Incorporadoras x inflação
Cenário Setorial: Inflação volta para a prancheta das incorporadoras
Por Circe Bonatelli
São Paulo, 15/11/2024 - O custo de construção está acima da inflação média do País e voltou para a prancheta das incorporadoras, que se prepararam para ampliar o orçamento para obras no ano que vem e reajustar os preços de vendas dos imóveis.
O tema merece atenção, especialmente após a lembrança ainda fresca dos estragos causados pela disparada dos custos e estouros de orçamentos durante a pandemia.
O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) subiu 5,72% nos 12 meses encerrados em outubro, enquanto a inflação geral, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), avançou 4,76% no mesmo período.
E não é só isso. A inflação setorial vem acelerando. O resultado de 5,72% representa um avanço expressivo em comparação com o registrado um ano atrás, de 3,37%.
O que mais puxa para cima a inflação setorial é a mão de obra. Isso porque o setor atingiu a marca de 2,9 milhões de pessoas empregadas formalmente, o maior nível de emprego desde 2014, e se aproxima do recorde histórico de 3,1 milhões de empregados.
Por outro lado, faltam trabalhadores qualificados, o que gera elevação nos salários. Com isso, a componente "mão de obra" dentro do INCC subiu 7,79% em 12 meses. Trabalhar com obras ficou mais interessante. O salário médio no setor é de R$ 2.315, o terceiro mais alto do País, atrás apenas da área de finanças e administração, com R$ 2.324; e servidores públicos, com R$ 2.455.
Entretanto, o que mais jogou gasolina na fogueira da inflação este ano foi a elevação nos preços dos materiais de construção. Essa componente do INCC subiu 4,31% no acumulado de 12 meses. Trata-se de uma aceleração expressiva em relação ao mesmo período um ano antes, quando estava em apenas 0,61%.
Vale lembrar que as vendas de materiais estão bombando no Brasil, em virtude dos milhares de canteiros de obras abertos por empreendimentos residenciais, bem como pela recuperação no consumo das famílias, conforme já apontou a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat). A entidade elevou duas vezes a projeção para as vendas este ano. Começou em uma previsão de alta de 2%, depois passou para 3% e agora está em 4,5%.
"A indústria de materiais é muito ligada à economia nacional. Com o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) maior que o esperado, nós tivemos essa revisão no setor", afirma o presidente da Abramat, Rodrigo Navarro.
Consequências
Como consequência, quem for comprar um imóvel novo vai se deparar com preços maiores ao longo dos próximos meses, avisou o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia. "A situação vai gerar o repasse de custo maior para o preço dos imóveis. Quem for comprar a casa própria vai encontrar preços maiores.
Dentro das empresas, tal cenário já se confirma. O diretor financeiro da Cyrela, Miguel Mickelberg, afirmou, em entrevista, que o aumento nos custos de produção tem sido percebido e que a política interna é de repassar esse efeito para o preço final dos apartamentos, visando manutenção da margem de lucro. Por ora, não houve queda nas vendas.
O diretor financeiro da MRV, Ricardo Paixão, atesta o mesmo cenário. Ele comentou que tem percebido um aumento nos custos de construção, mas, por enquanto, isso está sob controle. Para 2025, o orçamento da MRV vai embutir uma previsão de elevação de 6% do INCC. "Estamos fazendo esse orçamento de forma conservadora. A ideia é não ter surpresa negativa no futuro", comentou.
Na visão do Itaú BBA, há um risco de que os materiais de construção continuem acelerando devido à demanda grande após a grande onda de lançamentos e vendas de imóveis nos últimos trimestres. Além disso, há um cenário de desvalorização do real perante o dólar e de aumento nos preços das commodities, que resultam no encarecimento dos itens importados.
"Como a inflação da mão de obra provavelmente permanecerá alta e a inflação dos materiais básicos pode acelerar, tememos que o INCC possa se expandir rapidamente para níveis altos, de um dígito, em linha com a média histórica", descreveram os analistas de construção civil Daniel Gasparete, Luiz Capistrano e Mariangela Castro, em relatório do Itaú BBA.
O INCC teve saltos de 8,68% em 2020, 14,03% em 2021 e 9,41% em 2022, por conta dos impactos provocados pela pandemia. Depois, desacelerou para 3,34% em 2023, o que permitiu às empresas irem reajustando o preço dos imóveis pouco a pouco para compensar ao menos uma parte do aumento de custos.
Se um avanço mais robusto do INCC for confirmado, isso afetará em cheio as empresas que atuam no Minha Casa Minha Vida. Nesse caso, as incorporadoras vendem os imóveis na planta e repassam o cliente para financiamento bancário logo em seguida. Portanto, não carregam contratos com reajuste do valor da parcela com base no INCC, como acontece fora do programa habitacional. Se o custo de construção sobe, as incorporadoras do MCMV não têm essa proteção.
"As incorporadoras de imóveis para a população de baixa renda geralmente preveem algum nível de inflação, mas acreditamos que o INCC pode surpreender", estimaram os analistas do Itaú BBA. "Se estivermos nos estágios iniciais de um novo processo inflacionário, pode-se esperar impactos maiores nos resultados", citaram.
Contato: circe.bonatelli@estadao.com
Broadcast+
Comentários
Postar um comentário