventou uma fórmu...