Em Portugal, a ceia de natal recebe o nome de consoada sendo celebrada na noite do dia 24 de Dezembro, a véspera de Natal. Esta tradição leva as famílias a reunirem-se à volta da mesa de jantar, comendo uma refeição reforçada. Por ser uma festa de família, muitas pessoas percorrem longas distâncias para se juntarem aos seus familiares.
A origem do nome “Consoada” vem do Latim "consolata", de "consolare", "consolar".
Na tradição católica os fiéis participavam, ao final da noite, na Missa do Galo.
Segundo a tradição portuguesa, a Consoada consiste principalmente em bacalhau cozido, seguido dos doces, como aletria, rabanadas, filhoses e outros doces. Em algumas regiões do país (principalmente no Norte), o polvo guizado com couves e batatas também consta da mesa de Natal. Em Trás-os-Montes, peru no forno, canja de galinha e assados de borrego, porco ou leitão também marcam o Natal, enquanto na Beira Alta, o cabrito é uma tradição. No Alentejo e no Algarve, o peru recheado assado são pratos que podem constar das mesas.
Em Portugal, depois da Consoada, é tradição fazer a distribuição dos presentes de Natal.
No início do século XII d.C., os presentes eram distribuídos em nome de S. Nicolau, a 6 de Dezembro. Contudo, a contra–reforma católica do concílio de Trento (1545 – 1563) passou essa função ao Menino Jesus, sendo a distribuição feita no dia 25 de Dezembro, assinalando a data do nascimento de Jesus.
Está a ver aquela posta alta e deliciosa de bacalhau cozido com couves, cenouras, batatas e muito azeite por cima? No início do século XX, isso era coisa que só existia no Norte do país. Do Porto para baixo, a véspera de Natal era passada no mais rígido e rigoroso jejum. A partir do início do Advento, as famílias faziam jejum de carne e, na véspera de Natal, no Sul do país, era jejum total até à Missa do Galo.
Hoje em dia, a ceia da véspera de Natal tem tanta importância como o almoço de dia 25. Mas, há 100 anos, era coisa que existia essencialmente no Norte do País, acima do Porto. Aí, sim, havia uma tradição de jantar em família, com bacalhau – cozido ou em pastéis –, polvo guisado, arroz de polvo ou outros pratos sem carne. Na véspera de Natal, a família reunia-se à mesa para celebrar a festa em conjunto.
No Norte, ninguém rezava pelo Menino Jesus à meia-noite. A essa hora toda a gente estava sentada à mesa, à volta de um polvo ou de um bacalhau. Só as famílias da nobreza nortenha fugiam à tradição. Numa investigação sobre "os alimentos nos rituais familiares portugueses", Maria Antónia Lopes, do Centro de História da Sociedade e da Cultura, da Universidade de Coimbra, publicou um menu de uma ceia de Natal de uma família nobre do Norte, em 1891: puré de jardineira, arroz de fantasia caseira, costeletas nacionais e "ervilhas idem" e couve flor composta. Para sobremesa, bolo experimental, pudim incógnito e broas de Natal, entre outros.
No final da II Guerra Mundial, o bacalhau começou então a espalhar-se por todo o país. O Estado Novo via no bacalhau um prato "simples" e "humilde" que ajudava a educar o povo a ser poupadinho e bem comportadinho. Com a massificação da televisão e a distribuição de bacalhau garantida pelo Estado, a ditadura aproveitou para impor uma propaganda nacional em defesa do bacalhau, tornando-o tradição em todo o país.
Em Portugal, aliás, este bolo nunca foi consensual. A receita foi trazida para Lisboa em 1869 pelo dono da Confeitaria Nacional que, no ano passado, ganhou a rigorosíssima eleição de Melhor Bolo-Rei de Lisboa . Baltasar Rodrigues Castanheiro Júnior provou, pela primeira vez, o bolo-rei em Paris e começou a vendê-lo na Confeitaria. Rapidamente, o bolo se tornou um sucesso especialmente na época do Natal.
