terça-feira, 2 de setembro de 2025

Paulo Baía

 O eco sombrio de Viagem ao Fim da Noite no presente


               * Paulo Baía 


Publicado em 1932, Viagem ao Fim da Noite, de Louis-Ferdinand Céline, é uma dessas obras que atravessam as décadas como ferida aberta. Não se trata apenas de um romance monumental, inovador em sua forma e radical em sua visão de mundo. É também um testemunho que, apesar de nascido em um contexto específico, continua a se projetar sobre a atualidade com uma potência inquietante. Seu impacto não está apenas na literatura, mas no modo como revela as engrenagens de um mundo em colapso, expondo a falência da civilização ocidental diante da guerra, da exploração e da miséria. E é precisamente por isso que a leitura desse livro, hoje, adquire uma dimensão ainda mais urgente, quando as ideias neofascistas voltam a ocupar o primeiro plano da política no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa.


A narrativa segue Ferdinand Bardamu, alter ego do autor, por uma trajetória que percorre os cenários mais devastadores da modernidade. Na Primeira Guerra Mundial, não há glória nem heroísmo, mas apenas carnificina absurda e desprovida de sentido. Nas colônias africanas, não se encontra o mito civilizador europeu, mas a brutalidade nua do colonialismo: terras saqueadas, populações reduzidas a instrumentos, vidas esmagadas pelo lucro. Nos Estados Unidos, Céline observa o capitalismo industrial com olhar ácido, revelando a mecanização da existência, a frieza de um sistema que transforma tudo em mercadoria, inclusive o humano. O retorno a Paris não traz alívio, apenas confirma a miséria das periferias, a precariedade do trabalho, a doença e o abandono social. O livro é um mapa da ruína, uma geografia do desespero humano.


A importância dessa narrativa está no fato de que ela não é apenas um registro histórico. Os horrores descritos por Céline permanecem reconhecíveis no presente. A guerra, em suas novas formas, continua a devastar populações inteiras, seja na Ucrânia, seja no Oriente Médio, seja nas periferias urbanas onde a violência policial e a criminalidade armada assumem contornos de guerra civil. O colonialismo, formalmente encerrado, renasce em novas roupagens: neocolonialismo econômico, exploração de recursos naturais por corporações globais, submissão de povos inteiros a dívidas impagáveis. O capitalismo, em sua versão digital e financeira, ampliou a desumanização, reduzindo a vida a algoritmos, estatísticas e descartabilidade. A miséria urbana, que Céline descreveu em Paris, ecoa hoje nas favelas brasileiras, nas periferias americanas, nos guetos europeus.


O estilo do romance reforça essa atualidade. Céline escreve como quem fala, em frases curtas, quebradas, com ritmo irregular que imita o fluxo oral. Essa prosa nervosa e cortante aproxima o texto da realidade, conferindo-lhe uma força visceral. Não há embelezamento, mas brutalidade. Não há idealização, mas ironia cruel. Essa estética influencia profundamente a literatura do século XX, abrindo caminhos para Sartre, Beckett, Miller e tantos outros. E permanece viva, porque captura algo essencial da experiência moderna: a sensação de fragmentação, de descontinuidade, de desesperança que também define o século XXI.


A biografia do autor, porém, não pode ser ignorada. Céline, além de médico atento à vulnerabilidade humana, foi também um homem que abraçou ideologias de ódio. Seus panfletos antissemitas e sua colaboração com o nazismo são manchas que o acompanham para sempre. Essa contradição entre a obra e a vida levanta questões éticas inevitáveis. Como ler um escritor que, em sua prática política, apoiou a barbárie? Como conciliar a genialidade literária com o abismo moral? Não há resposta simples, mas talvez seja justamente essa tensão que torna Viagem ao Fim da Noite ainda mais importante. O livro mostra o que a literatura pode revelar e, ao mesmo tempo, o que não consegue impedir: a adesão de seu autor àquilo que denunciava indiretamente em sua prosa.


Esse paradoxo ganha relevância em um tempo em que o neofascismo avança. No Brasil, vimos multidões seduzidas pelo discurso do ódio, pela promessa de ordem fundada na violência, pela negação das instituições democráticas. Nos Estados Unidos, Donald Trump e seu movimento político normalizaram a intolerância, o racismo e o desprezo pelas regras constitucionais. Na Europa, partidos de extrema-direita crescem em diferentes países, alimentando-se do medo da imigração, do ressentimento social e da nostalgia de um passado autoritário. O mundo parece reviver, sob novas formas, as condições que permitiram o fascismo nos anos 1930.


Nesse cenário, a advertência do escritor comunista Paul Nizan volta a soar atualíssima. Ao analisar Viagem ao Fim da Noite em 1932, ele observou que a revolta pura de Céline poderia levá-lo a qualquer lado: até os comunistas, contra os comunistas ou a lugar nenhum. E de fato, a trajetória do autor mostrou como essa rebeldia absoluta desembocou em adesão ao pior. Hoje, vemos esse movimento repetir-se. O desencanto de milhões com a política, a desesperança diante das crises econômicas, a sensação de abandono em sociedades desiguais transformam-se em terreno fértil para o fascismo. O niilismo político, longe de ser resistência, pode ser a porta de entrada para o autoritarismo.


Ler Céline hoje é um exercício de vigilância. O romance revela que a simples denúncia da ruína não basta. É preciso construir horizontes, alternativas, projetos que não se deixem capturar pelo vazio. O fascismo se alimenta da desesperança, da descrença, do cansaço com a democracia. É nesse ponto que Viagem ao Fim da Noite se torna um alerta: mostra como a literatura pode expor o horror, mas também como o horror pode ser absorvido, normalizado e até celebrado.


O presente confirma essa dinâmica. As descrições de corpos devastados pela miséria, pela doença e pela violência encontram eco nas imagens contemporâneas de migrantes rejeitados nas fronteiras da Europa, de famílias separadas nas fronteiras americanas, de jovens negros mortos em favelas brasileiras. A crítica à engrenagem capitalista ecoa na precarização do trabalho digital, na uberização que transforma pessoas em números de aplicativo, na lógica financeira que decide o destino de países inteiros. O que Céline viu como escuridão da modernidade continua a ser parte integrante de nosso cotidiano.


