Sobre a rala de indignação com o STF, A Toca do Lobo descreve o que se passa hoje no Bananil.
"O Brasil se tornou aquele tipo de país onde um escândalo explode de manhã e, à tarde, já perdeu o sabor. Nada mais choca. Nada mais abala. Nada mais provoca sequer o prazer de uma boa indignação. Fatos que, em qualquer democracia funcional, derrubariam carreiras e fariam manchetes explodirem, aqui são recebidos com a naturalidade de quem comenta o clima: “segue normal, com frentes de vergonha e impunidade se aproximando”.
A imprensa, que deveria urrar como um leão, miou. O Senado, que deveria fiscalizar, faz o papel de mordomo elegante: observa, ajeita a bandeja e garante que nada respingue nos ternos. E o Judiciário vive em uma espécie de ambiente hermético onde conflitos de interesse são amaciados, sigilos brotam como cogumelos e a palavra “consequência” soa quase ofensiva — como se alguém tivesse entrado na sala com sapatos sujos.
Mas talvez o mais fascinante — num sentido antropológico, não moral — seja a naturalidade com que episódios gravíssimos são tratados. Em vez de investigação, temos silêncio. Em vez de transparência, sigilo. Em vez de constrangimento, indiferença. É como se o país inteiro tivesse recebido um sedativo institucional. A mensagem é simples, quase pedagógica: eles não têm mais medo de nada. Nem da crítica, nem da lei, nem da aparência de culpa. Até porque não há nada acima deles. Ninguém vigia os vigilantes.
A democracia, afinal, não precisa de tanques e nem de golpes espetaculares para morrer. Ela morre assim: discretamente, assinada, carimbada e enviada via malote interno.
Em 1974, nos EUA, um presidente caiu não por corrupção milionária, mas por tentar abafar uma investigação. Nixon não despencou por ter feito o pior, mas porque as instituições americanas — imprensa, Congresso, Judiciário — simplesmente fizeram o que tinham de fazer.
Os jornalistas Woodward e Bernstein (recomendo o filme "Todos os homens do presidente") não pediram licença para investigar. O Senado não engavetou nada. A Suprema Corte não blindou ninguém. O sistema reagiu porque era, de fato, um sistema, não um círculo de proteção.
Nos EUA, juízes da Suprema Corte não agem como deuses e enfrentam escrutínios brutais por presentes recebidos — sim, presentes! — e precisam se explicar publicamente. Na Alemanha, um presidente renunciou por aceitar um empréstimo pessoal suspeito. Na Coreia do Sul, uma presidente caiu porque uma amiga influenciou decisões de governo. No Reino Unido, ministros pedem demissão por infrações de trânsito, impostos, jantares.
Enquanto isso, no Brasil, episódios que envolvem viagens em jatinhos privados com partes interessadas; contratos milionários envolvendo familiares; processos colocados sob sigilo impenetrável; silêncio obsequioso dos órgãos que deveriam fiscalizar,
são tratados como apenas mais uma
terça-feira.
Em Watergate, o sistema olhou o próprio monstro nos olhos — e venceu. Por aqui, no Chipanzil, o monstro não só venceu, como também acomodou-se, abriu um sorriso maquiavélico para as câmeras, deu entrevistas, assinou sentenças e pediu um café, mas não sem antes exigir que seja Kopi Luwak.
A verdade é que tudo está fora de ordem. A harmonia institucional é como aquela música ambiente de elevador que toca enquanto o cabo de aço range. E seguimos sorrindo, porque reclamar não adianta. Só resta torcer para que, quando o elevador despencar, pelo menos o fundo musical seja um pouco melhor.
A Toca do Lobo 
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