Amilton Aquino 0401
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"O ano termina com um grande descompasso entre a economia real, que cresceu bem pelo quarto ano consecutivo, e o mercado financeiro, que já antevê mais um voo de galinha.
Para os entusiastas do governo, trata-se de uma conspiração do tal mercado, esse ente malévolo da Faria Lima, que há alguns meses fazia boas projeções para o Brasil e, desde meados do ano, só piora suas expectativas. Mas o que aconteceu para essa mudança de humor?
Primeiro, houve a alteração da meta do arcabouço fiscal já flexibilizado logo em seu primeiro ano de vigência. De repente, a meta deixou de ser o déficit zero e passou a ser um déficit de R$ 30 bilhões, com uma contabilidade criativa embutida. Passados alguns meses, ficou claro para o mercado que seria impossível cumprir até mesmo a nova meta, já acochambrada. Então, começou um verdadeiro clamor por cortes de gastos.
Haddad, enfim, admitiu que precisava cortar despesas (ufa!) e criou uma expectativa de anúncio, que foi sendo postergado, postergado até que… veio em tom de campanha eleitoral, acompanhado de uma promessa que aumentaria os gastos em pelo menos metade do que o pacote propunha economizar. O dólar, claro, disparou, alcançando a casa dos R$ 6.
Mas eis que Lula, na tentativa de acalmar o mercado, resolveu dar uma entrevista ao Fantástico, onde garantiu que ninguém tem mais responsabilidade fiscal do que ele (!!!), que está tudo certo em seu governo e que a única coisa errada é a taxa de juros, deixando a entender que isso brevemente também seria “corrigido” com o seu indicado para a presidência do Banco Central. O dólar, claro, bateu os R$ 6,31.
Desde então, o que temos assistido é o BC queimar 10% das nossas reservas para reduzir 10 centavos da cotação do dólar, enquanto Lula ajusta o discurso, baixa o tom nas suas costumeiras acusações de conspiração do mercado e “garante”, ao lado do novo presidente do BC, que ele terá total autonomia.
O mercado, com sua fé inabalável de que balançamos, mas nunca caímos do precipício, deu até uma pequena acalmada com a aprovação do ainda insuficiente pacote de cortes de gastos. Porém, já começa a se posicionar para um cenário de piora gradativa que poderá explodir, ou não, antes das eleições.
É claro que o mercado também erra nas projeções. Desde Temer, as estimativas do PIB, por exemplo, foram sempre revisadas para cima, o que tem levado economistas, como Samuel Pessoa, a teorizar que o nosso PIB potencial aumentou. Isso se deve, muito provavelmente, à maior flexibilização do mercado de trabalho, consequência de algumas reformas estruturais, e à chegada dos aplicativos de entrega e transporte, que têm contribuído significativamente para a queda do desemprego e o aumento de renda de muita gente. Além disso, tivemos um investimento privado de R$ 70 bilhões a partir da aprovação do Marco do Saneamento nos últimos três anos — medida que contou com o voto contrário do PT, mas cujos frutos colhe agora.
Enfim, o clima ainda não é o do final de 2014, quando a crise já era dada como certa, mas há um prenúncio de algo semelhante, parecido com 2013: um mal-estar geral com as instituições, com a política e com a indiferença das castas do poder público, que, aconteça o que acontecer, sempre preservam seus privilégios. Isso ficou claro mais uma vez na tentativa de limitar os supersalários, condicionada à medidas a serem discutidas posteriormente, o que provavelmente resultará em nada.
Enquanto isso, o Congresso, que poderia conter a gastança acolhendo uma proposta de corte de despesas apresentada por três deputados, simplesmente dá de ombros, preferindo usar o orçamento secreto como barganha para aprovar o raquítico pacote de cortes do governo.
Como sempre, a conta sobra para quem não tem voz no Congresso. O grosso do corte será direcionado para a limitação do BPC, do PIS/PASEP e do Fundeb, além de alguns caraminguás do Bolsa Família, e só.
Será suficiente para chegarmos até 2026 sem uma crise aguda? Veremos. Até lá, a certeza é que a curva da dívida pública aumentará em ritmo semelhante ao do governo Dilma, com o agravante de que agora partimos do auge da maior crise da nossa história.
Apesar da pressão por cortes de gastos, a Lei Rouanet segue intacta, abocanhando R$ 17 bilhões por ano — valor sextuplicado no governo Lula. O mesmo acontece com a farra de gastos com publicidade e com o cartão corporativo, principalmente da primeira-dama. Sem dar o exemplo, como exigir qualquer sacrifício dos demais agentes públicos?
E assim seguimos, aos trancos e barrancos, rumo a uma nova fase de hiperinflação, já que as outras duas formas de financiamento do governo (endividamento e aumento da carga tributária) já estão no limite. Salvem-se quem puder."
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