segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Carlos Alberto Sardemberg

 O exemplo que vem do Chile


A coluna de Carlos Sardenberg, publicada em O Globo nesta segunda-feira, me fez sentir inveja do Chile — um país que eu já admirava pela Concertación Democrática, responsável pela construção de uma democracia estável e por um bom desempenho econômico no período pós-Pinochet.


Os partidos da Concertación, pilares dessa estabilidade, foram destroçados, assim como o partido da centro-direita tradicional, pela onda antipolítica que acabou desaguando na eleição de Kast — da mesma forma que, no Brasil, a antipolítica levou à eleição de Bolsonaro.


Mas não foi isso que me fez, hoje, voltar os olhos para os Andes e sentir inveja do Chile. A coluna de Sardenberg informa que, entre outubro de 2024 e dezembro de 2025, três ministros da Suprema Corte chilena foram afastados de seus cargos: dois pelo Senado — um deles por unanimidade — e outro pela própria Corte.


Aí surge o primeiro grande diferencial do Chile quando comparado a nós, brasileiros. No país de Salvador Allende e Gabriel Boric, para afastar um magistrado não é necessário provar que ele — ou ela — praticou corrupção, nem que tomou decisões com o objetivo explícito de favorecer parentes ou amigos. Basta a aparência de parcialidade, além da existência de relações familiares ou pessoais impróprias.


Foi com base nesse critério que, em outubro de 2024, a própria Suprema Corte destituiu a juíza Angela Vivanco, que havia sido vice-presidente do tribunal. O motivo: relações impróprias com o advogado Luis Hermosilla — um dos mais famosos do país, com trânsito em governos de esquerda e de direita, além de membros do Poder Judiciário. A juíza afastada não foi flagrada negociando diretamente qualquer decisão. Ainda assim, o tribunal considerou inadmissível sua relação com o advogado, que, por meio dela, tinha acesso privilegiado ao que se passava na Corte.


O segundo membro afastado — esse pelo Senado, por pequena diferença de votos — foi o juiz Sérgio Muñoz. Esse episódio doeu na alma de muitos chilenos. Muñoz era um magistrado comprometido com os direitos humanos e a defesa do meio ambiente em várias de suas decisões. Não houve qualquer acusação que colocasse em dúvida sua honestidade pessoal. O motivo do afastamento foi o fato de sua filha, advogada, ter trabalhado para empresas envolvidas em grandes questões econômicas, inclusive regulatórias.


O terceiro caso, também por meio de uma “acusação constitucional”, resultou no afastamento, pelo Senado e por unanimidade, do juiz Diego Simpértingue. Ele e sua esposa foram flagrados pela imprensa em um cruzeiro no Mediterrâneo na companhia do advogado de uma multinacional com causas na Suprema Corte. O juiz perdeu o cargo porque não se declarou impedido de participar do julgamento de alguns desses processos.


Chego à conclusão de que o Chile nos humilha. Aqui, o Supremo Tribunal Federal alterou recentemente o entendimento sobre o impedimento de juízes — incluindo ministros — julgarem casos em que uma das partes seja cliente de escritório de advocacia no qual atue parente até o terceiro grau ou o cônjuge. A decisão ocorreu no contexto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra dispositivo do Código de Processo Civil (CPC).


Tão ou mais grave: membros do Supremo participam de eventos financiados por empresas com causas no STF e acham isso absolutamente normal. Também não veem problema em pegar caronas em jatinhos particulares, mesmo quando neles estão advogados de causas que irão julgar.


Quando o Supremo esboça medidas para delimitar de forma mais rígida a fronteira entre o público e o privado, interesses corporativistas incrustados na instância máxima do Poder Judiciário se sublevam e tentam boicotá-las. É o que assistimos agora diante da proposta do presidente do STF, ministro Edson Fachin, de o Poder Judiciário adotar um código de conduta para seus membros. Fachin é uma ilha de postura impoluta em uma Corte na qual alguns de seus integrantes não observam o decoro e o recato necessários.


Em certo sentido, o STF é também um espelho da sociedade. A maioria de nós acha natural — ou se acostumou, sem bradar — com práticas permissivas que, no Chile, gerariam um escândalo nacional. Nos acomodamos e não nos engajamos em boas causas, como a bandeira levantada por Fachin.