Mas é importante destacar também a dimensão literária. Viagem ao Fim da Noite não é apenas denúncia política ou testemunho histórico. É arte. Sua prosa tem força estética inigualável, capaz de capturar em palavras o que muitas vezes escapa à análise sociológica ou filosófica. Essa dimensão artística é o que mantém o livro vivo, mesmo diante da condenação ao autor. Ler Céline é sentir o impacto da literatura em sua capacidade de traduzir a experiência humana em sua forma mais brutal.


No entanto, essa mesma arte não nos permite ingenuidade. Precisamos lê-la com consciência crítica, reconhecendo que a desesperança absoluta pode abrir caminho para a barbárie. O romance não nos oferece saídas, não aponta para utopias, não constrói alternativas. Ele se fixa no vazio, no ceticismo, no sarcasmo. E justamente por isso, em um tempo em que a desesperança é explorada politicamente pelos neofascismos, é necessário ler Céline como advertência: não podemos parar na denúncia. É preciso resistir, construir, propor.


Viagem ao Fim da Noite é um clássico incômodo, e talvez seja essa sua maior virtude. É inesquecível pela força estética, perturbador pelas contradições que encarna, atual pela maneira como ilumina os riscos de nosso tempo. Ler esse livro hoje é reconhecer que a literatura não salva, mas alerta. É constatar que o horror descrito por Céline permanece vivo, que a barbárie pode voltar a qualquer momento, que a noite continua à espreita.


No fim das contas, a importância contemporânea de Viagem ao Fim da Noite reside em sua capacidade de nos colocar diante de nossas próprias contradições. Ele nos mostra que a desesperança pode corroer a dignidade, que a revolta sem horizonte pode se transformar em fascínio pelo autoritarismo, que a miséria pode ser normalizada. Mas também nos lembra que a literatura, mesmo quando escrita por mãos manchadas, pode iluminar verdades que precisamos enfrentar. Ao ler Céline, somos obrigados a nos perguntar: o que fazemos com o horror que nos é revelado? Aceitamos sua lógica ou buscamos resistir a ela?


Em um mundo marcado pela ascensão das ideias neofascistas, Viagem ao Fim da Noite é mais do que um romance sombrio do passado. É um espelho incômodo, que reflete as trevas do presente e nos desafia a recusar sua sedução. É um livro que exige leitura atenta, lúcida e crítica, porque só assim poderemos atravessar a noite sem nos perder em seu fascínio destrutivo.


             * Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ

Roberto Cepeda

 A Inversão de Papéis


 A revista The Economist, na sua capa,  aponta o Brasil como exemplo a ser seguido pelos Estados Unidos.  

Não é pouca coisa e nem vinda de uma publicação qualquer.

A revista, considerada por muitos a bíblia liberal da economia e leitura obrigatória para investidores de todo o mundo, tem um peso incontestável.


Em sua análise, condena a atuaçâo externa do governo e também faz criticas ao STF mas, apesar disso, a revista reconhece que o Tribunal tem atuado como uma barreira contra o autoritarismo. Surpreendentemente, o Brasil está sendo visto como referência na defesa da democracia, sendo esta inegociável.


Quem imaginaria que veriamos isso?

O Brasil afirmando sua defesa do sistema democrático, enquanto os Estados Unidos parecem rumar em direção contrária, com avanço do autoritarismo, protecionismo, perseguição a adversários políticos e crescente desrespeito às instituições.


Lá teve a invasão do Capitólio, que foi um ataque direto ao coração da democracia americana, estimulado por alegações infundadas de fraude eleitoral pelo então presidente, não aceitando o resultado com a vitória do adversário.

Dois anos e dois dias depois, extremistas daqui copiaram o roteiro, invadindo as sedes dos Três Poderes.  A grande diferença entre os dois casos está na resposta institucional.


Aqui existe uma Justiça Eleitoral e centralizada que torna inelegível quem comete crime contra a democracia, e o STF pune os responsáveis por ataques ao Estado Democrático de Direito. Lá, Trump não apenas pôde concorrer novamente à Presidência, foi eleito e perdoou criminosos envolvidos na invasão, a qual teve até mortes.


Essa divergência expõe uma surpreendente fragilidade naquilo que se imaginava ser a democracia mais sólida do mundo. 

Eu mesmo supunha que as instituições americanas fossem fortes e imunes a interferências, protegidas por um sistema de freios e contrapesos capaz de impedir abusos de poder. A realidade mostra Trump fazendo e desfazendo o que quer, enquanto o Congresso e o Judiciário de lá parecem incapazes ou sem vontade para contê-lo.   E onde estão a força da opinião pública, a reação da imprensa e a cobrança do empresariado que não concordam com estes métodos?


A Constituição brasileira de 1988 guardava uma memória recente da ditadura, que junto com a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, criaram instrumentos específicas para punir ataques às instituições, como golpe de Estado e interrupção do processo eleitoral.  Já nos Estados Unidos as leis são vagas e antigas, de difícil aplicação no cenário atual, se mostrando menos ágeis e mais vulneráveis a manobras políticas.


De tudo que vemos, a lição que fica é de que nenhuma democracia é uma fortaleza inabalável mas sim uma construção diária que exige vigilância e defesa permanentes.


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E já sei,  vai chover reclamações da ditadura do STF  🙄

Bankinter Portugal Matinal

 Análise Bankinter Portugal 


SESSÃO: ONTEM, Europa conseguiu subir milimetricamente apesar de Nova Iorque ter estado fechada, mas apostou porque os retrocessos de sexta-feira (fecho de agosto) foram um pouco excessivos. Obrigações débeis, com elevação suave de yield e ganho de inclinação na curva americana (2-10A 61p.b.). França continua a aguentar abaixo de Itália (3,54% vs. 3,64%), apesar de a 8 de setembro cair o governo. A tutela do BCE, com um balanço gigante e 30% da dívida europeia nele, estará um pouco relacionado.


