Mercado volta atenção para fundos com cotista único sem identidade revelada
Fundo sem identidade de cotista gera preocupação A megaoperação que desmantelou o esquema do crime organizado para lavar dinheiro acendeu um alerta para a compra de participações de empresas listadas por fundos nos quais não há visibilidade sobre seus beneficiários finais — ou seja, não se sabe o nome do investidor. No geral, esses investimentos são realizados por “fundos de prateleira”, como são conhecidos aqueles constituídos pelas administradoras, com seu CNPJ, antes de terem sua função designada. Antes da operação, o início do processo de venda de ativos detidos pelo controlador do banco Master, Daniel Vorcaro, já havia chamado a atenção do mercado por ele usar esse tipo de estrutura. Página Cl Fernanda Guimarães De São Paulo Mercado volta atenção para fundos com cotista único sem identidade revelada Regulação Operação Carbono Oculto e casos ligados ao banco Master revelam brechas em normas Um fio condutor faz uma conexão entre a administradora de fundos Reag, a maior independente do país, a Trustee, ambas alvos da Operação Carbono Oculto, e o banco Master, de Daniel Vorcaro, com fundos de investimento em que não se conhece o beneficiário final, mesmo quando têm apenas um cotista. A compra de participações em empresas por meio dessas estruturas, conhecidas como “fundos de prateleira”, ou “baniga de aluguel”, está no centro dos holofotes, com o mercado — e agora os próprios reguladores e governo — pressionando por novas normas que fechem as brechas para o uso indevido desse tipo de fundo. Antes mesmo da eclosão da operação que expôs essas administradoras no fim da semana passada, evento que jogou luz nessas estruturas, o mercado já olhava com atenção fundos que escondiam o real investidor por trás de cada um, algo que ficou mais em evidência com o início do processo de venda de ativos detidos por Vorcaro. No geral, esses investimentos são realizados por fundos de prateleira, como são conhecidos no mercado aqueles que são constituídos pelas administradoras, com seu CNPJ, antes de terem sua função designada e ainda sem nenhum investimento sob seu guarda-chuva. O assunto ganhou relevância com os laços apontados na Carbono Oculto, já que a acusação é que fundos com esse formato vinham sendo utilizados para lavagem de dinheiro. Essa estrutura de fundos é vista em participações em empresas de capital aberto, onde chamam mais a atenção. Mas também pode ser uma forma de esconder participação em empresas de capital fechado, algo que pode ser ainda mais obscuro, como observado na Carbono Oculto. No mercado, a Reag, que multiplicou seu patrimônio nos últimos anos e hoje é uma das maiores gestoras independentes do país, é conhecida por oferecer esse tipo de estrutura. Se nas empresas fechadas não existe uma regulação própria sobre abertura de dados de um investidor, nas abertas, quando um acionista atinge uma posição relevante na companhia, a partir de uma fatia de 5%, ele precisa reportar à empresa, que transmite a informação ao mercado. Ainda assim, em alguns casos não se conhece o beneficiário final desses fundos que têm apenas um cotista. A mesma regra de abertura de dados vale para o administrador, quando seus fundos, mesmo que em conjunto, atinjam essa fatia. No entanto, sob a lei do sigilo bancário, o beneficiário final não é conhecido quando está dentro da estrutura desses fundos. O Valor conversou com especialistas, advogados e fontes que acompanham alguns dos casos citados, que optaram em falar em condição de anonimato. Também consultou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informações sobre diversos fundos, especialmente os citados na operação da semana passada, e na grande maioria não há qualquer informação ou, em muitos casos, os dados têm anos de defasagem. Poucas semanas antes da Carbono Oculto, questionamentos sobre o uso dessas estruturas entraram em evidência depois que Vorcaro vendeu sua participação na empresa de varejo de moda Veste, dona das marcas Dudalina e Le Lis Blanc, ao BTG Pactuai, que já protocolou pedido de autorização ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para concluir o negócio. A questão é que, conforme o formulário de referência da Veste, constavam como acionistas veículos ligados ao Master, como as gestoras WNT (49,55%) e Trustee (13,78%) — ou seja, a posição não estava consolidada. A Trustee , inclusive, pertence a Maurício Quadrado, ex-sócio de Vorcaro no Master. A companhia, em fato relevante divulgado na ocasião do negócio, se disse surpresa. Vorcaro, se utilizando de dois fundos distintos, era, assim, controlador da empresa, algo que não era conhecido publicamente. Procurada para comentar o caso, a companhia não se manifestou. Segundo fontes, caberá ao regulador analisar o caso e eventualmente abrir processo sancionador. Nesse exemplo específico, a posição de controle foi atingida por meio de dois fundos que tinham o mesmo beneficiário final. Assim, conforme especialistas consultados pelo Valor, se houver má-fé, a estrutura pode, em tese, ser utilizada para driblar obrigações como a realização de oferta pública de aquisição (OPA) por mudança de controle, ou até mesmo não ficar claro potencial conflito de interesses. Pela regulação vigente, o investidor precisa tornar pública a informação sobre sua participação a partir de 5%, sendo necessário ainda reportar quando a posição aumenta em mais 5%, ou seja, quando atinge 10%, 15%, 20% em diante. E precisa, ainda, esclarecer seu objetivo nesse aumento de participação. Nos casos dos desinvestimentos de Vorcaro, sob pressão para colocar mais capital no Master em meio ao processo de venda ao BRB, ele tem se desfeito de ativos que detém como pessoa física. Como consequência, ao longo das últimas semanas, algumas participações antes desconhecidas foram reveladas. Foi o caso de Metalfrio, Light e Méliuz, todas compradas em um pacote fechado com o BTG. Nas três empresas as posições eram detidas por meio da gestora WNT. Master, Vorcaro e WNT preferiram não se pronunciar. Fontes de mercado e advogados consultados pelo Valor afirmam que a prática está amparada sob a lei do sigilo bancário. No entanto, uma outra vertente aponta que, quando existe um investimento feito por um fundo de um único cotista, a regra que deveria prevalecer seria a obrigação de transparência ao se investir em uma empresa de capital aberto, especialmente quando são atingidas participações relevantes. Um dos problemas apontados também é quando um único investidor compra posição acionária em uma companhia por meio de mais de um fundo e não consolida a participação total, como ocorreu na Veste. Os demais investidores, em casos assim, ficam no escuro e não sabem quem controla a empresa. Uma fonte que acompanha o assunto de perto diz que o problema é que a estrutura tem sido utilizada em alguns casos com má-fé. Ele afirma que a preocupação também se dá em razão dos poderes políticos que esse investidor passa a ter na companhia quando ultrapassado um determinado nível de participação, como a possibilidade de indicar conselheiros ou chamar assembléia de acionistas. No geral, essas participações aparecem no capital social das investidas com o nome da administradora do fundo. “O caso Master trouxe holofote em uma questão que a CVM terá que endereçar, que é dar participação para participações acionárias”, disse uma fonte que tem acompanhado alguns dos casos. Em tese, a obrigação da administradora, como a Reag, é apenas em torno da diligência sobre a origem do dinheiro do fundo e se o cotista possui recursos compatíveis com o investimento. A Justiça tem poder para exigir a abertura do nome do cotista. A depender do caso, a própria CVM pode pedir a abertura do beneficiário final de determinado fundo, mas essa medida não teria poder para fundos “offshore”, que são aqueles estabelecidos fora do Brasil, disse uma fonte. Uma eventual mudança de norma podería, para fechar essa brecha, fazer uma diferenciação ente os fundos pulverizados e os monocotistas. Isso porque, nos fundos com muitos cotistas, o poder decisório fica de fato na mão do gestor do fundo, o que não é uma realidade de um fundo de um único investidor. Como Vorcaro segue