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A política monetária sob incerteza João Ricardo Costa Filho

 A apresentação do Diretor de Política Econômica, Diogo Abry Guillen, no 4º Seminário MacroLab de Conjuntura, na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, foi cuidadosa e pedagógica. Passou por questões relacionadas à produção de estatísticas, governança e pesquisa e ainda ilustrou o processo decisório do Comitê de Política Monetária, o Copom, acerca da taxa Selic. Ele ressaltou que, embora a reunião propriamente dita ocorra em apenas dois dias, o processo começa muito antes. E é suportado por todo um aparato que compõe o chamado Sistema de análise e projeções do BC, descrito no box do Relatório de Inflação (hoje chamado de Relatório de Política Monetária) de março de 2023. Vale a pena conferí-lo.


No relatório, a entidade monetária conta que utiliza modelos semiestruturais, modelos de equilíbrio geral dinâmicos e estocásticos (DSGEs no acrônimo em inglês) e modelos de vetores autorregressivos (os VARs) para organizar as discussões. Isso está em linha com as boas práticas de modelagem e condução de política monetária: tomar cuidado para não confiar em apenas um modelo.


No artigo de Alexander Dück e Fabio Verona, “A compass for monetary policy under model uncertainty”, os autores nos lembram que os bancos centrais enfrentam duas fontes de incerteza. Primeiro, ninguém sabe ao certo qual é o modelo estrutural correto da economia (ou seja, qual é o conjunto de equações que de fato descreve o processo gerador dos dados em uma economia e cujos parâmetros profundos são invariantes às decisões de política econômica). Segundo, há incerteza sobre como reagir a choques de alta frequência (curto prazo), ciclos econômicos ou variações persistentes de longo prazo.


Os autores consideraram 29 modelos DSGE disponíveis na Macroeconomic Model Data Base e procuraram por regras de política monetária — isto é, equações que descrevem o comportamento dos bancos centrais ao definirem a taxa de juros nominal, como a Selic no Brasil, com base em outras variáveis macroeconômicas — que minimizem desvios da inflação e do produto em relação aos seus níveis de equilíbrio. Fizeram isso tanto para cada modelo individualmente quanto considerando o “custo” médio de todos os modelos.


E o que eles descobriram?

Primeiro, que as regras de política monetária são frágeis: performam bem em um modelo e não tão bem assim em outros. Isso é super importante. Se o banco central seguir cegamente a prescrição de um modelo (sem considerar não só outros modelos, mas também a avaliação de seus diretores e analistas com base em informações que transcedem os arcabouços matemáticos), pode fazer escolhas que diminuem o bem-estar social simplesmente porque têm em vista uma estrutura equivocada da economia.


O resultado que considero mais importante diz respeito à convergência para respostas mais cautelosas na presença de incerteza sobre o modelo. Ou seja, uma reação mais moderada à inflação e ao hiato do produto, em comparação com aquela derivada de modelos específicos.


E por que isso importa?

As economias estão sujeitas a diversos tipos de choques inesperados. Assim, condutas mais robustas atuam como uma espécie de “seguro”: reduzem o risco de uma política errática ou excessivamente agressiva, promovendo estabilidade macroeconômica. Isso tem implicações diretas para a credibilidade da autoridade monetária, para a ancoragem de expectativas e para o desempenho de longo prazo de variáveis reais e de preços.


Para quem, como eu, atua na área de macroeconomia quantitativa e transita entre diferentes modelos DSGE, semiestruturais e VAR, além de se interessar pela transmissão da política monetária, o texto reforça uma lição importante: diversificar os modelos não é um preciosismo metodológico — é requisito para melhor análise. E isso tem implicação prática: no momento em que escrevo este texto, já se espera o início do ciclo de corte na Selic. A questão é sobre quando ele começa e até onde vai. No mesmo seminário, Fernanda Guardado – Economista-chefe para América Latina no BNP Paribas – nos lembrou que em março de 2026 o Banco Central do Brasil (BCB) poderia ter informações suficientes e condições técnicas para começar a cortar a Selic. Se isso se materializar, ajuda a ilustrar o resultado de Dück e Verona: cautela e uma reação mais modesta à conjuntura macroeconômica para produzirem convergência da inflação para a meta. Isso, claro, se o BCB não encontrar pedras pelo caminho.

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