É provável que Wall St, cujos futuros estão um pouco débeis à primeira hora (-0,1%-0,2%), termine por mudar ligeiramente para melhor, alinhando-se com a reação europeia de ontem. Principalmente se o ISM Industrial (15 h) aumenta um pouco (48,8/49,0 esperado desde 48,0) e transmite a sensação de que poderá dirigir-se para a zona de expansão (>50) onde esteve em fevereiro/março. Antes disso, às 10 h, sairá a inflação da UE, provavelmente a repetir em +2,0%, mas a Subjacente poderá melhorar 1 décima, até +2,3%. Isso também ajudaria que o tom melhorasse.


Japão. Himino (BoJ) afirma que continuarão a subir taxas de juros (agora em 0,50% e estimamos +25 p.b. na reunião de 19 de dezembro), mas insinua não ter pressa perante as incertezas globais. Sabem que os EUA/Trump querem um USD depreciado (no seu anterior mandato, Trump arrastou-o até ca.1,23/€) e que para favorecer isso, quer que o Japão continue a subir taxas de juros, mas receia a perda de competitividade japonesa via divisa, como é lógico, portanto irão resistir à subida enquanto possam (que não será muito).


Lembrete: as 2 chaves semanas não chegarão até sexta-feira, porque Broadcom publicará (EPS 1,67 $; +34,5%) na quinta-feira, no fecho de Nova Iorque (21 h), que consideramos pouco provável que dececione. O Emprego americano na sexta-feira (Payrolls 75k/78k vs. 73k; Desemprego 4,3% vs. 4,2%), que será muito difícil de interpretar devido à recente correção em baixa dos dados publicados, por isso, Trump despediu a responsável das estatísticas de emprego. 


CONCLUSÃO: Setembro é um mês tradicionalmente em baixa, portanto não nos deveremos preocupar se estas primeiras sessões forem fracas. Se se desviasse em alguma direção seria melhor, como a Europa, ontem. Vejamos a inflação europeia das 10 h e o ISM Industrial americano das 15 h, porque talvez consigam animar um pouco o tom. Não esqueçamos que nem sequer a delicada situação política na França está a ter consequências sérias no mercado. É provável que estejam a subestimar as consequências sérias no mercado e a credibilidade da Fed com as intromissões agressivas de Trump, mas o mercado agora vive apenas o curto prazo. O FOMO (Fear Of Missing Out) pesa muito.


Wall St fechado. UE +0,3% Espanha +0,02% VIX 16,1% Bund 2,75% T-Note 4,26% Spread 2A-10A USA=+62pb B10A: ESP 3,35% PT 3,19% FRA 3,54% ITA 3,64% Euribor 12m 2,148% (fut.2,208%) USD 1,170 JPY 173,0 Ouro 3.495$ Brent 68,5$ WTI 65,0$ Bitcoin +2,1% (110.229$) Ether -0,4% (4.387$). 


FIM

BDM Matinal Riscala

 *Rosa Riscala: Julgamento de Bolsonaro e PIB em foco*


Na volta do feriado, estão previstos nos Estados Unidos os índices PMI industrial da S&P Global e do ISM


… NY volta do feriado à espera de uma agenda forte esta semana, que tem como maior expectativa o payroll de agosto – decisivo para o ritmo de queda do juro americano. Para hoje, estão previstos nos Estados Unidos os índices PMI industrial da S&P Global e do ISM. Aqui, o PIB/2Tri é destaque, com previsão de desacelerar para 0,3% nas pesquisas do Broadcast e do Valor Data, como efeito da política restritiva do Banco Central. O resultado pode animar as apostas para a Selic, que já reagem à melhora das expectativas inflacionárias. As incertezas se concentram no cenário fiscal, após o Orçamento/2026 ter sido recebido com desconfiança, e no julgamento de Bolsonaro.


… A sessão na Primeira Turma do STF está marcada para começar às 9h, com a leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes.


… O receio dos investidores é que, no caso de uma provável condenação, novas medidas sejam anunciadas por Trump, que justificou as tarifas contra o Brasil ao que chamou de “execução política” do ex-presidente, exigindo o fim do processo judicial.


… Uma das possibilidades é de novas aplicações da Lei Magnitsky contra outros membros do STF, após já ter atingido Alexandre de Moraes.


… No Valor, o ministro Edson Fachin, próximo presidente da Corte, recebeu ontem representantes do Itaú Unibanco, entre os quais, Milton Maluhy Filho (CEO), José Virgílio Vita (diretor jurídico) e o advogado Juliano Breda para discutir o tema.


… Outros banqueiros estiveram no STF para conversas com Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, após a decisão do ministro Flávio Dino, que determinou que leis, atos administrativos e ordens judiciais e executivas estrangeiras não têm validade imediata no Brasil.


… Segundo Lourival Sant’Ana (CNN Brasil), o presidente Trump prepara novas medidas contra o Brasil, que devem atingir o Banco do Brasil, além de restrições a importações da Rússia e contestação dos argumentos do governo e empresas brasileiras contrários ao tarifaço.


… O BB seria punido por ter oferecido a Moraes um cartão da bandeira Elo, após o ministro ter um cartão de empresa americana cancelado.


… Bolsonaro não deve ir ao STF para o julgamento. Aliados gostariam de sua presença, mas médicos, familiares e os próprios advogados preferem que ele fique em casa, por causa das crises de soluços e vômitos nos últimos dias.


… Bolsonaro será o primeiro presidente a ser julgado por tramar um golpe de Estado. Junto dele, estarão outros sete réus do núcleo principal da ação, incluindo oficiais de alta patente das Forças Armadas, em um fato histórico desde a redemocratização do País.


… Nesta 2ªF, o ex-presidente recebeu em sua casa, com autorização de Moraes, o deputado Arthur Lira, a quem pediu ajuda na articulação para aprovar a Lei de Anistia no Congresso. A proposta é defendida pelo PL e parte do Centrão, mas tem poucas chances de prosperar.


… Em meio às resistências, o governador Tarcísio, mais cogitado para ser o candidato em lugar de Bolsonaro em 2026, trabalha pela Anistia e tenta um contato com Hugo Motta para os próximos dias. Já conversou com os presidentes do PP, União Brasil e Republicanos.


… Praticamente assumindo sua candidatura, Tarcísio disse que, se for eleito, seu primeiro ato será o indulto a Bolsonaro.


REPERCUTE NO MUNDO – O julgamento atraiu a atenção da mídia internacional com reportagens no New York Times e Washington Post.


