Entrevista com o investidor americano Kevin Harrington, criador da idéia do Polishop

A base da fortuna do investidor americano Kevin Harrington se estabeleceu no fim dos anos 80, quando ele inventou o conceito de infocomercial, aquelas propagandas de TV nas quais as empresas vendem objetos que podem ser encomendados por telefone (no Brasil, o formato se popularizou com a Polishop). Desde então, ele diversificou suas apostas, sendo que injetou dinheiro em 500 produtos que, somados, venderam acima de 5 bilhões de dólares. Entretanto, Harrington passou a ganhar fama mundial, mesmo, quando aceitou o convite para ser jurado do programa de TV Shark Tank, assistido por 10 milhões de espectadores. Nele, ele e seus colegas veem apresentações de empreendedores iniciantes e, assim, escolhem em quem investir. No fim deste mês, Harrington visita o Brasil para o evento Ebulição Espontânea, no qual palestrará ao lado de empresários brasileiros como Roberto Justos e Carlos Wizard. A seguir, ele indica como investidores devem se comportar em crises econômicas – ele superou a de 2008 nos EUA –, além de se dizer otimista com o novo presidente americano, Donald Trump.
O Brasil passa hoje por uma aguda crise econômica. Recentemente, os EUA também sofreram com um cenário desfavorável, em 2008, e seus negócios foram prejudicados. Como um investidor pode sobreviver a essas crises macroeconômicas? Procuro me envolver em vários segmentos, tento observar as tendências atuais e aplico capital naquilo que está crescendo, mesmo em um ambiente desaquecido. Hoje, por exemplo, as pessoas não recorrem mais tanto às lojas físicas. Por isso, preciso atentar às companhias que nasceram com foco na internet. Essa, aliás, é uma das minhas estratégias agora: aposto nas empresas que têm presença forte no mundo digital; e sou cuidadoso com aquelas que resistem às mudanças. Essas táticas são essenciais para sobreviver a crises.
Nesses cenários de desaceleração, deve-se poupar ou aproveitar para investir mais? É importante ser cuidadoso. Uma dica para qualquer época é arriscar na diversidade dos seus investimentos, pois você pode compensar perdas com os negócios que estão indo mal por meio do retorno com aqueles que continuam a crescer. No fim das contas, são os segundos que vão te sustentar. Contudo, no geral, a atuação na crise depende muito do tipo de investidor que você quer ser. Caso tenha pouco recurso para usar, é melhor esperar pela oportunidade certa, segura, ou aguardar a tempestade passar. Principalmente, não entre em território desconhecido, como, sem muito dinheiro em caixa, comprar participações em startups de ramos com os quais você nunca se envolveu. Essa dica vale, em especial, para os pequenos investidores, ou mesmo para qualquer pessoa que queira fazer a poupança render. Já para um indivíduo com mais recursos, como eu, a situação é outra. A crise chega a se mostrar como uma chance de ouro, caso haja disposição para assumir riscos. Pessoalmente, nessas circunstâncias, prefiro apostar em negócios que estão começando, mas com muito espaço para crescer. Podem ser arriscados, só que, quando vingam, chegam longe, a ponto de compensar eventuais perdas em outras áreas. Penso assim: uma startup promissora com expectativa de crescimento chega a multiplicar por dez cada 10 000 dólares que coloco nela. Mesmo que esse tipo de oportunidade não seja fácil de encontrar, é a que vale procurar durante crises econômicas, quando é menor a concorrência entre investidores e, por isso, fica mais fácil e barato conquistar uma galinha dos ovos de ouro.
O senhor cita com frequência o quão fundamental é diversificar os investimentos. Por que essa tática é tão importante? Simples: nunca se sabe o que vai acontecer. Aqui nos EUA, ninguém esperava a vitória de Donald Trump, agora o presidente americano. Isso mexeu com o mercado. Se eu tivesse colocado tudo apenas em áreas que podem ser afetadas de forma negativa por essa notícia, correria o risco de falir. A diversidade é o que traz equilíbrio e estabilidade para um investidor em série, que aposta em iniciativas de alto risco.
"Situações desfavoráveis da economia chegam a se mostrar como uma chance de ouro, caso haja disposição para assumir riscos e apostar em negócios iniciantes"

