Caso Master toma rumo estranho
Ao arrogar para si o controle da investigação de Daniel Vorcaro, e ainda sob inexplicável sigilo, Dias Toffoli estimula uma percepção de acobertamento que só degrada a integridade do Supremo
5 dez. 2025
Estadão Editorial
O ministro Dias Toffoli arrogou para o Supremo Tribunal Federal (STF) o controle da investigação de crimes financeiros envolvendo Daniel Vorcaro, dono do Banco Master. Ademais, decretou elevado grau de sigilo aos atos processuais, concentrando em seu gabinete o fluxo de informações sobre o caso. Essa decisão de Toffoli não resiste a um exame jurídico primário, muito menos ao confronto com o ideal de transparência que deve nortear os Poderes da República.
A defesa do empresário argumentou que Vorcaro teria mantido negócios com o deputado federal João Carlos Bacelar (PL-BA). Com base nisso, o empresário acionou o STF para tirar o processo da primeira instância da Justiça Federal de Brasília em razão da prerrogativa de foro do parlamentar baiano. O busílis é que o documento que cita Bacelar, como revelou o Estadão, diz respeito a uma transação imobiliária de R$ 250 milhões que nem sequer foi consumada, além de não guardar relação com a investigação de fraude na venda de carteiras de crédito do Banco Master ao Banco de Brasília (BRB), operação suspeita que pode ter injetado R$ 12 bilhões na instituição financeira controlada por Vorcaro.
Mas, abstraindo-se a evidente falta de nexo causal, Dias Toffoli poderia perfeitamente ter mantido no STF somente a investigação de Bacelar, deixando a cargo da primeira instância as providências relativas aos demais investigados sem prerrogativa de foro, como Vorcaro e seus sócios.
Para piorar, ainda há o sigilo inexplicável. O art. 5.º , inciso LX, da Constituição determina com clareza solar que somente a intimidade ou o interesse social legitimam a eventual restrição à publicidade dos atos processuais. Mais abaixo na hierarquia normativa, o Código de Processo Civil enumera as quatro hipóteses em que se admite o segredo de Justiça, a saber: (i) situações em que o interesse público ou social o imponha; (ii) processos de família; (iii) casos que envolvam dados íntimos (como, por exemplo, estado de saúde de uma das partes); e (iv) processos que versem sobre arbitragem.
Ora, enquadrar as atribulações judiciais do sr. Vorcaro em quaisquer das alíneas acima requer uma mui criativa hermenêutica jurídica. A rigor, à luz do interesse público, o caso do Banco Master e seu controlador exige o exato oposto: absoluta transparência.
As peripécias de Vorcaro transbordam de relevância pública. Seus desdobramentos envolvem potenciais impactos financeiros para fundos públicos de aposentadoria, suspeitas de tráfico de influência e indícios de proximidade muito além dos limites republicanos entre o empresário e autoridades dos Três Poderes. Ou seja, é precisamente o tipo de ação que não pode tramitar nas sombras, resguardadas às partes, por óbvio, todas as garantias do devido processo legal.
Some-se a tudo isso dois dados incômodos, que qualquer magistrado minimamente cioso de sua responsabilidade teria considerado suficientes para se declarar impedido. Em 2024, Dias Toffoli participou de um evento empresarial em Londres patrocinado, ora vejam, pelo Banco Master. Até hoje, o ministro não prestou o devido esclarecimento sobre quem custeou suas despesas de viagem. Como se isso não bastasse, a mulher do ministro, Roberta Rangel, foi sócia de um dos advogados que hoje atuam na defesa de Vorcaro perante o Supremo. A simples aparência de parcialidade já seria óbice incontornável à permanência de Dias Toffoli como relator do processo.
Não há razão factual ou jurídica que sustente a manutenção do caso de Vorcaro no STF nem tampouco o sigilo determinado por Dias Toffoli. Há, isso sim, a imperiosa necessidade de que o próprio STF não deixe sua imagem ser tisnada pela suspeita de acomodação de conveniências empresariais ou proteção de relações pessoais mal explicadas.
Este jornal quer acreditar que Dias Toffoli e o Supremo estão tratando do caso do Banco Master de maneira republicana, mas, por ora, a sensação é de que há algo inconfessável sendo escondido dos olhos dos cidadãos. Considerando-se que o sr. Vorcaro habilmente soube cultivar relações com os altos escalões de Brasília, não é uma desconfiança infundada.
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