… No Post, “o Brasil confronta seu passado autoritário e também o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump com o julgamento”. Já o NYT disse que o julgamento é um momento histórico para a democracia brasileira e que Bolsonaro poderá ficar “décadas” na prisão.


… A britânica The Economist fez um podcast sobre Bolsonaro, chamado por eles de Trump dos Trópicos. “À medida que os Estados Unidos se tornam mais corruptos e autoritários, o Brasil busca responsabilizar seu ex-presidente golpista”, disse a revista na apresentação do áudio.


… E o The Guardian entrevistou o trompetista que foi atrás de Bolsonaro para tocar a Marcha Fúnebre de Chopin.


… O julgamento foi notícia, ainda, no jornal espanhol El País e no El Universal, do México.


PROJEÇÕES PARA O PIB – A dissipação dos efeitos positivos da safra agropecuária deve levar a um crescimento mais modesto do PIB no segundo trimestre, mas o setor de serviços, o consumo das famílias e a indústria extrativa devem manter a economia em expansão.


… Sob a ótica da demanda, porém, o PIB deverá mostrar contração na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), com os investimentos impactados negativamente pelo nível alto dos juros, segundo economistas ouvidos em pesquisa do Broadcast.


… A mediana do mercado indica crescimento de 0,3% para o PIB do segundo trimestre, após alta de 1,4% nos primeiros três meses do ano. As projeções para esta leitura vão de variação zero a alta de 0,5%. O dado será divulgado às 9h pelo IBGE.


… Na comparação interanual, a mediana indica crescimento de 2,2%, também desacelerando sobre a expansão de 2,9% no primeiro trimestre.


… Também no levantamento do Valor Data, a mediana das estimativas é de crescimento de 0,3% do PIB no segundo trimestre, com a medida anual confirmando alta de 2,2% – a mesma projeção para 2025. Já para 2026, a previsão é de um PIB de 1,8%.


… Para Flávio Serrano (banco Bmg), o resumo é: “agro para baixo, indústria meio de lado e serviços ainda com alguma resiliência”.


IPC-FIPE – Ainda na agenda de hoje, a mediana das estimativas do mercado indica alta de 0,11% no Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas de agosto, desacelerando contra alta de 0,28% em julho. Sai à primeira hora do dia.


DEVEDOR CONTUMAZ – Deve ser pautado hoje no plenário do Senado um novo relatório do senador Efraim Filho (União Brasil) sobre o projeto para definir e punir devedores contumazes. O texto foi apresentado nesta segunda-feira.


… O projeto cria regras gerais para a identificação e o controle de contribuintes que não pagam seus débitos de forma intencional e reiterada.


… O objetivo principal é combater o crime organizado; o texto ganhou novo impulso após a deflagração da Operação Carbono Oculto, a maior já feita para combater a infiltração do crime organizado na economia formal do País.


… As principais mudanças no relatório são a criação de capital social mínimo para empresas interessadas em atuar no setor de óleo e gás e a proibição do fim da extinção automática da punibilidade pelo pagamento do tributo.


FICHA LIMPA – Mesmo com o início do julgamento de Bolsonaro, o Congresso vai tentar manter a votação de projetos polêmicos, como o que enfraquece a Lei da Ficha Limpa, que já passou pela Câmara e está no Senado.


… O texto prevê que a contagem dos oito anos de inelegibilidade comece a partir da data da condenação ou cassação, e não após o fim da pena ou mandato. Na prática, o projeto favorece políticos condenados.


LDO – Presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), o senador Efraim afirmou que a chance de se votar o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) hoje é de 50%. Segundo ele, a análise depende da finalização do relatório pelo deputado Gervásio Maia (PSB).


… “Há expectativa de apresentar o relatório amanhã, mas há um trabalho braçal de analisar 2.500 emendas. […] Se não apresentar amanhã, não vou dar um prazo maior do que uma semana, ou na quinta ou na terça-feira”, disse Efraim aos jornalistas.


PEC 66 – Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), interromperá a sua licença médica para relatar a Proposta de Emenda à Constituição que estabelece limites para o pagamento de precatórios e abre novo prazo de parcelamento de débitos dos municípios.


LÁ FORA – Índices de gerentes de compra (PMI) do setor industrial de agosto estão em destaque nos Estados Unidos nesta terça-feira, na volta do feriado do Labor Day. Às 10h45, sai o PMI da S&P Global e, às 11h, o PMI do ISM, que deve melhorar de 48,0 em julho para 49,1.


… Na zona do euro, sai a preliminar da inflação ao consumidor (CPI) de agosto, às 6h.


BESSENT – Em entrevista à Fox News, o secretário do Tesouro americano afirmou que espera que a Suprema Corte confirme a legalidade das tarifas de Trump, mas que se não for assim, o governo tem um plano B – sem antecipar detalhes.


… Segundo fontes revelaram à agência Reuters, uma alternativa seria recorrer à Lei de Tarifas Smoot-Hawley, que permite ao presidente impor tarifas de até 50% por cinco meses contra importações de países que discriminam o comércio dos Estados Unidos.


… Bessent também defendeu o direito do presidente Trump de demitir a diretora do Fed Lisa Cook, dizendo que ela não negou as acusações de fraude hipotecária. Reconheceu que o Fed deve ser independente, “e é”, mas “cometeu muitos erros”.


… O secretário ainda disse que “há boa chance” de Stephen Miran ser indicado ao Fed antes da reunião de setembro.


RÚSSIA – Na mesma entrevista, Scott Bessent comentou a possibilidade de sanções a Moscou, afirmando que “todas as opções estão sobre a mesa”, em meio à continuação dos bombardeios contra a Ucrânia, e que Trump poderá decidir ainda nesta semana.


… “O presidente Vladimir Putin, desde o telefonema, quando os líderes europeus e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, estiveram na Casa Branca, fez o oposto do que havia indicado que queria fazer. Na verdade, ele aumentou de maneira desprezível os bombardeios.”


… Já o presidente da França, Emmanuel Macron, prepara reunião da chamada “Coalizão dos Dispostos”, nesta quinta-feira, em Paris.


… Em postagem no X, o francês disse que, junto com os parceiros e a Otan, “trabalharemos para definir garantias de segurança robustas para a Ucrânia e revisaremos a posição da Rússia, que persiste em sua guerra de agressão e continua rejeitando a paz”.


