QUEDA NO PREÇO DO WTI TRAZ AO MERCADO NOVA REFLEXÃO SOBRE NÍVEL DE PRODUÇÃO, DIZEM ANALISTAS

Por Wagner Gomes e Fernanda Nunes

São Paulo, 20/04/2020 - A queda de mais de 100% no preço do petróleo WTI nos Estados Unidos trouxe ao mercado hoje uma nova reflexão sobre o nível adequado de produção da commodity. Segundo analistas, ficou claro que o preço do brent, que também está em queda vertiginosa, será fortemente afetado forçando os países membros da Opep a se reunirem novamente para acertar o nível de produção.

Na semana passada, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Rússia e outros países produtores de petróleo concordaram em fazer um corte recorde no volume de produção de 10% da oferta global. Serão 9,7 milhões de barris a menos produzidos por dia em maio e junho.

"A queda do WTI é um problema específico dos Estados Unidos, que tem excesso de produção e aumento de armazenagem. Mas isso abre espaço para novos cortes na produção mundial, mostra que a decisão da semana passada entre os países exportadores de petróleo não é suficiente", afirma Luís Sales, analista da Guide Investimentos.

Hoje, o petróleo norte-americano WTI com entrega para maio fechou em queda de -305,97%, a US$ -37,63 o barril, na New York Mercantile Exchange (Nymex). "Aqui no Brasil, a Petrobras nem acompanha o WTI, mas essa queda hoje demonstra um cenário negativo para o petróleo de uma forma geral. Aponta uma situação crítica no mercado global e pode ter um efeito no petróleo tipo brent, que caiu menos hoje, mas caiu. É uma crise nunca vista anteriormente", afirma.

Segundo Sales, a queda de hoje do preço do petróleo é temporária, mas muito forte.

"Foi um movimento brusco de mais de 100%. A economia deve voltar e a demanda, que foi praticamente a zero de um dia para o outro, também. Houve redução de gasolina, do nível de atividade do começo do ano para cá. As petroleiras continuam extraindo petróleo, mas parte da demanda caiu. Isso tudo tem um tempo para se ajustar na produção", afirma o analista da Guide.

Na opinião do professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Istituto de Energia da PUC (Iepuc), Edmar Almeida, o mercado futuro de petróleo deve conviver por até quatro meses com a desvalorização da commodity e até mesmo com a negociação de contratos futuros a preços negativos, como já está acontecendo com os títulos com vencimento em maio.

Segundo o especialista, o colapso provocado por um excedente da produção e pela ausência de capacidade de estoque para o volume excedente nos Estados Unidos vai levar um tempo a ser solucionado e isso deve continuar se refletindo no mercado financeiro no curto prazo.

"Os Estados Unidos são a vítima da crise que provocaram, ao reduzir os custos de produção e encher o mercado de petróleo, gerando um desequilíbrio entre oferta e demanda", diz ele.

Na prática, os investidores estão pagando às empresas petroleiras para que fiquem com a commodity que compraram há alguns meses. Eles não têm compradores para os títulos que adquiriram e se tiverem que ficar com o petróleo que compraram, não vão ter onde estocá-lo.

A única solução no médio prazo, segundo Almeida, é fechar poços produtores nos Estados Unidos. Até agora, esse é um problema exclusivamente americano, principalmente, porque diz respeito ao modelo de logística do país.

Sua produção é direcionada ao consumo interno. Com isso,a maior parte da infraestrutura foi desenhada para atender a demanda das refinarias. Não há dutos e tancagem suficiente para exportar o produto ou para estocá-lo à espera da retomada da economia.

"O que está acontecendo nos Estados Unidos é um sinal de alerta para os demais produtores. Não tem mágica, tem que cortar a produção. O censo de urgência do desequilíbrio entre oferta e demanda ficou aquém da necessidade", afirmou Almeida.

O Brasil, por enquanto, não deve ser afetado pelo colapso do WTI, porque a referência dos seus contratos é o petróleo europeu, o brent, segundo o economista. Além disso, como a maioria da produção é marítima o País possui uma estrutura de escoamento por navios eficiente, que pode facilitar a venda para diversos países.

"O posicionamento de cada país vai depender do quanto os Estados Unidos vão reduzir sua produção", acrescentou.

Já Ilan Abertman, analista da Ativa Investimentos, avalia que a queda do preço do petróleo WTI pode pressionar o brent, prejudicando companhias como a Petrobras. Segundo ele, o cenário atual aumenta os riscos de uma crise geopolítica e enfrentamento entre os países produtores de petróleo, prejudicando o ímpeto da demanda global pela commodity.

"É um cenário que inspira cuidados. A Petrobras, que tem como referência o preço do brent, mais do que nunca vai precisar adensar o seu foco onde tem vantagens competitivas relevantes, como o pré-sal. Além disso, há uma tendência da guerra de preços aumentar", diz Abertman.

Segundo ele, há desde o mês passado um movimento forte de estocagem de petróleo à espera de que a curva futura nos preços do brent aumente. "O problema é a queda do WTI deve contaminar os outros preços".

Para João Zuneda, diretor da consultoria MaxQuim, a precificação de um preço futuro negativo de petróleo deve prejudicar o mercado à vista e consequentemente investimentos de grandes companhias, como a Petrobras, que aposta todas as suas fichas no pré-sal.

"A compra futura é um hedge. O mercado precifica que as vendas no futuro estarão baixas e assim os preços caem com todo esse pessimismo. Há um caos porque os estoques de petróleo estão muito altos e há uma pressão forte de oferta. Isso é ruim para a Petrobras que terá que reduzir muito a produção ou vender petróleo mais barato. No médio e longo prazo isso poderá afetar os investimentos no pré-sal. E postergar investimentos significativamente, inclusive, diminuir pagamento de royalties", diz.

Zuneda explica que o pessimismo quanto ao preço futuro do petróleo imperou pelo excesso de oferta, alta dos estoques e a queda abrupta, sem precedentes, da demanda provocada pela pandemia do coronavírus.

Já Shin Lai, estrategista da Upside Investor, diz que a queda no preço do petróleo no curto prazo representa um desarranjo na cadeia produtiva causado pela redução da demanda com a pandemia do coronavírus e também a falta de um acordo entre os países produtores. Segundo Lai, o preço da commodity se acomoda neste patamar porque o armazenamento é muito alto.

"São dois problemas, a oferta continua alta e não há demanda. Ninguém quer comprar petróleo no curto prazo. As consequências econômicas dessa situação serão enormes. O problema é que os custos da retomada, quando tudo voltar ao normal, serão muito altos", comenta.

Contato: wagner.gomes@estadao.com e fernanda.nunes@estadao.com

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