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 NEWS - Valor - 04.12


Entrevista: 'Mercado quer antecipar 2026, mas Lula não pode trair programa de governo', diz José Dirceu / Ex-ministro defende medidas de Haddad, vê mercado como parte da disputa política e diz que Lula tem conselheiros experientes, mas talvez falte disposição para ouvi-los- O Globo 4/12


Renata Agostini


José Dirceu ajeita-se na cadeira e logo coloca sobre a mesa anotações feitas de próprio punho sobre conquistas do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Quase 20 anos após ser forçado a deixar o Palácio do Planalto e a política por causa do escândalo do mensalão, ele mantém o sentimento de pertencer ao próprio governo. É assim quando defende medidas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ou quando critica o “mercado”, que vê em posição de duelo com Lula.


— Eles querem que o governo adote um programa que não apresentou ao país. Quer que façamos haraquiri. É isso que estão pedindo - disse em entrevista ao GLOBO.


Aos 78 anos, o ex-chefe da Casa Civil diz querer ajudar o governo e também o PT, partido que fundou com Lula e que, em sua visão, precisa ser reconstruído. Para isso, não descarta a volta à arena política, mas sem cargo no Executivo. Segundo ele, o presidente está bem servido de conselheiros políticos - Dirceu, no entanto, não tem certeza se Lula está disposto a ouvi-los.


O ex-ministro vê o jogo para 2026 em aberto diante da instabilidade que Donald Trump pode trazer ao mundo, da divisão na direita e de um Jair Bolsonaro que, mesmo inelegível, não pretende abrir mão de ser candidato.


O governo anunciou um pacote de corte de gastos. A agenda do ministro Fernando Haddad (Fazenda) precisa de correções?


Não. Ele propôs aumento insignificante de Imposto de Renda (para quem ganha mais de R$ 50 mil mensais) para contrabalancear a isenção para quem recebe até R$ 5 mil. Não tem novos gastos e, ainda assim, pressionam o presidente da Câmara e o Senado para votar isso só no próximo ano. O mercado devia estar defendendo diminuição de despesas tributárias, teto dos servidores e a medida do Imposto de Renda. Porque isso estabiliza. Mas querem diminuir o crescimento do salário mínimo, Bolsa Família, Previdência e Benefício de Prestação Continuada.


Mas o governo concordou. Essa foi a proposta.


E a proposta está certa nas circunstâncias atuais, na correlação de forças atual. Mas eles querem mais, querem sangue. O governo já fez a parte dele, agora a palavra está com o Congresso. Se tivéssemos maioria, faríamos Reforma Tributária na renda, riqueza e propriedade. A dívida pública está crescendo por causa de precatórios, herança de Bolsonaro e juros.


Temos um dólar que não para de subir e isso entra na conta de movimentos do governo.


(Entra na conta da) Especulação, da qual o governo não é responsável e que o Banco Central deveria ter impedido, pois tem instrumentos para isso. Qual razão para dólar a R$ 6? Por que o ajuste não era o que a Faria Lima queria? Economia e emprego crescendo, não há crise política, o Brasil tem paz, superávit na balança comercial, tem balança de conta corrente equilibrada, porque temos investimento direto externo e reservas de quase US$ 360 bilhões.


A decisão de anunciar o pacote junto com a reforma do IR não minou o objetivo do governo?


Por que pode diminuir salário mínimo, Previdência e Bolsa Família, que envolvem quase metade da população, e não pode aumentar o imposto para 100 mil brasileiros? É evidente que isso é inaceitável. Se querem fazer isso, eles têm que eleger um presidente que o faça ou convencer o Congresso de fazê-lo. Até as Forças Armadas aceitaram. A contragosto, mas aceitaram. A não ser que você queira desmontar o estado de bem-estar social previsto na Constituição. Então você disputa eleição e diga que quer desmontar.


Fala-se numa reforma ministerial que aumente o espaço do centrão. É o caminho correto?


O governo já tem base de centro-direita. Não adianta tapar o sol com a peneira. Tanto é que aprovou tudo o que era importante. É preciso dar uma parada agora, pensar nos próximos dois anos, que tem eleições em 2026. O governo está sofrendo com falta de recursos nos ministérios. E ainda querem mais cortes. O mercado está querendo antecipar 2026. Não é só a questão da dívida pública.


