terça-feira, 8 de junho de 2021

VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA

Na literatura, um escritor uruguaio de esquerda, muito respeitado no meio literário, Eduardo Galeano, publicou um livro, "Veias Abertas da Américal Latina", que se tornou um marco na região, por descrever, em detalhes, como foi a colonização do continente, muito mais caraterizada pela exploração das riquezas minerais, e pouco pelo povoamento dos países.

Não foi, portanto, uma colonização de povoação, mas apenas de exploração.

Desde então, cada país viveu sua história, sua evolução, suas contradições, no que o filósofo Karl Marx chamaria de "dialética histórica", ou mesmo o saudoso Darci Ribeiro, evoluindo "aos trancos e barrancos".

Países, que tinham um pé na Europa, como Chile e Argentina, modelos consagrados pelos seus sistemas educacionais e suas bem azeitadas economias, basdeadas no setor primário, tomaram rumos diferentes no século XX, e mais se aproximaram, ou se afastaram, do Eldorado do "velho continente".

Na Argentina, a ascenção do Domingues Peron nos anos 40, a influência de Evita, os simbolismos depois como "mãe dos pobres", símbolo do populismo, até a queda de Isabelita nos anos 70 e a ascenção da ditadura militar na Argentina, radicalizada a partir dos anos 1976. Tivemos um interregno, até o retorno da democracia, com a eleição de Raul Alfonsin em 1983.

No Peru, foi realizada mais uma eleição, no dia 6 de junho, Pedro Castillo contra Zeiko Fujimori. Dois extremos. De um lado, Pedro Castillo, professor de ensino médio, ligado aos sindicatos, às esquerdas, aos partidos, aos comunistas; do outro, Keiko, filha do ex-presidente Fujimori, presa no passada, mais ligada à capital, Lima.


Esta corrida eleitoral no Peru, entre dois candidatos polarizados, foi a mais recente de uma série de eventos de risco político, que assombram a América Latina, região que luta para acompanhar seus pares globais apesar do boom das commodities.


Preocupa, no entanto, sua retórica pode ser resumida por 10 pontos importantes do programa ideário da frente "Peru Libre", partido do Pedro Castillo. Esta seleção foi obtida junto ao amigo do FACE, Rodrigo Silva.

"1. A criação de uma nova constituição, “que debe concluir en el desmontaje del neoliberalismo y plasmar el nuevo régimen económico del Estado”.

2. A estatização "de los sectores mineros, gasíferos, petroleros, hidroenergéticos, comunicaciones, entre otros"

3. Todas as dívidas públicas “deben ser canceladas en el país, previa renegociación de las cifras primarias”.

4. A regulamentação da imprensa, defendendo os "legados de Lenin y Fidel" nessa matéria. O Peru Libre abertamente não defende a liberdade de imprensa.

5. O controle dos salários: "los sueldos de los empresarios deberán ser múltiplos de las remuneraciones de los obreros, así podrá un empresario ganar muy bien, pero pagará a su obrero menos calificado no menos de veinte veces su propio sueldo".

6. A atuação do Estado para garantir empregos: "El Estado socialista debe generar empleo mediante la industrialización del país y tecnificación del sector agrícola, entre otros, para garantizar bienestar al 65% de los peruanos de manera directa e indirecta".

7. A limitação dos lucros das empresas transnacionais. O Estado se apropriaria de 70% a 80% dos ganhos, deixando o setor privado com 20% a 30%.

8. A revisão, regulação ou anulação dos tratados internacionais - econômicos, ambientais, de direitos humanos, etc.

9. A convocação dos países vizinhos para estabelecer uma “zona não negociável” com os Estados Unidos.

10. Dificultar a atuação de ONGs estrangeiras - que nada mais são do que “organizaciones de otros gobiernos en nuestros países”.

Esta é a plataforma da frente "Peru Libre", do presidente eleito Pedro Castillo.

A América Latina já estava mergulhada em agitação social antes que a pandemia de Covid 19 a atingisse. Agora, uma sequência de eleições que se estende para 2022, protestos na Colômbia e turbulências sobre a Constituição do Chile levaram os investidores a se preparar para uma nova onda de incertezas sobre a formulação de políticas.

Além disso, a pandemia ainda devasta a região, com Argentina, Colômbia, Brasil e Chile registrando muito mais casos confirmados por milhão de pessoas do que a Índia.

"A América Latina vive um momento muito difícil. Está tendo eleições em um momento em que (a Covid-19) tem sido tão dolorosa, tão mortal e tão disseminada em tantos países da região que torna possível uma mudança de direção econômica e política."

A economia da América Latina encolheu 7% no ano passado, contração mais acentuada de todas as regiões emergentes, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Crescentes pressões globais de inflação e rendimentos atingiram a região de forma desproporcional, com bônus em moeda forte e local atrasados ante seus pares ​​em 2021 e muitas das moedas regionais apresentando desempenho inferior.

Os preços em alta das commodities não proporcionaram muito alívio a uma região dominada por exportadores de recursos básicos. A previsão de crescimento econômico de 4,7% neste ano depende de que a recuperação continue no caminho certo, apesar do lento progresso da vacinação.

"O aumento da volatilidade política tirou o brilho de muitas coisas positivas no que diz respeito ao impacto do preço das commodities na região".

"Obviamente, tem havido um fluxo de notícias no Peru, há coisas acontecendo no Chile, também estamos entrando em um ciclo eleitoral no Brasil, onde o ex-presidente está de volta à cena."

A moeda do Peru, soles, está em uma montanha-russa, conforme pesquisas mostram que o socialista Pedro Castillo - que quer mais impostos e pagamentos de royalties no setor de mineração.

Gustavo Petro - um ex-insurgente antes próximo ao líder venezuelano Hugo Chávez e cujas propostas de gastos sociais levantam as sobrancelhas da disciplina fiscal - lidera as primeiras pesquisas para a eleição presidencial de 2022 na Colômbia.

O ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva parece ter uma chance de destituir o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro no ano que vem no Brasil, e a votação do Chile neste mês para uma assembleia constituinte desferiu um golpe no partido de centro-direita do governo antes das eleições presidenciais de novembro.

No Equador, a vitória surpresa de Guillermo Lasso na eleição presidencial de abril foi um raro êxito da direita no atual ciclo eleitoral.

Apesar de um padrão de rejeição percebido no mercado financeiro, a ascensão da política de esquerda está longe de ser por regra negativo para os mercados, como mostram o presidente do Equador, Lenín Moreno, ou o mexicano Andrés Manuel López Obrador.

Mas alguns investidores estão receosos de mudanças bruscas de política que ponham o importante setor de mineração na mira, ou coloquem economias no mesmo caminho da Venezuela --onde uma longa crise econômica se transformou em uma crise humanitária--, ou mesmo aproximem os países da situação da Argentina, prejudicada por inflação elevada e dívida sufocantes.

"Os ciclos políticos tendem a ir em ondas, e acho que estamos nos estágios iniciais de uma onda política de esquerda na América Latina", disse Peter Gillespie, gestor de portfólio de ações da Lazard Asset Management que investe principalmente no México, Brasil, Peru e Colômbia.

Vamos conversando.

Editorial do Estadão (17/02)

LULA PROMETE O ATRASO: A razia bolsonarista demanda a eleição de um presidente disposto a trabalhar dobrado na reconstrução do País. A bem d...