Mas, com a implantação da República, um bolo com "Rei" no nome virou um ultraje. A venda foi proibida pelo Estado e só a gula e a imaginação dos portugueses é que o conseguiu manter vivo. Antes que os políticos percebessem o que se estava a passar, já as pastelarias vendiam o mesmo bolo, chamando-lhe Bolo de Natal, Bolo de Ano Novo ou até Ex-Bolo-Rei.
Talvez o facto de muitos nortenhos terem vindo trabalhar e viver para Lisboa, a partir da década de 40, tenha também ajudado a vulgarizar o bacalhau como prato natalício mais a sul. Mas, mesmo assim, há ainda hoje bastantes variações regionais (para além das tradições e variações de cada família). Na zona Oeste, o polvo cozido é comum no dia 24, a par do bacalhau com batatas e couves.
A outra constante era que mesmo nesta ceia (refeição tardia, exatamente, como se chama no Brasil, a "ceia natalina" ou "ceia de Natal") pós meia-noite, não se comia carne vermelha. O prato tradicional era o bacalhau.
Curiosamente o ritual de jejum repetia-se no Ano Bom, trocando-se o prato principal da ceia pós meia-noite pelo arroz de polvo.
Já no almoço do dia de Natal (o mesmo se repetia no dia de Ano Bom), a fartura era total, com vários tipos de aves, frutos do mar, cabrito, coelho (que os brasileiros não costumam comer), porco (quase sempre pernil assado) etc.
Outra tradição mantida em casa era amassar as filhoses ou velhoses, bolinhos fritos de abóbora e aguardente (chamada no Brasil de "portuguesa", para diferenciar da aguardente local, de cana-de-açúcar), doce camponês que a maioria dos brasileiros desconhecia e ainda desconhece (ao contrário de versões de doces mais sofisticados como pasteis de santa clara e de belém, que se encontram em muitos lugares). Apenas nas festas de fim de ano, como dizemos cá, amassava-se as filhoses.
Toda a gente (será um exagero, mas no Entre Douro e Minho se calhar não era...) comia bacalhau no Natal. E comia-o três vezes. À ceia, depois desfiado ao almoço como «entrada» antes do Galo (isso de Perú não é daqui) e finalmente o farrapo velho ou roupa velha . Não só havia em praticamente todas as paróquias, desde pelo menos finais de oitocentos até aos anos 60 de novecentos como volta hoje a haver em muitas paróquias.
No Norte de Portugal a consoada é
talvez a festa mais comemorada no seio das famílias. O indispensável bacalhau cosido e as indispensáveis rabanadas são prato obrigatório ainda nos lares mais modestos.
Em Trás-os-Montes, o dia 24 é o verdadeiro dia de Natal, no sentido do festejo familiar. É um dia em que se come apenas peixe: o bacalhau e o polvo, acompanhados de batatas cozidas, couves e em muitas casas abóbora cozida, tudo bem temperado com azeite local. À sobremesa, doçaria da época, filhoses, pudim de ovos, bolo-rei e arroz doce. O dia 25 é virado para as carnes, principalmente, peru, não descurando cabrito ou cordeiro, grelhados ou assados.
Na Beira Baixa comia-se na véspera de Natal aquilo que se comia em todo o Inverno. Ou seja, batatas com couves e bacalhau (uma posta melhorada). Dia 24 não era dia de festa. As filhoses eram amassadas ao fim da tarde e fritas noite dentro até perto da meia noite. O mais antigos guardavam o preceito de não se começar a fritar a filhoses antes de escurecer. Depois ia-se à missa do Galo.
No Alentejo, o bacalhau, cozido ou assado no forno, é degustado na consoada e no almoço do Dia de Natal come-se, tipicamente, o galo, tostado ou assado, mas há quem prefira o cabrito assado. No que toca aos doces, os alentejanos comem as conhecidas filhós, leite creme e coscorões. Além disso, as azevias de grão, o nogado e as encharcadas são também opções nesta quadra.