BRICS – O governo brasileiro convocou para a próxima segunda-feira (dia 8) uma reunião virtual de líderes do grupo. O encontro foi articulado pelo presidente Lula, em meio ao tarifaço de 50% imposto por Donald Trump.


INCERTEZAS NÃO TIRAM FOLGA – O feriado em NY descontou ontem o risco externo, mas a semana turbulenta que vem aí inviabilizou a chance de os negócios domésticos relaxarem. Setembro ainda começou com o fiscal no radar.


… Não foi das melhores a repercussão ao PLOA de 2026, que pouco convenceu o mercado a apostar em melhora da percepção com as contas públicas, diante da leitura de que o governo continua superotimista quanto às receitas.


… Além deste fator de desconforto, o investidor exibiu cautela antes dos indicadores importantes (payroll lá fora e PIB aqui) e sob o risco de Trump dobrar a aposta contra o Brasil, como vingança pelo julgamento de Bolsonaro.


… Em alta moderada de 0,33%, o dólar à vista voltou a se afastar do piso informal de R$ 5,40, que está difícil de ser furado, e se reaproximou do patamar de R$ 5,45, negociado no fechamento dos negócios a R$ 5,4401.


… Mas o real ainda segue bem posicionado, vindo de valorização superior a 3% em agosto, diante do carry trade atraente e da onda de desvalorização do dólar lá fora, com o Fed já com o dedo no gatilho para cortar o juro.  


… Um payroll fraco na sexta-feira deverá consolidar a expectativa de que este mês de setembro marcará a virada dovish da política monetária que Trump tanto tem pressionado e manobrado para acontecer o quanto antes.


… O ING calcula que, se o relatório de emprego confirmar o esfriamento de ritmo, o índice DXY pode cair abaixo dos 97,500 pontos e, futuramente, buscar a mínima do ano (96,380 pontos). Ontem, caiu 0,10%, para 97,670 pontos.


… O euro subiu 0,24%, a US$ 1,1715, e a libra ganhou 0,33%, a US$ 1,3550, à véspera do CPI da zona do euro.


PEÇA DE FICÇÃO – No DI, os juros de longo prazo operaram sob pressão, com economistas dizendo que o Orçamento/26 não é factível e que, em algum momento, o governo não vai escapar de uma revisão da meta fiscal.


… As taxas também embutiram prêmio de risco com o anúncio do Tesouro de que fará um leilão amanhã de NTN-B fora do calendário regular de emissões (“off the run”) com vencimento em agosto de 2040, 2050 e 2055.


… Já a ponta curta do DI operou flat, com o Focus que não passa uma semana sem apontar alívio nas expectativas de inflação: IPCA/25 (4,86% para 4,855), IPCA/2026 (4,33% para 4,31%) e IPCA/2027 (3,97% para 3,94%).


… Mas ainda está faltando combinar com o BC o otimismo sobre a ancoragem dos preços. Galípolo, como se viu  semana passada, ainda não se mostra seguro de que o processo de desinflação esteja ocorrendo em ritmo ideal.


… Ignorando o conservadorismo, a Bradesco Asset antecipou de maio para janeiro do ano que vem a projeção para o primeiro corte da Selic pelo Copom e reduziu a estimativa para o juro básico ao final de 2026 de 12,75% para 12,00%.


… Segundo a asset, além da taxa de câmbio mais favorável, a média dos núcleos de inflação acompanhados pelo BC passou de um pico de quase 6% no primeiro trimestre (em termos anualizados) para algo abaixo de 4,5%.


… A gestora diminuiu a estimativa para o IPCA deste ano em 0,2 ponto, a 4,8%, e para 2026, de 4,4% para 4,3%.


… Ainda ontem, também a Porto Asset reduziu a aposta da inflação de 2025 para baixo de 5%, de 5,4% para 4,8%, enquanto a de 2026 foi de 4,2% para 4,1%. Mas manteve o cenário para a Selic em 15% (2025) e 11,50% (2026).


… No fim do dia, o DI Jan/26 marcou 14,890% (de 14,889% no ajuste anterior); Jan/27 caiu a 13,920% (de 13,962%); já o Jan/29 subiu a 13,200%, de 13,199% na sexta; Jan/31, a 13,530% (13,499%); e Jan/33, a 13,715% (13,671%).


ALVO FÁCIL – Na lista negra de Trump pela oferta do cartão Elo a Moraes, BB ON cedeu 1,40% na véspera do julgamento de Bolsonaro, para R$ 21,09. Entre os bancos, só Itaú se salvou ontem: +0,81%, cotado a R$ 38,78.


… Bradesco PN perdeu 0,65% (R$ 16,72), Bradesco ON caiu 0,69%, a R$ 14,34, e Santander unit, -0,04%, a R$ 28,21.


… Vindo dos recordes históricos da sexta-feira, o Ibovespa estreou setembro praticamente estável, com leve queda de 0,10%, aos 141.283,01 pontos. Sem Nova York, o giro foi de só R$ 12 bi, cerca de metade de uma sessão normal.


… Vale conseguiu driblar o tombo de quase 3% do minério de ferro para fechar no zero a zero (+0,07%), mas na máxima do dia, a R$ 55,60. Petrobras ON recuou 0,44% (R$ 33,60), ao passo que a PN subiu 0,23% (R$ 31,17).


… A estatal anunciou que reduziu o preço do querosene para aviação (QAV) em 3,7% a partir de ontem. O reajuste para baixo corresponde a uma diminuição de R$ 0,13 por litro, segundo os cálculos divulgados pela empresa.


… Lá fora, o petróleo Brent para novembro subiu 0,99%, a US$ 68,15 por barril, acompanhando as tensões entre Índia e EUA, após Trump dizer que Nova Délhi ofereceu zerar as tarifas aos americanos, mas que é “tarde demais”.


CIAS ABERTAS – AZUL apresentou uma manifestação ao Cade em que sustenta que o acordo de codeshare com a GOL não guarda “qualquer relação” com uma eventual fusão das duas aéreas…


… Ainda ontem, a Azul informou que aumentará as suas operações em 34 destinos de todas as regiões do País com foco na alta temporada do verão 2025/2026…


… Segundo a empresa, serão 3,6 mil voos extras com cerca de 520 mil assentos adicionais, no período entre 13 de dezembro e 1º de fevereiro.