Qual é a sua expectativa com o governo de Trump? Primeiro, foi um choque ele ter ganhado. Afinal, Trump não era o mais popular dos dois candidatos e não teve a maioria absoluta dos votos. Ganhou na contagem por estados. Mesmo assim, estou otimista. Trump está convocando muitos executivos do mundo dos negócios para cargos no governo. Isso é louvável. Um desses nomes é Linda Mcmahon (magnata do ramo esportivo, ex-CEO da WWE, maior campeonato de luta livre do mundo; assumiu o cargo de Chefe de Administração de Pequenas Empresas). Além de ser uma amiga próxima, ela é ótima empreendedora. Como esses nomes têm experiência empresarial, não política, eles sabem quais são os caminhos para o sucesso no universo dos negócios. Esse conhecimento pode ser aplicado no governo, como na diminuição da mão do estado no andamento da economia. Não à toa, o mercado americano, no geral, teve reação positiva após a vitória, com ações em alta na bolsa.
O que falta para o Brasil se tornar tão atrativo a investidores quanto são potências como os EUA? Posso falar das vantagens de meu país, que serviriam de modelo aos brasileiros. O melhor do cenário americano é a sensação de estabilidade. Nossos bancos, por exemplo, são estáveis. E também há estabilidade razoável na nossa situação política; uma ditadura não pode se instaurar em meu país do dia para a noite. Para acrescentar, hoje o mercado americano está aquecido. As pessoas estão comprando mais neste Natal do que no ano passado. O e-commerce e o mobile commerce estão nos levando a resultados incríveis. Vou ao Brasil agora não para curtir praias, mas para entender o que está acontecendo com os empresários de seu país. Tem muito empreendedor brasileiro promissor, criativo, e acredito que são esses que vão sobreviver à crise se souberem aproveitar as boas oportunidades.
Muitos brasileiros estão deixando o país, com medo do cenário econômico, rumo a nações onde a situação é melhor. O senhor recomenda essa medida? Não. Eu vivi nos EUA por toda a minha vida. Dou dicas agora, mas a verdade é que perdi muitos milhões de dólares em 2008. Entretanto, sabia que era algo temporário. Mesmo sabendo que, se eu quisesse, poderia deixar meu país e me mudar para outro destino. Como o Brasil, que estava em situação favorável há 8 anos. Contudo, ao ter paciência para ficar em meu país, pude detectar quais eram as melhores oportunidades que surgiam. Nisso, não só recuperei meu dinheiro, como aumentei ainda mais meu patrimônio após termos vencido a crise. Sendo assim, recomendo aos brasileiros que permaneçam no Brasil. Nessa situação difícil, procure por novos caminhos para seu crescimento profissional. Afinal, quando a situação chega ao fundo do poço, onde se está só há a opção de subir. E é bom você estar na área quando o trem voltar a acelerar.
O senhor mudou sua estratégia de negócios desde os anos 80? Ou seu perfil como investidor sempre foi o mesmo? O que não mudou, em nada, é que eu gosto de assumir riscos altos. Se investisse em algo com menor risco, também teria menores chances de retorno. Meu lema é “perca pouco e rápido”. Não tenho medo de perder dinheiro porque sei que isso faz parte da minha estratégia. Cresci porque fui capaz de enxergar tendências e me renovar. Hoje, quase todos os meus investimentos são em empresas ligadas à área digital. Se, nos anos 80 e 90, eu investia em formas diferentes de fazer propaganda na TV, hoje realizo o mesmo em redes sociais.
"Trump convidou executivos para cargos no governo, incluindo amigos meus. Isso é ótimo. Empresários podem aplicar seu conhecimento para fazer crescer o estado como se fosse um negócio"

A internet também democratizou o ramo dos investimentos, com novidades como os sites de financiamento coletivo, pelo qual qualquer um pode colocar dinheiro em um projeto. Com certeza. Quando eu era jovem, se eu quisesse captar dinheiro para alavancar uma ideia, minha única opção era recorrer aos bancos. Os sites de financiamento coletivo, a exemplo do Kickstarter, estão muito populares e acho isso ótimo. Só um conselho para esses novos investidores: cuidado, pois há menor regulamentação atuando sobre a operação desses sites. Mesmo que seu dinheiro suma após tê-lo colocado em um produto desses, em muitos casos não há como recorrer judicialmente para recuperá-lo.
Há a impressão de que todos os investidores agora só querem saber da área digital, em muito como era no fim da década de 90, quando estourou a bolha da internet. Há uma nova bolha se formando? Não. Hoje, o setor está crescendo solidamente, sem solavancos ou dúvidas relevantes. A economia americana está forte, as pessoas estão trabalhando e comprando seus carros, sem dificuldades. Com a visão do novo governo, de colocar pessoas do mundo dos negócios no poder, acho que a tendência dos EUA será só melhorar. Empresários sabem fazer seu negócio crescer. Acredito que eles realizarão o mesmo com a máquina estatal.
Por que decidiu ser jurado no popular Shark Tank? O que o programa oferece na TV, eu já fazia no meu trabalho. Era uma chance de educar as massas no ramo, e não só um público segmentado. Eram 10 milhões de pessoas me vendo. E todos deveriam saber como investir, até para não cair em erros como emprestar dinheiro para um amigo ou familiar fundar um negócio, algo que costuma dar errado, gerar conflitos e levar a rompimentos de relações. No Shark Tank, ainda ficava evidente o quão importante é saber apresentar uma ideia. Os empreendedores que queriam nosso investimento tinham três minutos para nos convencer. Depois de uma temporada, entretanto, optei por sair pois percebi que, enquanto o objetivo do programa era só ganhar audiência, o meu era encontrar negócios de sucesso. Como na TV vinham muitos empreendedores falar conosco, todos os jurados, não só eu, ficavam confusos com as ofertas. Não era um sentimento bom o de colocar dinheiro em um projeto do qual, pouco tempo depois, eu certamente nem me lembraria mais. Era divertido, mas, como investimento, não funcionava.

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