No Algarve, a ceia de Natal é feita ou com um prato de carne ou de peixe, em que o galo de cabidela e o bacalhau cozido são opções e no almoço do Dia de Natal comem-se os restos e assam-se carnes de borrego ou peru. Em algumas zonas também se come leitão. As sobremesas passam pelas filhós, rabanadas, sonhos e leite creme, os algarvios juntam a tarte de amêndoa, as empanadilhas e as encharcadas, importadas do Alentejo e o Morgado de Amêndoa.
Da Beira Alta à Beira Baixa o bacalhau cozido é rei na consoada e no Dia de Natal, o almoço é com carne assada, de cabrito ou de peru. Arroz doce, sonhos, rabanadas e Bolo Rei são as sobremesas de eleição. As tigeladas, as papas de carolo e as filhós de joelho também são doces tradicionais desta altura do ano.
Na Beira Litoral, o bacalhau cozido também impera na noite de Natal, assim como o polvo. No almoço do Dia de Natal come-se carne assada, de peru, de porco ou de cabrito. Quanto a doces, na Beira Litoral não existem propriamente pratos típicos, mas, na região de Aveiro, comem-se os ovos moles. De resto, na mesa de Natal não podem faltar as rabanadas, as filhós, os sonhos, a aletria, os frutos secos e o Bolo Rei.
A zona de Lisboa e Vale do Tejo caracteriza-se por reunir um conjunto de receitas típicas de várias pontos do país, trazidas pelo fluxo migratório do século XX. Na ceia, come-se o bacalhau cozido com todos e peru assado. No almoço de Natal serve-se carne assada de cabrito, peru ou borrego. Nas sobremesas imperam as rabanadas e comem-se filhós, sonhos, aletria, lampreia de ovos, azevias e Bolo Rei.
No Minho e no Douro Litoral, o bacalhau cozido é rei na ceia de Natal e no final da refeição, não se levanta a mesa, para que as alminhas e os anjos possam saciar-se. No almoço do Dia de Natal serve-se roupa velha ou farrapo velho feita com os restos, além disso, também é costume comer-se cabrito e peru assado. À sobremesa comem-se as rabanadas de vinho, de leite ou de mel, que podem ser regadas com calda de açúcar. Também são tradicionais os sonhos, as filhós, o arroz doce, os bolinhos de abóbora-menina e de chila e os mexidos, uma mistura de açúcar, pão e frutos secos fervida em água.
Em Trás-os Montes e Alto Douro, as principais receitas têm como ingredientes o bacalhau e polvo. Nalgumas casas come-se pescada frita ou congo frito. No almoço de Natal também se come roupa velha, assim como carne assada, de cabrito, cordeiro, borrego ou peru. A mesa de doces é recheada com leite creme, arroz doce, rabanadas, filhós, sonhos, pão de ló, farófias e Bolo Rei que, nalguns casos, é substituído pelo Bolo Inglês, também com frutos secos.
Na Madeira comem-se pratos mais leves na ceia de Natal e no Dia de Natal, o almoço é com carne Vinha e Alhos ou bacalhau cozido. Os madeirenses comem Bolo de Mel, ao qual juntam sobremesas mais leves, com fruta, salada de fruta, pudim de maracujá, tangerinas, ananás, tomate inglês e, ainda, o "fruto delicioso", uma espécie de banana ananás.