REDE D’OR. Hospital Glória D’Or, no Rio de Janeiro, passou a fazer parte da rede Atlântica D’Or, joint-venture entre Bradesco Seguros e a empresa no segmento hospitalar.


ULTRAPAR contratou Itaú Corretora para a prestação de serviços de formador de mercado por prazo indeterminado.


LOJAS RENNER. BB Investimentos elevou preço-alvo da ação de R$ 18,50 para R$ 19,00, mantendo recomendação neutra; revisão incorporou resultados do 1º semestre, bem como o atual cenário macroeconômico.

Editorial El País

 Editorial do diário espanhol de “El País” de 2 de setembro de 2025

"Xi aproveita os erros de Trump

China tira partido da cimeira de Tianjin da hostilidade comercial e diplomática destacada pelo presidente dos EUA

O presidente chinês, Xi Jinping, vem anunciando desde há anos mudanças na ordem mundial como não tinham sido vistas no último século, mas agora conseguiu sintetizar numa única fotografia o mais espetacular de todos: ser ele mesmo quem reuniu mais de 20 países que ultrapassam, no seu conjunto, 40% da população e 20% do PIB mundial em torno da ideia de desbancar os EUA da liderança internacional. O quadro da cimeira, realizada na cidade chinesa de Tianjin, foi a Organização de Cooperação de Xangai, uma das instituições criadas por Pequim há quase um quarto de século como alternativa ao domínio de Washington das organizações surgidas após a Segunda Guerra Mundial e, acima de tudo, perante a incapacidade de as reformar e acomodar às mudanças demográficas e económicas globais.


A foto de Tianjin certifica uma aproximação incomum entre a Índia e a China, ao mesmo tempo que bloqueia a estratégia americana de usar Delhi como contrapeso à influência chinesa. Também dá oxigênio a Putin, com maior margem para dar longas a Trump nas suas pretensões de pacificador da guerra da Ucrânia. Para o líder republicano é uma derrota auto-infligida com duas decisões próprias: as tarifas de punição à Índia de 50% pela compra de petróleo à Rússia e a sua falsa mediação na trégua entre a Índia e o Paquistão, que o presidente reivindicou obscenamente perante Modi para obter o seu apoio para o Nobel da Paz.


A cimeira de Tianjin ofusca o carácter histórico que Trump reivindicou para o seu encontro com Putin no Alasca em 15 de agosto, de onde nada saiu senão prazos vazios para a paz. Também neutraliza a cerimónia de rendição apaziguadora oficializada na Sala Oval de 18 de agosto, quando sete mandatários europeus evitaram uma nova humilhação do presidente da Ucrânia perante as câmaras. Finalmente, exprime uma mudança de atmosfera perante as guerras pautais trumpistas, as suas exigências de vassalagem e extorsões e ameaças que só são válidas para os aliados. A centralidade da China expressa pela cimeira corresponde ao sucesso da sua resistência à agressividade comercial e diplomática de Trump.


O presidente dos EUA está facilitando as coisas para a China de um ponto inimaginável. Desmontou o poder mole do seu país. Ele desmantelou sua diplomacia e seus organismos de cooperação. Puniu países amigos e vizinhos com ameaças anexionistas e tarifas arbitrárias. E já agora, está destruindo as instituições multilaterais que tinham servido a hegemonia de Washington, deixando um vazio geopolítico que Pequim está preenchendo agora. A principal vítima de uma estratégia tão desagradável é o próprio EUA, mas os danos transbordam a sua geografia. O mundo multipolar que a China oferece como alternativa é igualmente hostil à primazia do direito internacional, à protecção dos direitos humanos e ao pluralismo. Perante a agressividade russa e as pretensões hegemônicas chinesas, a resposta trumpista paradoxal é o questionamento das alianças ocidentais e a punição aos seus aliados. E os beneficiários são Putin e Xi Jinping. " 

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Norma Couri

 O SEGREDO DOS SEUS SONHOS


Sonhos estão aí para serem decodificados ‘antes que seja tarde demais’, alerta filósofa francesa.


Em ‘A inteligência do sonho’, Anne Dufourmantelle faz uma análise histórica e filosófica


Por Norma Couri  — para o Valor, de São Paulo

26/08/2025 


As civilizações antigas nunca desprezaram os enigmas dos sonhos, seja em tempos de guerra ou de paz. Eles podem contornar as censuras internas do sonhador e mostrar aquilo que sempre receamos de pior.


A filósofa e psicanalista francesa Anne Dufourmantelle lançou “A inteligência do sonho: Fantasia, aparições, inspiração”, seu 15º livro, em 2012, e mais 5 depois. A edição brasileira está sendo lançada neste ano.


Em 2017, enquanto nadava numa praia perto de Saint-Tropez, o mar se agitou, e ela morreu ao tentar salvar duas crianças a 50 metros de onde estava. Tinha 53 anos. As crianças foram resgatadas com vida. Sua morte confirma o velho adágio de que filosofar é aprender a morrer. Em 2011, a autora havia lançado “Éloge du risque” (Elogio do risco).


“A inteligência do sonho” é dedicado “para aqueles que sabem o que os sonhos podem fazer” e adverte, como o Talmude, que “um sonho não decifrado é como uma carta que lhe é endereçada e você não abre”. O recado está dado: o sonho está aí para ser decodificado “antes que o corpo adoeça, antes que o acidente sobrevenha, antes que seja tarde demais”.


Visões do divino, oráculos sobre o futuro ou delírios fazem parte das aventuras medievais de Lancelot ou do amor de Dante e Beatriz na “Divina Comédia”. Alucinações perturbam o Cavaleiro de Triste Figura, Dom Quixote, criado por Miguel de Cervantes na Espanha do século XVII.


Os gregos antigos acreditavam que os sonhos eram mediadores entre deuses e humanos. Os indígenas levam o sonho a sério nos ritos de iniciação e consideram das mais perigosas a viagem nesses territórios.


