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A bilionária e a marxista

 A bilionária e a marxista

Por Gustavo Maultasch
10/12/2025
Na lógica marxista, produzir valor para os consumidores não significa nada; o importante são as ideias abstratas de igualdade, esforço, justiça social.
Eu não sei o que é mais difícil: conquistar o primeiro bilhão ou manter a serenidade diante do marxismo das pessoas em situação de projac. (De minha parte, posso dizer que venho falhando em ambos os desafios).
Mas a brasileira que é a bilionária mais nova do mundo, a fundadora da Kalshi, aparentemente logrou as duas coisas. Esses dias vi que ela tinha sido entrevistada e pensei: certamente sua entrevista versará apenas sobre a sua empresa e sua história, não? Sobre o seu trabalho como empreendedora, que é digno de louvor, orgulho, uma história de vida para inspirar a nós e a nossos filhos, correto?
Na lógica marxista, produzir valor para os consumidores não significa nada; o importante são as ideias abstratas de igualdade, esforço, justiça social. Ou melhor: significa sim, porque se ela tiver de escolher um médico para si, provavelmente escolherá o melhor, e não o mais esforçado
Só que até eu de vez em quando subestimo a neurose da monomania marxista, que a todo tempo e em todo lugar quer enxergar opressão, exploração, desigualdade. O sujeito vê a alvorada e pensa: olha aí o sol oprimindo o orvalho. É uma espécie de perturbação mental que interpreta toda e qualquer realidade como contendo algum tipo de maniqueísmo, algum tipo de luta entre o Bem e o Mal. (Parte desse problema advém das universidades, que ensina que pensar significa criticar, e criticar significa encontrar opressores e oprimidos em qualquer realidade).
Nessa entrevista a que assisti, a entrevistadora fez a seguinte pergunta à nova bilionária: “Você construiu a sua fortuna com esforço próprio, e aqui no Brasil a gente faz, com muita frequência, um debate sobre a questão da meritocracia, [sobre] o que é a meritocracia num país tão desigual como o Brasil. Quer dizer, algumas pessoas já partem na frente de outras para a vida, para as oportunidades. Pelo que eu entendi, você vem de uma família de classe média. Você acha que se você tivesse nascido num outro contexto, numa outra realidade social, você teria conseguido chegar aonde você chegou?”
Bem, se o Pelé tivesse nascido sem perna, se o Ayrton Senna tivesse nascido antes de inventarem o automóvel, enfim, se a realidade fosse outra, o resultado seria outro mesmo. Estamos brincando aqui de contrafactual, de viagem no tempo, em que uma pequena modificação no passado altera toda a cronologia do futuro?
Nós sabemos que esse não pode ter sido o objetivo da pergunta – que na verdade nem era uma pergunta, mas sim uma repetição de clichês da vulgata marxista.
O que a entrevistadora quis dizer foi mais ou menos o seguinte: não há nada de louvável no que você fez, porque o indivíduo não existe; ele é apenas resultado de sua classe e suas circunstâncias. E se você é uma bilionária, e bilionários não podem existir, eu vou encontrar aqui algum fator da sua história para menosprezar toda a contribuição individual que você pensa que pode ter feito à sua própria história. Assim como um criminoso não faz nada de errado (pois ele é apenas uma vítima da sociedade), você também não fez nada de positivo (pois você é apenas uma predestinada da sociedade). O certo mesmo seria você não ter mais do que ninguém.
A entrevistadora demonstra ainda que não sabe o que é meritocracia no livre-mercado, e confunde meritocracia com “esforçocracia”. É evidente que há muita gente esforçada que, por uma série de razões – falta de sorte, de talento, de oportunidades – não alcançou bom resultado. Mas o livre-mercado não foi feito para recompensar o esforço; e ele não recompensa o esforço por uma razão muito simples: porque nós, consumidores, não recompensamos o esforço em nossas decisões diárias de consumo.
Quando buscamos um produto ou serviço, o que nós queremos é o resultado. Se precisamos de um médico, escolhemos aquele com melhores resultados, e não aquele que se esforçou mais para chegar onde está. Essa é a virtude do livre-mercado e da sua meritocracia: que o profissional que produz os melhores resultados para os consumidores possa obter, para si, os melhores resultados financeiros, não importando de onde ele veio.
Na lógica marxista da entrevistadora, produzir valor para os consumidores não significa nada; o importante são as ideias abstratas de igualdade, esforço, justiça social. Ou melhor: significa sim, porque se ela tiver de escolher um médico para si, provavelmente escolherá o melhor, e não o mais esforçado. Como sempre fizeram os marxistas, igualdade para as massas, privilégios para a vanguarda. No fundo ela sabe bem que, como bem respondeu a fundadora da Kalshi, “capitalismo e meritocracia funcionam”.
Gustavo Maultasch é diplomata e autor do livro "Contra toda Censura: Pequeno Tratado sobre a Liberdade de Expressão".

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