Nos Açores come-se bacalhau com todos, ou canja de galinha. Há ainda quem coma torresmos com inhames e Morcela com batata doce, estes dois últimos pratos são tradicionais na ilha de São Jorge.No dia seguinte, os pratos vão desde peru e frango assados no forno com recheio de pão e miúdos (Terceira, Flores e São Miguel), ao frango com debulho e borrego assado (São Jorge), passando por cozido (Graciosa), polvo assado ou guisado (Terceira, Graciosa e Santa Maria), molha de carne com inhames e sopas de pão de trigo (Pico), lulas à moda das Ribeiras e ainda há espaço para a roupa velha (feita com os restos do bacalhau com todos do dia anterior). As sobremesas são com Bolo de Natal (feito com frutas cristalizadas), arroz doce, queijadas e pasteis de arroz (Graciosa), pão de ló, Bolo de nozes, Bolo de laranja, filhós, coscorões, rabanadas, Bolo Rei e figos passados. Para acompanhar, os açorianos bebem licores caseiros, aguardente de canela e Vinho do Porto.
Na verdade, creio eu, independentemente das regiões cada família terá a sua particularidade. Nada segue um padrão assim tão rígido e inflexível.
No caso da minha família o meu pai era um "festeiro" por excelência.
A noite do dia 24 era sempre passada em nossa casa e a família vinha toda.
Já descrevi o quanto ele era cuidadoso e minucioso nos preparativos de qualquer festa. No Natal ele se esmerava. O presépio era um encanto. E a preparação da Consoada era organizada com muita antecedência. Ainda estou para perceber como ele conseguia montar a mesa para mais de vinte pessoas. Eu era muito miúdo e tenho alguns flashs de recordações. Recordo dos alguidares onde as postas de bacalhau ficavam de molho. O cheiro inconfundível dos fritos da quadra misturados com açúcar e canela...
A melhor loiça, os copos mais finos e a toalha mais rica saíam dos armários e louceiro.
Escolhida a toalha ele ia buscar o ferro de engomar e eliminava qualquer dobra ou ruga. Tudo tinha que estar impecável. Tinha um jeito para decoração que era indiscutível.
Meu irmão e eu pouco aproveitávamos porque a refeição propriamente dita só era servida após a meia noite. Antes eram entradas e quantidades generosas de pastéis de bacalhau.
Adormecíamos antes do jantar mas acordávamos cedo com a excitação de ver os presentes sob a árvore.
O pai nunca ia se deitar antes de arrumar tudo e lavar a loiça toda. E nesses dias não havia criada. Geralmente ele contratava uma senhora para ajudar a servir e que permanecia na cozinha a lavar pilhas de pratos e tachos.
A avó Luísa fazia questão de preparar a aletria que ninguém gostava( nem ela) e as rabanadas. A parte fazia uma calda com tiras muito fininhas de casca de laranja. Era um caldo doce e aromático . Dizia que assim as rabanadas não ficavam secas.
O pai encomendava um peru suficientemente grande para todos. Arranjava, limpava, temperava e recheava. Na hora de assar tinha lá um acordo com os homens da padaria ao pé da nossa casa e o bicho como não cabia no nosso forno ia assar aos cuidados dos padeiros.
Depois que o pai faleceu as pessoas sumiram.
Mantivemos o Natal mas de forma muito mais modesta, com menos convidados e obviamente com pouco dinheiro.
Se nos tempos do pai a tradição era seguida dentro de todas as regras e protocolos na fase da mãe viúva a organizar tudo a operação foi simplificada e alterada.
Os parentes e amigos passaram a colaborar e cada um trazia um prato, alguns o vinho, um bolo, uma especialidade e ficou bem mais prático.
Contudo a mãe era uma rebelde sem causa. Talvez por ser fã do James Dean. Não sei. O facto é que ela gostava de inovar. E sempre introduzia um prato diferente/ exótico na mesa de Natal. Procurava nos livros e sempre descobria uma novidade asiática, árabe ou nórdica. Não lembrava ao Diabo mas acabou por se tornar uma tradição. As pessoas mal chegavam e perguntavam-lhe: o que inventaste esse ano?
Seja como for mantive a magia do Natal. Adoro! E acho que consegui transmitir aos meus filhos.
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