Os sonhos podem ser presságios, acontecer com a doçura dos trovadores ou com o gozo interdito da imaginação erótica. São tão reveladores que, em 1215, durante o Quarto Concílio de Latrão convocado pelo papa Inocêncio III, a confissão dos sonhos dos fiéis tornou-se obrigatória como prova da retidão do caráter.


O livro de Anne Dufourmantelle faz uma leitura histórico-filosófica sobre o sonho e alerta contra o esquecimento: “O sonho é um enigma tão importante quanto o da memória”, abre uma janela para nós durante a noite, pode iluminar uma vida. Sua “inteligência” supõe uma inversão entre lucidez e razão, anuncia um mundo por vir do qual ainda não nos tínhamos dado conta.


Um dos capítulos relembra a dissidência entre o criador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), que via nos sonhos o recalque dos desejos na dualidade entre a pulsão da morte e o princípio do prazer, e seu então discípulo preferido, Carl G. Jung (1875-1961), para quem os sonhos portavam arquétipos de uma memória coletiva.


“O que leva o sujeito a crescer ou a se autodestruir?” Dufourmantelle lembra que, para Freud, cada detalhe do sonho importa. O núcleo central do sonho esconde-se sob uma charada. Ela cifra nosso desejo reprimido que também “apaga” cenas traumáticas.


Lewis Carroll (1832-1898) matou a charada em “Alice no País das Maravilhas” (1865) quando o espelho deformante diz a verdade. O sonho é esse espelho. Inverte códigos, obriga o confronto com o nonsense, mas a autora garante que ele é decifrável. E libertador se interpretado numa psicanálise, porque não existe descoberta do sonho sem relato, sem a escuta.


A revelação da verdade passa por nossos abismos. Acidentes, amores frustrados, lutos. O confronto só acontece “quando o real lhe perfura a alma”, ela diz. As fantasias, os medos, os pavores do desejo nos protegem desse real e dá forma a figuras imateriais. Esses mensageiros cumprem a função de mediadores para atingirmos a inteligência criadora que torna possível uma virada de vida, a experiência do corpo erótico. “Quisemos que os anjos nos aparecessem, já que Deus, dizem, não responde. Esse silêncio assombra o mundo.”


Premonição ou não do que lhe aconteceria cinco anos depois, Dufourmantelle escreve sobre a morte. “Por que morremos assim? Por que vivemos tão pouco?” Para a psicanalista, a música e a inspiração são versões da transcendência tão íntimas como a linguagem do sonho, mas ao situar as vozes persecutórias no mesmo patamar, ela cita a loucura que acometeu o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) aos 44 anos. “A loucura vem como um socorro diante da lâmina afiada do real para uma sensibilidade viva demais.”


Para enfrentar uma perda que traz angústia, depressão, temos de ir ao seu encontro. Freud escreveu que “recalca-se uma criança como se respira”. É preciso muita coragem para ouvir o que dizem os sonhos. A autora nos convida a acreditar no seu poder mágico de metamorfosear fragilidades em força e liberdade.


Este livro nos aponta o sonho como um procedimento subversivo de informação. Pode mudar uma vida. Dufourmantelle cita Blaise Pascal (1623-1662), que ao ler o Evangelho de João, capítulo 17, sofre uma conversão. O cientista francês escreve essa epifania como o relato de um sonho, e o costura no interior de sua jaqueta para nunca se esquecer dele. O relato que o acompanhou até o fim da vida só foi descoberto depois de sua morte. É dele a frase “o coração tem razões que a própria razão desconhece”.


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Será venda de sentença?

 *PF encontra com lobista novas minutas de decisões de mais quatro gabinetes de ministros do STJ*


No total, PF já encontrou minutas que citam oito magistrados da corte, mas relatório aponta que não há indícios de envolvimento dos ministros e pede apuração da origem dos documentos; ministros disseram desconhecer os vazamentos e negaram ter dado decisões favorecendo os interesses do lobista


Aguirre Talento


BRASÍLIA - A investigação da Polícia Federal sobre um esquema de venda de decisões e vazamento de informações do Superior Tribunal de Justiça (STJ) identificou novas minutas de decisões de ministros da Corte em um notebook do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves. Os documentos também estavam no telefone celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado no final de 2023.


Os textos estão vinculados aos gabinetes de mais quatro ministros do STJ e de um ex-ministro que ainda não haviam entrado no foco da Operação Sisamnes. O inquérito, aberto no ano passado pela Polícia Federal, começou a apurar suspeitas de vazamentos envolvendo os gabinetes de outros quatro magistrados.


Diante das novas descobertas de vazamento de minutas dos gabinetes de Marco Buzzi, Antônio Carlos Ferreira, João Otávio de Noronha e Ricardo Villas Bôas Cueva, a investigação pode ampliar seu escopo para um total de oito gabinetes, correspondente a quase um quarto da Corte, formada por 33 magistrados.


Procurados, os ministros disseram desconhecer os vazamentos e negaram ter favorecido as partes representadas pelo lobista. A defesa de Andreson não quis se manifestar.


Os outros quatro gabinetes que já eram alvo de apuração são de Isabel Galotti, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Og Fernandes. Quando o vazamento desses documentos veio a público, no final do ano passado, os ministros afirmaram que pediram ao STJ a abertura de apuração sobre esses fatos e negaram ter conhecimento dos vazamentos.


O STJ, na época, informou ter aberto sindicâncias para apurar as suspeitas de que servidores do tribunal estavam envolvidos nesses vazamentos e pediu a abertura de investigação à Polícia Federal. Essas sindicâncias ainda estão em tramitação.



A PF aponta que não há indícios do envolvimento direto dos ministros nesses novos vazamentos, mas que a origem deve ser apurada.


“Registra-se, pelos motivos anteriormente expostos, que a presença dessas minutas, com certas semelhanças às decisões oficialmente publicadas, não implica, por si só, em suspeitas quanto à conduta dos ministros. Entretanto, constitui elemento que não pode ser desconsiderado, exigindo análise criteriosa e, se necessário, diligências adicionais, a critério da autoridade policial, para assegurar a integridade e autenticidade dos documentos em questão”, diz o relatório obtido com exclusividade pelo Estadão.


