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Jairo Jose da Silva

 Os EUA deram grandes coisas ao mundo, mas também muita porcaria, entre essas, a goma de mascar, o wokismo e a filosofia analítica, que é americana, embora de pais austríacos e ingleses.

Essa chamada filosofia não interessa a literalmente ninguém fora de seu círculo, ninguém a lê, leigos, outros filósofos, cientistas, artistas ou políticos, e ela não influencia em absolutamente nada outros domínios intelectuais. É um onanismo de americanos para americanos e alguns tolinhos influenciáveis mundo afora.


Eu estava hoje pela manhã vendo uma palestra de uma filósofa analítica sobre a inefabilidade, e quase chorei.

Inefável, como sabemos, é a experiência que não pode ser colocada em palavras, o que está além da linguagem.

A moça deu como exemplo a experiência de ouvir a segunda sinfonia de Mahler e ser tocado por ela de modo significativo. O significado expresso pela sinfonia seria, segundo ela, inefável.


Vamos por partes. É possível, e ela reconhece isso, que a experiência estética de ouvir a sinfonia seja simplesmente um encontro com a beleza, que desperta emoções, mas que é desprovido de significado.

Mas basta ler o programa do concerto para se dar conta que a obra se chama sinfonia da Ressureição. Ora, a ideia de ressurreição tem fortes conotações, religiosas e políticas, entre outras.


Certa vez, essa sinfonia foi executada pela Filarmônica de Israel nas ruínas de Massada. Ora, Massada foi o local de resistência dos zelotes judeus aos invasores romanos depois da queda de Jerusalém. Uma sinfonia chamada Ressurreição, escrita por um judeu (Mahler), tocada por uma orquestra de Israel moderno no local mesmo onde Israel antigo deixou de existir tem evidentemente uma forte conotação política e religiosa. A emoção que a sinfonia desperta, cuidadosamente urdida por Mahler pelo uso eminentemente competente da linguagem musical, ganhou nessa particular execução um significado claro e distinto perfeitamente compreensível.


Meu ponto é simples, a sinfonia não tem um único significado em si mesmo inefável, mas muitos, dependendo do contexto e do fim a que é posta, cada um desses precisamente expresso metaforicamente pela obra musical.

Nesse exemplo, o que parecia inefável, por ser inexprimível em linguagem descritiva, se torna perfeitamente expresso pela linguagem musical uma vez especificado o contexto. A obra de arte é, em si mesma, sempre uma obra aberta.


A linguagem das palavras e dos conceitos tem além de um uso descritivo, a que cabe o conceito usual de verdade, um uso expressivo, a que também cabe um conceito de verdade, embora menos usual.

Tomemos o famoso verso de Hugo: “L’hydre Univers tordant son corps écaillé d’astres (A hidra Universo torcendo seu corpo cravejado de astros). O belíssimo verso nos toca com uma verdade profunda, mas não é uma descrição veraz da realidade. O universo não é um hidra e astros nãos são pedras no corpo de um monstro. Entretanto, o verso expressa perfeitamente nosso horror metafísico frente a um universo mudo, negro e sem fundo e o incessante movimento dos astros desprovido de propósito ou finalidade.


E como o verso faz isso? Não descrevendo nada, mas por meio de uma metáfora e de uma poderosa imagem. O ponto central do meu argumento é este: o que é inefável à linguagem descritiva pode ser perfeitamente expresso pela linguagem expressiva da arte. Mahler não está descrevendo nada, ele está simplesmente fornecendo um molde expressivo que pode ser preenchido por diferentes experiências. Hugo também não está descrevendo nada, mas expressando uma verdade metaforicamente através do uso poético da linguagem.


Para isso existe a arte, para exprimir o inefável.


Até Wittgenstein, o avô da filosofia analítica, filósofo ruim, mas muito melhor do que seus seguidores, sabia disso. Sua opus magnum, o Tractatus Logico-Philosophicus termina com a célebre “devemos passar em silêncio sobre o que não se pode falar”, que reconhece a existência de um território do inefável, o que não se pode dizer. Mas ele mesmo afirma que é nesse território que estão as coisas que mais interessam, a ética e a estética, a moral e a arte, o belo e o bom.


Qualquer filósofo competente discutiria o inefável ao longo dessas linhas, com maior competência do que eu, claro, medíocre que sou.

Mas nossa filósofa analítica vai por outro caminho. Ele se pergunta se há objetos inefáveis e se a experiência inefável consiste no encontro com objetos inefáveis! É de chorar mesmo.

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