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STF reage

 Supremas cortes dependem de legitimidade e estabilidade institucional para funcionar.

Quando esses pilares são ameaçados — por reformas do Legislativo, por ataques do Executivo ou por queda de confiança pública — elas tendem a reagir.


A decisão de Gilmar Mendes deve ser lida exatamente nesse contexto: um movimento preventivo do STF para evitar a erosão de seus poderes.


Esse padrão é conhecido em outras democracias, como mostro no paralelo com a High Court of Justice de Israel.


Nova coluna no Estadão:


Título: O “preemptive strike” do Supremo


Olho: Antes que os poderes sejam reduzidos, o Judiciário aumenta suas defesas — aqui e no resto do mundo.


Carlos Pereira, Professor Titular da FGV EBAPE e Sênior Fellow do CEBRI


A decisão do ministro Gilmar Mendes — restringindo a possibilidade de pedidos de impeachment contra ministros do STF exclusivamente à Procuradoria Geral da República — foi recebida com surpresa e acusada, por alguns, de autoproteção corporativa. Mas, ao contrário do que parece, o movimento deve ser interpretado como parte de um fenômeno bem documentado na literatura de ciência política e do direito comparado: cortes reagindo preventivamente quando percebem ameaça política real.


Em democracias, tribunais constitucionais dependem de legitimidade e de estabilidade institucional para exercer suas funções. Quando ambos os pilares começam a estremecer por ataques diretos de outros poderes, é comum que as cortes adotem decisões que funcionam como escudos preventivos contra tentativas de redução de suas competências ou captura-las politicamente.


Esse comportamento é previsível. Instituições não são atores neutros em ambientes de conflito. Tom Ginsburg e Aziz Huq mostram que, quando os custos de inação superam os custos de ação, supremas cortes tendem a “endurecer” e produzir jurisprudência defensiva, destinada a aumentar sua resiliência diante de ameaças externas. Da mesma forma, estudos recentes mostram que o desgaste da confiança pública no Judiciário, hoje observável em várias democracias, incentiva movimentos estratégicos de autopreservação por parte das cortes. 


O caso brasileiro se encaixa perfeitamente nesse padrão. O Congresso discute, há meses, propostas para reduzir poderes do STF. Nesse ambiente, a probabilidade de uma reação preventiva aumenta. A decisão de Gilmar Mendes, nesse sentido, não deve ser vista isoladamente, mas como parte de um tabuleiro institucional mais amplo.


Não se trata de um fenômeno brasileiro. Em Israel, por exemplo, a High Court of Justice realizou um movimento semelhante em 2023–2024, quando o governo de Benjamin Netanyahu tentou aprovar reformas para enfraquecer a corte. A resposta do Judiciário israelense foi clara: decisões robustas, assertivas e coordenadas para bloquear, antes que fosse tarde, a erosão de suas competências. O que ocorreu ali se tornou um caso paradigmático de preemptive strike judicial — uma reação institucional à iminência de perda de poder.


O mesmo mecanismo ajuda a explicar o comportamento do STF agora. Quando o Legislativo sinaliza que pretende mudar as regras do jogo, a tendência é que o tribunal identifique a conjuntura como perigosa. Se o sistema político ameaça alterar os pesos e contrapesos, a resposta do Judiciário tende a ser justamente reforçá-los.

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