O senhor vê então como necessidade política o governo duelar com o mercado?


Quem duelou com o governo foi o mercado. Foi apresentada uma proposta dentro das possibilidades que o Executivo tem. Se faz a proposta do mercado, ele deixa de ser governo que foi eleito, ele praticamente trai seu programa. Estão pedindo que nós façamos haraquiri. É isso que eles estão pedindo.


Então tem que entregar um pouco, mas não tudo.


Tem que fazer aquilo que garanta o crescimento do país. Imagina se vem uma crise por causa do trumpismo, o país está em recessão. Nem interessa para nós. Nós temos que defender nossos pontos de vista, não podemos abrir mão daquilo que é a nossa natureza e nem o mercado. Quem dirime essa disputa é o Congresso.


Há análise recorrente de que Lula está cercado por auxiliares que não têm a mesma força política do que o grupo de seu primeiro mandato. É preciso mexer no Planalto?


Rui Costa foi governador, deputado federal. Experiência política tem. O problema é se o presidente quer (ouvi-lo). Se tem alguém que conhece a articulação, relação com os Estados e municípios, prefeitos e governadores, Câmara e Senado é Alexandre Padilha. Além disso, foi ministro da Saúde. É muito experiente. Márcio Macedo é mais jovem, mas já foi deputado federal, tem experiência política também. E o Paulo Pimenta tem uma longa experiência parlamentar. Não sei se é porque não tem gente para ele ouvir ou se o presidente não tem ouvido. É mais o estilo e como se organiza o governo. Porque não dá pra voltar atrás. Nós não estamos e não vamos mais pro governo. Já passou. Eu vou fazer 79 anos no ano que vem.


Há influência excessiva da primeira-dama no governo?


Não vejo. Lula pode ter qualquer homem conselheiro. Não precisa ter cargo nenhum. Ela não pode ser conselheira? Claro que pode. A única pessoa que é senhor deste assunto chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. Nós só devemos dizer: que bom que o nosso presidente tá apaixonado, feliz vivendo bem, porque ele é o senhor desse destino, não somos nós.


O indiciamento de Bolsonaro no inquérito do golpe sepulta o plano dele de voltar ao poder?


Ele está e ficará inelegível porque há base para que seja condenado e há outros processos. Mas ele já dá sinais de que será candidato até a impugnação pelo TSE (da candidatura). Ele não tem sucessor e há outros candidatos, como Pablo Marçal, Ronaldo Caiado e os governadores do Paraná (Ratinho Junior) e de Minas Gerais (Romeu Zema). Portanto, Bolsonaro já está em campanha. Mas precisa ver se tem força. Parte do PL não o quer. E acredito que a elite agrária e financeira do país vai impor a Tarcísio de Freitas (governador de São Paulo) que seja candidato.


O senhor acredita que Bolsonaro irá mimetizar a estratégia do Lula com Haddad em 2018?


Precisa ver se ele tem força pra isso. Se ele for o caminho certo da derrota, vai todo mundo para a derrota? Ele tem tanta influência assim no PP, no Republicanos, no União Brasil, no MDB? Não tem. Ele tem no PL. E parte do PL não o quer. Ele já abandonou os militares. Cuidou dos filhos e só. Todo mundo já conhece o Bolsonaro.


Tarcísio de Freitas seria um candidato mais difícil de Lula bater?


Sim, mas aí também há sucessão de São Paulo com possibilidade maior de disputarmos para ganhar. Vejo o jogo aberto para 2026. Ainda é cedo para dizer o que acontecerá porque existe um fator: as medidas que Donald Trump tomará quando assumir os Estados Unidos. Dependendo da intensidade, toda a conjuntura política mundial e brasileira mudará. É quase jardim de infância o que estamos assistindo agora pelo ajuste fiscal. Fico estarrecido que a elite brasileira não se dê conta da gravidade do que acontecerá no mundo. Outros países já estão tomando medidas. O Brasil devia estar se preparando. É evidente que a crise na bolsa é um chuvisco perto da tempestade que vai ter no mundo. Se ele fizer o que ele está declarando, vai ser uma hecatombe mundial.


