*ESTADÃO: EUA APERTAM CERCO A MORAES; BRASIL CONTESTA INVESTIGAÇÃO*
22:30 18/08/2025
Brasília, 18/08/2025 - O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta segunda-feira, 18, que leis e ordens estrangeiras que atinjam cidadãos brasileiros, relações jurídicas celebradas no País, bens situados em território nacional e empresas que atuam no Brasil não têm efeito automático e precisam ser homologadas para ter eficácia. A determinação ocorre após os Estados Unidos aplicarem a Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes. Em reação, o governo americano fez novas ameaças, afirmou que nenhum tribunal estrangeiro pode anular punições impostas pelos EUA e chamou Moraes de "tóxico".
"Ficam vedadas imposições, restrições de direitos ou instrumentos de coerção executados por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, bem como aquelas que tenham filial ou qualquer atividade profissional, comercial ou de intermediação no mercado brasileiro, decorrentes de determinações constantes em atos unilaterais estrangeiros", diz a decisão de Dino, que não cita as sanções da Lei Magnitsky impostas a Moraes.
Na prática, a determinação de Dino significa que qualquer cidadão brasileiro que se sentir prejudicado por uma imposição de Estado estrangeiro em território nacional pode recorrer ao STF ou a outro órgão do Judiciário do Brasil.
A decisão do ministro foi dada no âmbito de um processo sobre a tragédia de Mariana (MG) envolvendo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e municípios brasileiros que acionaram a Justiça de outros países. O ministro declarou inválida medida cautelar da Justiça do Reino Unido que determinou ao lbram, em março deste ano, a desistência de ação no STF que pede a suspensão dos contratos firmados entre escritórios ingleses e Executivos municipais do País.
AMEAÇA. Nesta segunda-feira, a gestão Trump usou as redes sociais para reforçar as críticas a Moraes. "Alexandre de Moraes é tóxico para todas as empresas legítimas e indivíduos que buscam acesso aos Estados Unidos e seus mercados. Nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos Estados Unidos ou proteger alguém das severas consequências de descumprilas", diz a postagem assinada pelo escritório que trata de questões diplomáticas do hemisfério ocidental e replicada pela embaixada americana no Brasil.
O governo Trump ainda ameaçou com punições cidadãos de outros países que mantenham relação com o magistrado brasileiro. "Cidadãos americanos estão proibidos de manter qualquer relação comercial com ele. Cidadãos de outros países devem agir com cautela: quem oferecer apoio material a violadores de direitos humanos também pode ser alvo de sanções."
'OFENSA. De acordo com a decisão de Dino, ordens judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil mediante homologação ou por meio de mecanismos de cooperação internacional. Qualquer violação a essas regras, disse o ministro, "constitui ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes, portanto presume-se a ineficácia de tais leis, atos e sentenças emanados de país estrangeiro".
Ao determinar que a Justiça do Reino Unido não pode impor restrições às leis e ao Judiciário do Brasil, Dino afirmou que a decisão tem efeito vinculante, ou seja, abrange qualquer ordem estrangeira que pretenda impor "atos unilaterais por sobre a autoridade dos órgãos de soberania do Brasil".
Ele ainda mencionou o contexto atual, em que os Estados Unidos têm aplicado sanções ao Brasil e a ministros do Supremo como forma de pressionar por uma anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu sob acusação de tentativa de golpe de Estado.
No mês passado, o governo Trump aplicou a Lei Magnitsky a Moraes, relator do caso. A legislação, tradicionalmente imposta a violadores de direitos humanos e terroristas, prevê sanções como o bloqueio de contas bancárias e de bens em solo americano.
'NEOCOLONIALISMOS. "Diferentes tipos de protecionismos e de neocolonialismos são utilizados contra os povos mais frágeis, sem diálogos bilaterais adequados ou submissão a instâncias supranacionais", declarou Dino. "Nesse contexto, o Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças, que visam impor pensamentos a serem apenas 'ratificados' pelos órgãos que exercem a soberania nacional."
O ministro ressaltou também que os mesmos fundamentos da decisão proferida ontem sobre a medida da Justiça inglesa incidem "em todas as demais em que jurisdição estrangeira - ou outro órgão de Estado estrangeiro - pretenda impor, no território nacio-nal, atos unilaterais". Tal esclarecimento, observou o magistrado, "visa a afastar graves e atuais ameaças à segurança jurídica em território pátrio".
BANCOS. Dino ainda considerou que há "riscos de operações, transações e imposições indevidas envolvendo o sistema financeiro nacional" e determinou ciência da decisão ao Banco Central, à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), à Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e à Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (Cnseg). “Transações, operações, cancelamentos de contratos, bloqueios de ativos, transferências para o exterior (ou oriundas do exterior) por determinação de Estado estrangeiro, em desacordo aos postulados dessa decisão, dependem de expressa autorização desta
Corte", afirmou.
AÇÃO. A ação do Ibram na qual Dino deu a decisão sustenta que municípios brasileiros não têm legitimidade para mover ações no exterior relacionadas a fatos ocorridos no Brasil. Na petição, de junho de 2024, o instituto cita processos que correm no Reino Unido, na Holanda e na Alemanha contra mineradoras. O caso ganhou novos contornos quando a Justiça do Reino Unido determinou, em março, que o lbram desista do processo no STF. É nesse ponto que o caso se conecta à Lei Magnitsky: a ofensa à soberania nacional. (Lavínia Kaucz)
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