sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Editorial do Estadão (17/02)

LULA PROMETE O ATRASO: A razia bolsonarista demanda a eleição de um presidente disposto a trabalhar dobrado na reconstrução do País. A bem da verdade, a crise política, econômica, social e, sobretudo, moral que está arruinando o Brasil começou muito antes, durante o trevoso mandarinato lulopetista, e culminou na eleição de Jair Bolsonaro – mau militar, mau deputado e mau presidente. Ou seja, com exceção do breve intervalo do governo de Michel Temer, que representou um instante de racionalidade reformista em meio a tanta irresponsabilidade demagógica, já se vão 20 anos de retrocesso e destruição do futuro.

Se depender de Lula da Silva, no entanto, o atraso será transformado de vez em política de Estado. Pois o líder das pesquisas de intenção de voto para presidente diz, sem qualquer constrangimento, que o País, pasme o leitor, não precisa de reformas – justamente os instrumentos indispensáveis para modernizar o Brasil, criando as condições para o desenvolvimento pleno de sua imensa potencialidade.
No dia 15 passado, Lula deu uma entrevista à rádio Banda B, de Curitiba, na qual a entrevistadora ousou lhe perguntar por que ele, quando esteve na Presidência, não promoveu “as reformas que o País tanto precisava”, embora tivesse apoio da maioria no Congresso. Ótima pergunta. Lula não se deu ao trabalho nem ao menos de afetar algum ânimo reformista. De bate-pronto, respondeu: “Mas quem é que disse que o Brasil precisava das reformas?”.
É esse o candidato que se apresenta para o trabalho de “reconstrução e transformação do Brasil”, conforme se lê num papelucho apresentado pelo PT em 2020 como um plano para o futuro – melhor seria qualificá-lo de ameaça.
Ora, quem é contra as reformas – seja as que ainda não foram feitas, seja aquelas que já foram aprovadas, como a trabalhista e a previdenciária, e evitaram que o País afundasse ainda mais na crise – não está interessado em reconstruir nada. Não haverá solidez em nenhum projeto de governo nem de país se este não estiver escorado em amplas e profundas reformas; fora disso, resta apenas o populismo estatólatra.
Esta é a verdade sobre Lula e o PT: não fizeram as reformas porque consideram que o País não precisa delas. A omissão petista ao longo de 14 anos não se deu por uma questão circunstancial – ou seja, nem sequer se deram ao trabalho de tentar encaminhar alguma reforma de vulto. Lula e o PT não fizeram as reformas porque não quiseram e continuam a não querer.
A resposta de Lula é um acinte, especialmente com os desempregados e com as famílias mais vulneráveis. O Estado, inchado, perdulário e dominado por interesses privados, é incapaz de prestar os serviços básicos para a população, além de drenar recursos que deveriam ser investidos em desenvolvimento e na geração de empregos, mas Lula acha que não há necessidade de reformar nada. Em sua visão, o País não precisaria de nenhuma mudança estrutural. Ou seja, tudo pode ficar como está.
Se a resposta de Lula é constrangedora pelo descaramento com que admite a omissão petista, é ainda mais assustadora pelo que revela a respeito do presente e do futuro. O declarado desprezo do líder petista pelas reformas deveria ser suficiente para antever um porvir sombrio, caso se confirme o favoritismo de Lula e o PT volte ao poder, apesar do histórico de corrupção e incompetência.
A despeito das articulações de Lula para posar de centrista, é preciso ser muito ingênuo para acreditar que um dia haverá um governo do PT reformista. Lula, fiel à sua natureza, aproveita-se das reformas que outros fizeram, colhe os frutos e a popularidade das mudanças estruturais que outros implementaram, mas ele mesmo não quer fazer nada. Lula não está disposto ao trabalho árduo de promover mudanças legislativas estruturais, politicamente difíceis e que exigem contrariar interesses de setores organizados. Prefere ridicularizá-las.
A educação, a saúde, a economia e tantos outros setores fundamentais do País precisam urgentemente das reformas para funcionarem melhor. Basta de populismo negacionista.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Um artigo no Estadão de ontem (dia 15) para guardar.

 Um artigo no Estadão de ontem para guardar.