Edinho Silva é favorito para assumir o partido e conduzir a “reconstrução” do PT?


No PT, não tem favorito. Edinho é um dos nomes, José Guimarães é outro. Agora, apareceu o nome do Paulo Okamotto, pode aparecer Rui Falcão. A maioria dos filiados vai decidir. Lula entende que, para o perfil que o PT precisa adotar, o nome mais adequado é o do Edinho. Agora, não tem essa coisa de que ele está eleito. Tem um longo caminho de negociação.


O que a nova direção tem de fazer de diferente?


O primeiro desafio é a renovação da direção. O segundo, renovação geracional. O terceiro, se empoderar das redes. A tarefa política principal é eleger 100 deputados, 10 senadores no mínimo, reeleger os governadores e ganhar novos estados para que o presidente Lula reeleito tenha base. E isso significa diálogo com PDT, PSB, PSOL e Rede, além de entre nós, PV, PCdoB e PT. O ideal é que todos esses partidos tenham uma política comum para 2026.


O senhor considera então que Lula será candidato à reeleição?


Não vejo situação em que ele não seja. Haddad é um dos prováveis candidatos em 2030. Em 2026, Lula é candidato de maneira inexorável.


Acredita ser conveniente mudar a vice?


O Lula todo dia tem que levantar as mãos e dar graças a Deus, porque ele teve o José Alencar e agora tem o Geraldo Alckmin. Um vice como ele é uma dádiva. Além de tudo, ministro da Indústria, ou seja, está ajudando.


O senhor foi preso cinco vezes. No mensalão e Lava-Jato, diz que foram prisões injustas. Ao mesmo tempo, já disse: “Nós erramos”. O que há de se reconhecer quando olhamos esses processos?


O problema é que eles viraram instrumento político para mudar a realidade institucional do país. Os procuradores e o (Sergio) Moro pretendiam o poder. A lei foi sendo corrompida e as delações viraram uma farsa. O mensalão não se ateve a investigar empréstimos tomados por empresas do Marcos Valério e repassados ao PT, se transformou na maior corrupção do século, no ataque à república e à democracia. E a história da Visanet, em que está tudo provado que não existiu. (Houve) Pressão da opinião pública e julgamento ao vivo. Virou julgamento político.


Mas o senhor está delineando erros dos outros. Onde o senhor errou?


Não, eu não errei em lugar nenhum. Nenhum dos dois casos. Porque eu não tinha nenhuma relação com essa história dos dois empréstimos, do caixa dois. Roberto Jefferson foi cassado porque não provou que existia mensalão. Eu fui cassado porque era o chefe do mensalão. O Supremo me absolveu de formação de quadrilha. Eu fiu condenado por corrupção, mas não tem prova nenhuma. Agora, veja quem é o Roberto Jefferson hoje e quem sou eu hoje.


O PT foi bastante crítico ao STF no mensalão e na Lava-Jato. Não vem daí a origem dessa visão difundida pelo bolsonarismo de que a Corte não está jogando dentro das regras?


Mas o STF atuou dentro das regras do jogo. Você não pode levantar armas contra a República. Inclusive, no caso dos militares, é crime gravíssimo.


O PT argumentava que eram julgamentos sem provas, uma perseguição.


No caso da Lava-Jato, o tempo nos deu razão. No caso do mensalão, não está ainda encerrado. Fui condenado com base na teoria do domínio do fato. E o criador dessa tese disse que não tinha pé nem cabeça aplicar no meu caso. Mas não vejo o STF não seguindo (agora) o devido processo legal. As fotos e os filmes são provas. Como discutir anistiar cidadãos que foram instigados a destruir os poderes? É uma aberração.


O senhor está próximo de resolver as pendências na Justiça. Já decidiu seu futuro político?


Não tem necessidade nenhuma de resolver agora. Quero cuidar dos meus processos que estão acabando, trabalhar como advogado, porque tenho que pagar as dívidas que todo mundo agora vem me cobrar. E quero ajudar o PT nessa renovação, ajudar o presidente Lula. No final de 2025, vou decidir se serei candidato ou não.

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