A PF vai entregar nos próximos dias ao ministro Cristiano Zanin um relatório parcial sobre as informações apuradas até o momento envolvendo os assessores do STJ. Em documento enviado ao ministro, a PF relatou a existência de um “volume expressivo de novas provas” e disse que pretende ampliar o escopo da apuração.


“Parte relevante desse material não apenas reforça hipóteses previamente estabelecidas, como também amplia o escopo investigativo, revelando conexões até então não identificadas e exigindo reorganização lógica e cronológica dos elementos já constantes dos autos investigativos”, apontou a PF.


Além de terem encontrado essas minutas com trechos semelhantes às decisões oficiais dos ministros, os investigadores também colheram indícios de que o lobista forjava documentos do STJ para tentar captar clientes. No notebook dele, a PF encontrou modelos de decisões com marca d’água da Corte e uma falsa decisão de prisão atribuída ao ministro Og Fernandes na Operação Faroeste, mas que nunca existiu.


A suspeita da PF é que o lobista falsificou essas informações para tentar extorquir um empresário. Com isso, a tendência é que a hipótese inicial sobre vazamentos do gabinete do ministro Og seja descartada. Procurado, o gabinete não quis se manifestar.


A equipe da PF fez uma separação entre os dois tipos de arquivos encontrados no notebook do lobista. Em um grupo, havia minutas totalmente divergentes com as decisões dos ministros. Já outros arquivos apresentavam indícios de se tratarem de minutas oficiais vazadas de dentro do STJ: foram criadas em data anterior às decisões efetivamente proferidas e possuíam trechos muito parecidos.


‘*Trechos coincidentes’*



Um dos novos documentos identificados foi uma minuta de voto do ministro Marco Buzzi em um processo de uma disputa fundiária em Mato Grosso. O arquivo tinha data de criação de 19 de outubro de 2018, mas o ministro só proferiu efetivamente a decisão dois meses depois. De acordo com a PF, os documentos tinham diversos “trechos coincidentes”.


A investigação apreendeu um arquivo no formato do programa Word criado em 19 de julho de 2019 por um funcionário da empresa de Andreson, mas que simulava outra minuta de decisão do ministro Buzzi. Tratava-se de um processo da disputa entre uma empresa de telefonia e uma seguradora. A decisão só foi efetivamente publicada em 5 de agosto, quase um mês depois. A PF novamente apontou que os documentos tinham trechos semelhantes.


“O gabinete do Ministro Marco Buzzi informa que não possui conhecimento sobre o vazamento de trechos das deliberações referidas pela reportagem. Esclarece, todavia, que os projetos de decisões são minutados em sistema interno do Tribunal, sendo que os processos mencionados foram examinados, mais de uma vez, em colegiado, recebendo julgamentos unânimes”, afirmou o gabinete.


O relatório também registrou que o lobista possuía a minuta de um voto a ser proferido pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva em um julgamento da Terceira Turma do STJ. O arquivo encontrado no notebook de Andreson foi criado quatro dias antes de uma das sessões do julgamento, que ocorreu em 6 de fevereiro de 2024. Procurado, o gabinete do ministro não se manifestou.


No notebook dele, ainda foi encontrada a minuta de uma decisão do ex-ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que morreu em abril de 2023. O arquivo encontrado no notebook de Andreson foi criado um dia antes de a decisão do ministro ser efetivamente publicada e tinha como criador o seguinte usuário: “Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação”. “Em simples comparação da minuta com a decisão exarada pelo ministro, verificou-se que o teor parece ser o mesmo”, diz a PF.


A Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação não está vinculada ao gabinete do ministro, mas à direção geral do tribunal e é responsável pela administração dos sistemas de informática da corte.


*Extração do celular revelou mais documentos*



Essa investigação sobre suspeitas de venda de decisões do STJ teve início a partir da apreensão do celular do advogado assassinado em Cuiabá em dezembro de 2023, Roberto Zampieri.


Na época, o item foi apreendido para permitir a investigação dos motivos do homicídio. O Ministério Público de Mato Grosso, porém, detectou indícios da compra de decisões judiciais e enviou o material para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Depois disso, o CNJ encontrou diálogos de Zampieri com o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves e detectou suspeitas de vazamento e venda de decisões por assessores de gabinetes do STJ. Por isso, o caso foi enviado para investigação da Polícia Federal.


Uma nova análise feita pela PF no celular do advogado Roberto Zampieri também encontrou novas minutas de documentos do STJ que não faziam parte do escopo inicial da investigação. Esses documentos, enviados por Andreson ao advogado, foram alvo de uma análise comparativa entre a data de criação das minutas e a disponibilização de forma pública nos sistemas do STJ.


O relatório identificou, por exemplo, que o lobista teve acesso à minuta de um relatório e voto a serem proferidos pelo ministro João Otávio de Noronha, em um julgamento colegiado de um recurso proveniente do Estado do Pará. O documento foi compartilhado por Andreson em data posterior a esse julgamento, mas a PF identificou que a criação do arquivo obtido pelo lobista foi anterior à publicação da decisão no Diário Oficial.


Com isso, é possível que o lobista teve acesso a uma versão do documento que costuma ser disponibilizado às partes do processo antes da divulgação no Diário Oficial, o que não constituiria uma irregularidade. Questionado sobre esse caso, o gabinete do ministro Noronha afirmou que as decisões do processo foram proferidas de forma unânime pelo colegiado.


A extração de dados feita pela PF também detectou uma minuta de decisão do ministro Antônio Carlos Ferreira compartilhada por Andreson com Zampieri no dia 16 de agosto de 2019, mas que só foi efetivamente proferida em 1º de outubro de 2019. O processo tratava de uma disputa sobre pagamento de indenização entre duas empresas do Rio Grande do Sul. O recurso foi negado pelo ministro.


Esse caso já tinha sido apontado no ano passado em um relatório complementar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre os diálogos entre Zampieri e Andreson, mas ainda não havia sido citado na investigação da PF.


Procurado, o ministro Antônio Carlos disse que pediu à Presidência do STJ a abertura de uma investigação para apurar a origem do vazamento dessa minuta logo que a informação chegou ao seu conhecimento, ainda no ano passado.


https://www.estadao.com.br/politica/pf-encontra-com-lobista-novas-minutas-de-decisoes-de-outros-quatro-gabinetes-de-ministros-do-stj/

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