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Carlos Pereira

 A democracia brasileira não sobreviveu por sorte ou incompetência de Bolsonaro.

Ela resistiu porque nossas instituições funcionaram como barreiras contra o autoritarismo.

Esse é o tema da minha nova coluna no Estadão:


Título: Democracia brasileira não sobreviveu por sorte ou incompetência


Olho: O fracasso do projeto autoritário de Bolsonaro não se explica por seus erros pessoais, mas por barreiras institucionais.


Carlos Pereira, Professor Titular FGV EBAPE e Sênior Fellow do CEBRI


A revista The Economist publicou nesta semana um editorial provocativo: “Brazil offers America a lesson in democratic maturity”. A lição, segundo a revista, seria que a democracia brasileira sobreviveu à tentativa de golpe de Jair Bolsonaro porque ele foi inábil, incompetente e incapaz de sustentar seu projeto autoritário. Trata-se de uma tese que ecoa a interpretação de Kurt Weyland, no livro “Democracy’s Resilience to Polulism Threat”, para quem populistas, por sua natureza errática e personalista, são propensos a fracassos que terminam beneficiando a democracia.


Esse diagnóstico tem sua dose de verdade, mas erra no essencial. Reduzir a resistência democrática à incompetência de Bolsonaro é comprar uma narrativa de acaso, como se a democracia brasileira tivesse sobrevivido apenas por sorte. Não foi isso que aconteceu.


No livro “Por que a democracia brasileira não morreu? escrito em parceria com Marcus André Melo, argumentamos que o populismo autocrático de Bolsonaro encontrou no Brasil um conjunto de barreiras institucionais que limitaram suas investidas autoritárias. O multipartidarismo fragmentado impôs custos de coordenação que o presidente não conseguiu superar; o federalismo deu voz e poder a governadores em momentos cruciais, como durante a pandemia; e a independência do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal garantiu a continuidade de investigações e julgamentos que afetaram diretamente aliados e familiares do presidente.


O Congresso, dominado por interesses fundamentalmente pragmáticos e não ideológicos, funcionou como barreira eficaz, impondo uma série de derrotas às iniciativas iliberais de Bolsonaro.


Além disso, a combinação de checks and balances – do Supremo Tribunal Federal ao Tribunal Superior Eleitoral – impediu que o projeto de captura institucional avançasse. Não se trata de negar os riscos que corremos, mas de reconhecer que instituições amadurecidas e interdependentes criaram contrapesos eficazes.


Atribuir a sobrevivência democrática à incompetência de Bolsonaro é, portanto, um equívoco em dois sentidos: primeiro, porque diminui o papel da arquitetura institucional de 1988 e das escolhas de atores que souberam resistir; segundo, porque transmite a perigosa mensagem de que bastaria contar com a sorte de enfrentar populistas ineptos. Democracias não podem depender do acaso. Precisam de instituições robustas, capazes de limitar mesmo líderes hábeis e carismáticos.


Essa é a verdadeira lição que o Brasil pode oferecer ao mundo: não se trata de confiar na falibilidade do populista, mas na resiliência das instituições.

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