“Está começando um ano decisivo para nós, que traz consigo a certeza absoluta de que quase nada avançará no Brasil, pois teremos eleições em níveis federal e estadual, para escolher presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. O País viverá 2022 em função disso, ainda que a fome, a inflação, o desemprego, o déficit na educação e na saúde não esperem, e assim, infelizmente, acumularemos mais um ano de estagnação social e econômica.”
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Macunaímas
O Estado de S. Paulo.
15 de fev. de 2022
Ro­ber­to Li­vi­a­nu
A centenária Semana de Arte Moderna foi além da renovação de linguagem e do início do Modernismo no Brasil. Muitos consideram que ali se iniciou, mesmo, a construção da identidade, da arte e da cultura popular brasileiras, a partir de figuras icônicas, como Di Cavalcanti, Villa-lobos, Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Victor Brecheret, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e, especialmente, Mário de Andrade.
Mário de Andrade andou pelo País fazendo incursões etnográficas nas décadas de 1920 e seguintes, lançando luz sobre a necessidade de sistematizar nossas referências culturais e historiográficas. Legitimou-se, assim, como referência maior do patrimônio histórico e cultural, pai do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que seria fundado nos anos seguintes.
A abolição da escravidão, em 1888, e a República, no ano seguinte, evidenciaram que algumas modificações vinham marchando, mas é fundamental que se registre que não foram conquistas advindas da luta do povo nas ruas, mas meros movimentos de elites. Ao ponto que, proclamada a República, não se instituíram de imediato eleições, que ocorreriam somente cinco anos mais tarde. A Constituição de 1891 não reconheceu direitos políticos a analfabetos, mulheres, pedintes, soldados e integrantes de ordens religiosas, como registra o imortal José Murilo de Carvalho em sua obra Cidadania no Brasil.
Elitista, nossa primeira eleição teve a participação de 2,2% da população ativa em 1894, caindo para 0,9% em 1910 (em Nova York, naquela época, 88% do eleitorado ativo masculino participava), e só evoluiríamos para 13,4% em 1945, no Estado Novo varguista. Vale registrar a inexistência de movimento popular algum, postulando participação popular até 1930, à exceção do pequeno e aguerrido movimento em prol do voto feminino.
Está começando um ano decisivo para nós, que traz consigo a certeza absoluta de que quase nada avançará no Brasil, pois teremos eleições em níveis federal e estadual, para escolher presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. O País viverá 2022 em função disso, ainda que a fome, a inflação, o desemprego, o déficit na educação e na saúde não esperem, e assim, infelizmente, acumularemos mais um ano de estagnação social e econômica.
O Brasil de um século atrás, com população despolitizada e em grande número analfabeta, é retratado por Victor Nunes Leal em sua obra Coronelismo, Enxada e Voto, que enfatiza que do compromisso fundamental dos remanescentes do privatismo, alimentado pelo poder público, resultaram as características do sistema “coronelista”: o mandonismo, o filhotismo e o falseamento do voto.
Isso porque, em fevereiro de 2022, nosso balanço do século que se passou desde a corajosa, criativa e inovadora disrupção modernista não é alvissareiro no plano político, apesar de alguns avanços, como a criação do SUS, a melhoria em relação à redução das mortalidades materna e infantil e do analfabetismo, pois a cultura do compadrio, advinda do patrimonialismo coronelista apontado por Nunes Leal, está viva, sendo ainda cultuado o nepotismo como modelo de gestão pública, em pleno século 21, por diversas figuras detentoras de parcelas expressivas de poder.
Falar em contratação de parentes nos tempos de D. Pedro, vá lá. Mas a defesa da tese diante da impessoalidade e da prevalência do interesse público impostas pela Constituição é ignomínia. Mas se faz, à luz do dia e com naturalidade. Chegam alguns a ficar compreensivelmente constrangidos em defender a ética republicana meritocrática, invocando célebre pensamento de Ruy Barbosa.
A preocupação com o patrimônio histórico e cultural de Mário de Andrade, cuja defesa jurídica o Ministério Público faz por ordem constitucional – assim como do meio ambiente, do patrimônio público, dos consumidores, indígenas, da infância, de pessoas com deficiência, idosos e outros interesses tão caros à sociedade –, é esmagada e vilipendiada por cancelamentos virtuais e falsas narrativas.
Aliás, desde o ano passado, os violadores da lei sentem-se injustamente leves, pois, com a Lei 14.230/21, não são mais punidos por improbidades culposas (mesmo gravíssimas), quase nunca por improbidades sem danos e, para serem punidos por improbidades com danos, exige-se prova do dolo específico. E os novos prazos de prescrição fluem num piscar de olhos. Ou seja: o Congresso e o presidente da República praticamente garantiram a eles o direito à impunidade.
O heroísmo sem caráter macunaímico, definido por Mário de Andrade, talvez seja uma boa maneira de denominar os políticos que praticam o chamado “rouba, mas faz”, que procriam ao infinito, em diversas legendas partidárias, sem restrições, à esquerda, no centro e à direita. Hoje, inclusive, muitos roubam e nem sequer fazem.
Nestes cem anos, foi cada vez mais comum o uso do poder visando ao descarado autobenefício e à aprovação de leis para acomodar interesses mesquinhos, conforme diagnóstico preciso de Acemoglu e Robinson em sua obra Por que as Nações Fracassam. Temos um longo e difícil caminho a percorrer, mas, em outubro, os eleitores terão uma nova oportunidade de começar a escrever uma nova página na nossa história. •
PROCURADOR DE JUSTIÇA EM SÃO PAULO, IDEALIZOU E PRESIDE O INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO

Editorial do Estadão (17/02)

LULA PROMETE O ATRASO: A razia bolsonarista demanda a eleição de um presidente disposto a trabalhar dobrado na reconstrução do País. A bem d...