Em engenharia existe um negócio chamado “fator de segurança”. O engenheiro faz todos os cálculos estruturais com base na melhor técnica, e depois aplica um “fator de segurança” para eventos extremos. Assim, por exemplo, ao construir uma ponte, os cálculos incluem a passagem de muitos veículos ao mesmo tempo e ventos fortes. O “fator de segurança”, por sua vez, pode incluir a passagem de vários caminhões super-pesados ao mesmo tempo.
Não precisa ser expert em engenharia para sacar que, quanto maior o fator de segurança, mais caro fica o projeto. Assim, se o fator de segurança incluir a possibilidade de um terremoto, a ponte ficará muito mais segura e, também, muito mais cara. Esse gasto adicional não faz sentido, se o histórico de terremotos na região da ponte for zero. Seria um desperdício de recursos.
Vamos ao caso da Enel em São Paulo. A empresa tem um problema de engenharia a resolver: como dimensionar a sua equipe de manutenção de modo a maximizar o seu lucro? Uma equipe muito pequena levará à cassação da concessão por não cumprir as metas de performance do regulador. Uma equipe muito grande (com um “fator de segurança” muito alto) levará a resultados financeiros insatisfatórios para os acionistas da empresa.
A julgar pelos indicadores da Aneel, a Enel vem se saindo bem. Desde 2018, quando assumiu a concessão em São Paulo, seus indicadores de interrupção de serviço estão dentro dos limites estabelecidos pelo regulador. E, em 2024, se não ficou entre as melhores distribuidoras do país, seu indicador de desempenho ficou dentro do aceitável (veja gráficos anexos).
O que vem acontecendo? Eventos climáticos extremos vêm ocorrendo com mais frequência, exigindo uma equipe de manutenção maior. A questão, para a empresa, é se esses eventos são suficientes para mexer o ponteiro dos indicadores cobrados em seu contrato, e se, mesmo que sejam, as multas por não cumprimento são maiores do que os gastos para a contratação de mais equipes.
Tudo isso é engenharia. Só que a coisa extrapolou o campo técnico e transbordou para o campo político. Até Tarcísio de Freitas, que é engenheiro e conhece todo o raciocínio acima, se juntou às vozes populistas que exigem o fim da concessão da Enel, mesmo a empresa cumprindo as metas determinadas pelo regulador.
Claro que se pode argumentar que são essas metas que estão erradas. O contrato é falho, e deixa margem para as concessionárias prestarem um serviço porco e não serem punidas. Pode ser. Mas é bom ter em mente que a introdução de metas mais rígidas (um “fator de segurança” maior) exigirá mais investimento por parte das concessionárias, com o custo sendo repassado para a conta de luz. “Ah, mas já pagamos uma fortuna pela eletricidade, merecemos um serviço melhor”. Pois é, aparentemente não, se considerarmos que os indicadores atuais estão sendo cumpridos, mas se mostram insuficientes.
Aparentemente, a política se sobreporá à boa técnica, e a ENEL será gentilmente convidada a vender a sua concessão para outra empresa. Uma candidata natural é a Equatorial, que, coincidentemente, assumiu a concessão da Enel em Goiânia, em 2023, cedendo à pressão política do governador Ronaldo Caiado. No gráfico abaixo, note como a Equatorial-GO é uma das duas concessionárias de grande porte que não cumpriu as metas da Aneel em 2024, sendo a segunda pior do país. Aparentemente, a troca da Enel não resolveu o problema, mas nunca que Caiado assumirá essa derrota.
PS.: a esquerda vem faturando em cima dos problemas da Enel, colocando o caso como um exemplo de como a privatização prejudica a população. A maximização do lucro estaria no cerne do problema, o que não aconteceria com uma empresa estatal. Como se a contabilidade deixasse de funcionar para estatais. Na improvável hipótese de que uma estatal oferecesse serviços melhores que uma empresa privada, esses serviços custariam mais caro por definição (fora a camada de inchaço de funcionários e corrupção), o que exigiria ou tarifas maiores ou o socorro periódico do Tesouro para equilibrar as contas. Os Correios estão aí para não deixar dúvidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário