Ninguém quer ficar rico devagar, mas ele quis
Um marco histórico está para acontecer no mercado financeiro: Warren Buffett vai se aposentar aos 95 anos.
2025 deve ser o último ano de atuação ativa de Warren Buffett como CEO e chairman da Berkshire Hathaway, a lendária firma de investimentos do meio-oeste americano. Isso é relevante para o mercado financeiro não apenas porque se encerra a carreira do maior investidor da história, mas também porque se encerra uma forma específica de estar no mundo, de pensar o dinheiro, o tempo e a própria ideia de sucesso, que parece cada vez mais rara. A Carta de hoje é baseada nas impressões do investidor Seth Klarman sobre o “Oráculo de Omaha”, como ficou conhecido Buffett.
Num ambiente financeiro dominado por velocidade, narrativas, vaidade intelectual e uma ansiedade quase patológica por novidade (quem leu “Flash Boys”, de Michael Lewis, vai lembrar da disputa por quem ficava à menor distância da bolsa de valores e quem tinha os cabos ópticos de transmissão de ordens mais rápidos…), Buffett construiu sua fortuna fazendo algo “banal”: comprando negócios bons, pagando um preço razoável e esperando. Esperando por anos, às vezes por décadas… Esperando enquanto o mundo gritava, corria, se desesperava ou se apaixonava por modas passageiras.
Sua genialidade era silenciosa, quase provinciana, profundamente enraizada numa ética de trabalho, numa curiosidade constante e numa capacidade rara de não se distrair com aquilo que não importava. Ele nunca foi o arquétipo do gênio performático: não era um artista, um inventor, um visionário carismático de palco, um showman à la Trump. O próprio Buffett, inclusive, sempre descreveu o que fazia da maneira mais honesta possível: “investir é simples, mas não é fácil”.
Milhões de pessoas compram e vendem ações todos os dias, mas nenhuma fez isso melhor, de forma tão consistente e por tanto tempo quanto Buffett. E a parte mais surpreendente dessa história é justamente que não houve truque, não houve atalho, não houve genialidade mística: houve método, temperamento e uma relação quase filosófica com o tempo. O “Value investing” levado à cabo pelo menino disciplinado do meio-oeste americano.
Buffett começou cedo: aos 11 anos, comprou sua primeira ação. Ainda adolescente, vendia jornais, amendoins em estádios, produzia guias de apostas de corridas de cavalo e, aos 17, juntou dinheiro suficiente para comprar máquinas de pinball e instalou elas em barbearias, criando uma pequena máquina de fluxo de caixa antes mesmo de saber nomear esse conceito.
O ponto de inflexão veio quando ele encontrou Benjamin Graham, na Universidade de Columbia. Graham ensinava algo que hoje, em um mercado habitado por firmas de HFT, parece quase heresia: ações representam frações de negócios reais, e o mercado, apesar de parecer sofisticado, erra o tempo todo. Para Graham, preço é o que você paga e valor é o que você recebe. E Buffett não apenas aprendeu isso, ele internalizou o ensinamento e utilizou como norte nas suas decisões de investimentos.
Quando abriu sua firma de investimentos, ainda jovem, Buffett parecia enxergar com nitidez algo que a maioria só aprende depois de errar muito: se você consegue identificar bons negócios e permanecer fiel a eles por tempo suficiente, os juros compostos fazem o trabalho pesado por você. Desde cedo, ele se comprometeu a operar dentro do seu círculo de competência, recusando a tentação de entender tudo e preferindo entender profundamente poucas coisas (algo diametralmente oposto à moda do “jalecos de especialistas” que as redes sociais geram nos dias atuais, não é mesmo?).
A compra da Berkshire Hathaway, originalmente uma empresa têxtil decadente, foi tida como um erro clássico de value investing: era um ativo barato, mas estruturalmente ruim. Ainda assim, foi desse erro que nasceu uma das estruturas de capital mais bem-sucedidas da história: Buffett transformou a Berkshire num veículo de capital permanente, alavancado por seguradoras e pelo conceito de float.
Float é um dinheiro que não é exatamente seu, mas que pode ser investido enquanto você espera o dia de honrar compromissos futuros. Esse detalhe técnico, aparentemente trivial, foi decisivo: o float permitiu a Buffett investir com horizonte longo, sem pressão de resgates, sem necessidade de agradar cotistas trimestralmente e sem a ansiedade típica do mercado. Com isso, ele construiu um conglomerado que reúne ferrovias, seguradoras, empresas de energia, indústrias e participações relevantes em empresas como Apple, Coca-Cola e American Express.
Buffett concentrou quase toda a sua riqueza em um único veículo: não diversificou para parecer sofisticado e diversificou apenas quando fazia sentido econômico. Para ele, diversificação excessiva sempre foi, no fundo, uma confissão de ignorância. Daí, inclusive, nasce uma de suas metáforas mais famosas: o cartão de 20 investimentos para toda a vida. Se você soubesse que só poderia tomar 20 decisões realmente importantes, pensaria com muito mais cuidado antes de agir e, quando agisse, faria isso com convicção. Buffett esperava a onda perfeita, e quando ela vinha, entrava com tudo, de corpo e alma.
Esse comportamento, porém, exige algo que é pouco discutido: temperamento. Value investing não é apenas técnica, é personalidade. Buffett comprava mais quando os preços caíam, sentia-se confortável quando os outros estavam em pânico, não buscava consenso e desconfiava profundamente quando suas ideias se tornavam populares demais. Enquanto outros perseguiam a disrupção, ele observava retorno sobre capital, geração de caixa e vantagens competitivas sustentáveis.
Buffett nunca tentou ficar rico rápido: não porque fosse moralmente superior, mas porque entendeu que ir devagar, de forma consistente, era mais seguro e, no fim, infinitamente mais lucrativo. O gráfico de sua riqueza ao longo do tempo é a ilustração perfeita do poder dos juros compostos: uma curva que sobe lentamente no início e, depois, quase desafia a intuição humana.
Durante décadas, Buffett foi a prova viva de que os mercados não são perfeitamente eficientes: enquanto teorias acadêmicas insistiam que ninguém poderia bater o mercado de forma consistente, ele o fez por quase três quartos de século. A reação da academia foi curiosa: tratá-lo como uma exceção estatística, um caso isolado, algo a ser explicado, e não algo a ser estudado (ah, a arrogância dos acadêmicos….). Buffett ironizava dizendo que quanto mais pessoas acreditassem na eficiência absoluta dos mercados, menor seria a concorrência para quem faz análise fundamentalista.
E tem algo mais impressionante ainda na sua trajetória: Buffett permaneceu quase que essencialmente o mesmo homem ao longo de toda a vida adulta. Viveu na mesma casa em Omaha, manteve amizades antigas, não colecionou símbolos óbvios de status (penthouses em cidades globais, carros importados de última geração, uma esposa nova a cada ano,etc). Comia hambúrguer, bebia Cherry Coke e via o dinheiro mais como uma forma de manter o placar do jogo do que como um passaporte para outra identidade.E quando decidiu fazer filantropia, fez em escala histórica, doando dezenas de bilhões de dólares, depois co-fundando o “Giving Pledge” e ajudando a criar um modelo de compromisso filantrópico que deve perdurar por gerações. Buffett demonstrou que dinheiro amplifica quem você já é.
Ele também foi, talvez sem perceber, um dos maiores educadores do capitalismo moderno: suas cartas aos acionistas são aulas de clareza mental, escritas como se fossem destinadas a um parente inteligente, mas leigo. Isso porque Buffett acreditava que entender algo de verdade significa conseguir explicá-lo de forma simples – novamente, algo diametralmente oposto à prática dos bancos de investimento de Wall Street, sempre sisudos e cheios de termos técnicos que, por muitas vezes, mais confundem do que explicam os pequenos investidores.
Agora, com sua aposentadoria, não perdemos apenas um investidor extraordinário: perdemos uma referência moral, um ponto fixo num sistema cada vez mais barulhento, ansioso e curto-prazista. Buffett é a lembrança viva de que disciplina, paciência, integridade e constância ainda funcionam: não apenas no mercado, mas na vida. Num mundo obcecado por atalhos e respostas imediatas, ele escolheu o caminho longo. E deu certo.



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