vendendo participações para fazer frente aos compromissos do banco por ele controlado, nos bastidores se questiona se novas participações serão conhecidas — ou se outros investidores estão utilizando estruturas semelhantes para omitirem o beneficiário final de uma participação em uma determinada empresa. Por outro lado, uma fonte que falou com o Valor na condição de anonimato disse que compras de participações por meio dessas estruturas viabilizam o sucesso de operações especialmente em empresas que precisam passar por reestruturação. “Amparado na lei, o sigilo e a discrição são muito importantes para o sucesso do negócio”, afirma. Os casos envolvendo Vorcaro não são os únicos. Ainda recentemente, outro episódio chamou atenção. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch, vendeu 4,99% de ações detidas na Usiminas para um fundo da Reag, constituído em julho e com um único cotista. Com essa operação, a CSN conseguiu, no limite do prazo, cumprir decisão do Cade, que tinha estipulado que a siderúrgica só podería manter 4,99% de participação em sua concorrente. O órgão antitruste solicitou à área técnica que verifique o efetivo cumprimento da venda das ações da Usiminas pela CSN, ou seja, é preciso saber quem é o beneficiário final do fundo para se descartar qualquer relação com a siderúrgica de Volta Redonda. Procurada, CSN não respondeu ao pedido de comentário. Outro caso envolveu a rede de supermercados Dia no Brasil, que foi vendida para um fundo de investimento da MAM Asset Management, gestora que faz parte do banco Master. A instituição financeira negou-se inicialmente a revelar o nome dos cotistas do fundo. Após embate, o administrador abriu que o beneficiário final do fundo se tratava do empresário Nelson Tanure. Em outra companhia do varejo, o GPA, o avanço de Tanure, feito por meio da Reag, só se tornou conhecido após chegar próximo de uma fatia de 10%. O empresário também não comentou. Outra fonte consultada pelo Valor, que também falou na condição de não ter sua identidade revelada, disse que em processos de recuperação judicial existe uma maior diligência para se identificar quem está por trás de fundos envolvidos no processo, sendo que uma das razões é para se distanciar de eventuais tentativas de fraude a credores. No passado, fundos de prateleira se tornaram uma estrutura comum em algumas administradoras apenas por conta dos prazos para abertura de fundos. Assim, elas abriam esses fundos para ficarem disponíveis. No entanto, por conta de mudanças regulatórias, explicou uma fonte, o prazo de abertura de fundos foi muito reduzido, não sendo mais necessário o uso do formato de prateleira. Por isso, hoje, quando esse tipo de estrutura acaba sendo utilizado, o comentário nos bastidores é que a intenção é omitir seu beneficiário final. Uma fonte disse que a CVM deverá ser severa ao punir o uso dessas estruturas quando ficar provado haver má-fé. A CVM disse que não comenta casos específicos, mas frisou que “os fundos de investimento devem observar o disposto na Resolução CVM 175, que estabelece as regras aplicáveis à constituição, funcionamento e divulgação de informações dos fundos de investimento". Destacou, ainda, que no que tange a identificação do beneficiário final de fundo de investimento, “cabe esclarecer que intermediários e/ou administradores têm a obrigação de realizar tal identificação, conforme a regulamentação vigente. Entretanto, essas informações são protegidas pelo sigilo previsto na Lei Complementar 105 e, portanto, não podem ser divulgadas publicamente”. De acordo com o regulador, “tais informações devem ser devidamente resguardadas por todos os integrantes do sistema de distribuição, pelas infraestruturas de mercado e pelas entidades administradoras de mercado, em observância ao marco regulatório aplicável”. Procurada, a Reag não quis se pronunciar. Leia mais na página C3 Expectativa é que brechas sejam fechadas com regulação mais firme sobre fundos monocotistas Decisão judicial tem poderde determinar abertura de nome de beneficiário final de fundo
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