Amilton Aquino 0501
Dois assuntos bem delicados começam a entrar em pauta sobre o Brasil: dominância fiscal e a necessidade de uma nova constituição. Ou seja, a simples discussão desses assuntos é sintomática das incertezas sobre os dois pilares de uma nação democrática: a institucionalidade e a sustentabilidade da economia.
Vamos começar pela dominância fiscal, uma situação onde o principal instrumento de controle da inflação, o aumento dos juros, perde cada vez mais seu efeito deflacionário. Por outro lado, o crescimento descontrolado da dívida pública leva a um processo gradativo de aumento da inflação, que ganha uma inércia própria, difícil de ser parado sem um grande corte de gastos seguido de um longo período de recessão. Algo que experimentamos na década de 1980 e início dos anos 1990 e, por pouco, não repetimos na Crise Dilma, caso não tivéssemos mergulhado em dois anos de profunda recessão.
E por que isso pode ocorrer no Brasil? Porque o controle inflacionário é feito baseado em dois pilares: o primeiro, o monetário, o óbvio aumento dos juros, que diminui a moeda em circulação na economia ao tornar a poupança mais atrativa que o consumo. O segundo pilar é o fiscal, na verdade o principal, o mais importante indicador econômico que revela a saúde de uma economia. É a partir do equilíbrio das contas públicas que um país, mesmo altamente endividado, consegue a credibilidade necessária para continua rolando sua dívida. Na melhor das hipóteses, caso mantenha um superávit primário ao longo de anos, o país reduz o montante principal de sua dívida.
Para quem não sabe, o PT herdou um país com um superávit primário de 3% do PIB. De fato, mesmo com os artifícios mil inventados pelo PT para gastar mais sem que isso implicasse diretamente na contabilidade oficial, durante todo o mandato de Lula e início de Dilma, nossa dívida líquida diminuiu até a casa dos 41% do PIB, hoje na casa dos 62%.
Aliás, o superávit primário, que é um dos três pilares do Plano Real, sempre foi criticado pelo PT. Durante o mandato de Palocci como ministro da Fazenda, este pilar funcionou muito bem, nos garantindo um fluxo de investimentos nunca visto na nossa história, um dos responsáveis pelas imensas reservas cambiais acumuladas. Infelizmente, a partir do segundo mandato de Lula, no momento em que Mantega substituiu Palocci, tal tripé entrou em decadência, até ser substituído, em meados do governo Dilma, pela famigerada Nova Matriz Econômica (posteriormente substituída novamente pelo tripe macroeconomico herdado de FHC em 2015). O que se viu neste processo gradativo de redução progressiva do superávit primário até se tornar um déficit primário de -2,47% do PIB em 2016.
Ou seja, saímos de um superávit primário que, em 2004, chegou a 4% do PIB para um déficit de -2,47%, uma diferença de 6,4%, número aliás lembrado pelo jornalista William Waack ao então candidato Lula em uma de suas entrevistas na última eleição, deixando-o em estado de confusão mental que acabou virando meme. O resumo da ópera é que, se o PT não tivesse quebrado este pilar do Plano Real, nossa dívida hoje não seria um problema a comprimir cada vez mais nosso engessado orçamento.
E aqui entramos no segundo tema deste texto: a ingovernabilidade que está nos conduzindo a uma grave crise institucional que, talvez, só tenha uma saída: a convocação de uma nova Assembleia Constituinte.
Ora, desde que foi instituída, a Constituição de 1988, muitos nomes proeminentes, como Roberto Campos, por exemplo, alertaram para sua tendência de inviabilizar o Estado brasileiro. O fato é que, ao longo de três décadas, os excessivos direitos incluídos na nossa “Constituição Cidadã” foram nos levando ao atual estado de engessamento, onde apenas 5% do nosso orçamento é discricionário. Ou seja, qualquer que seja o governante, restam-lhe apenas 5% de controle, pois tudo está amarrado na Constituição. E pior, a tendência é de que continue comprimindo ainda mais.
Para piorar, a covardia de Bolsonaro em governar de fato o levou a entregar o orçamento nas mãos do Congresso, que acabou criando o Orçamento Secreto, o qual hoje o STF tenta corretamente colocar algum freio.
Estranhamente, apesar do claro beco sem saída fiscal em que vivemos, nem o STF nem o Executivo, parceiros na empreitada, querem dar qualquer contribuição para a redução dos gastos. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. O presidente do STF, Barroso, já veio a público se pronunciar contra a limitação dos salários ao teto constitucional. Enquanto isso, o governo não faz qualquer aceno de corte na própria carne, nem mesmo para dar exemplo. Pelo contrário, esbanja cada vez mais. Ou seja, não será do Congresso que virá a iniciativa de controlar as contas públicas, apesar de alguns poucos deputados, capitaneados por Kim Kataguiri, tentarem, sem sucesso, pagar o ônus de aprovar um salgado pacote de corte de gastos.
Paralelamente ao descontrole das contas públicas, cada vez mais nosso poder Judiciário mergulha no descrédito, assumindo uma postura cada vez mais autoritária “em defesa da democracia”, ao ponto de descredibilizar totalmente nossa já problemática Constituição, que frequentemente é “reinterpretada” ao bel-prazer de uma casta de “iluminados” que invade a prerrogativa do Congresso de legislar.
Portanto, chegamos a uma situação surreal onde os poderes não chegam nem mesmo a um consenso sobre a necessidade óbvia de controle dos gastos, com um sistema de leis cada vez mais instável e incerto. Isso tem levado figuras proeminentes a cada vez mais falar sobre a necessidade de repactuação, de rediscutir o Estado brasileiro, talvez mesmo até através da convocação de notáveis para formar uma nova Assembleia Constituinte.
Claro que apenas mudar a Constituição não resolve nossos problemas. Sua modificação seria mais para desengessar os dogmas que precisamos rediscutir, especialmente os privilégios adquiridos. Mas sim, corremos o risco de fazer algo ainda pior, como já ocorreu em 1988. Pelo menos agora muita gente já está vendo, na prática, o que Roberto Campos previu lá atrás. Seria uma lição em cima de um grande erro, se de fato tivéssemos o hábito de aprender pelo menos com nossos próprios erros. Mas nem isso podemos esperar do Brasil atualmente.
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