Para agravar, parte de nós distorce valores e transfere responsabilidades quando a jornalista Malu Gaspar traz à luz fatos que precisam ser passados a limpo.


De fato, é para morrer de inveja do Chile.

Anatomia de uma fraude

 🔥  *ANATOMIA DE UMA FRAUDE*


Como um desconhecido boêmio mineiro, com um histórico fracasso empresariais, conseguiu liderar a maior fraude bancária da história do Brasil e prejudicar dezenas de milhares de funcionários públicos.


Carlo Cauti para a Oeste:


*Quando Daniel Vorcaro foi preso, estava sorrindo. As imagens da câmera de segurança do Aeroporto de Guarulhos (SP)* mostram o diretor-presidente do Banco Master recebendo voz de prisão de um policial federal. O rosto parece entre o divertido e o incrédulo.


O executivo de 42 anos passava pelo controle de raio-X para embarcar em seu jato particular Falcon 7X, avaliado em R$ 200 milhões, que aguardava na pista com motores já ligados, pronto para decolar em direção à ilha de Malta, no Mediterrâneo.


Com camisa desabotoada até quase o umbigo, terno ajustado, cabelo com gel puxado para trás e celular na mão, deve ter achado tudo aquilo uma brincadeira. Ou estar confiante de que seus contatos poderosos em Brasília o libertariam em poucos minutos. Apenas o tempo de um telefonema.


Não foi assim. Cercado por 15 policiais federais, acabou sendo levado para o centro de detenção provisória da cidade aeroportuária, onde permaneceria por 12 dias. Aparentemente sem perder o sorriso, como mostram as fotos tiradas na prisão, nas quais aparece ao lado de um guarda armado de fuzil. De camiseta branca, boné verde do Los Angeles Dodgers e uma Bíblia de Estudo Almeida debaixo do braço.


Difícil saber se o riso era fruto da falta de noção sobre os acontecimentos ou da certeza da impunidade. Mesmo sendo o responsável pela maior crise bancária da história do Brasil, com um rombo de R$ 41 bilhões no Fundo Garantidor de Crédito (FGC) — mais do que dobrando o escândalo do Bamerindus, que em 1997 tinha acumulado um passivo de pouco menos de R$ 20 bilhões. Sem contar os outros bilhões de reais perdidos no Master por fundos de pensão de empresas públicas estaduais, que deixarão dezenas de milhares de trabalhadores sem aposentadoria.


Incompetência e ousadia


Daniel Vorcaro nunca conseguiu administrar algo. Estudante medíocre e boêmio, aos 19 anos recebeu do pai, um empreiteiro de Minas Gerais, uma empresa de educação chamada PQS Empreendimentos Educacionais Ltda. e outra de livros didáticos. Seu objetivo era tocar os negócios, juntando as duas operações. Fracassou e foi forçado a vender para uma rede de escolas de Belo Horizonte.


Voltou a trabalhar com o pai, até que se tornou sócio de um fundo de investimento de cemitérios, que também deu com os burros n’água. Foi investigado por manipulação do mercado, mas optou por encerrar o caso por meio de um Termo de Compromisso e pagou R$ 2,2 milhões para evitar punições adicionais.


Tentou construir um hotel de luxo em Belo Horizonte, utilizando incentivos concedidos pela prefeitura para aumentar a capacidade de hospedagem às vésperas da Copa do Mundo de 2014. Adquiriu um prédio abandonado em uma região decadente da capital mineira e assim começaram as obras para o Golden Tulip, uma torre de vidro de 37 andares, com heliponto, restaurantes, SPA e um centro de convenções de 7 mil metros quadrados. A obra, orçada em R$ 200 milhões, em parte com dinheiro público, tinha que estar pronta até o dia 30 de março de 2014. O dinheiro acabou e o hotel não foi concluído.


Vorcaro foi resgatado novamente pela construtora do pai, até que encontrou Saul Sabbá, dono do Banco Máxima, praticamente falido. A gestão fraudulenta de Sabbá tinha provocado um rombo tão grande no caixa que o Banco Central (BC) foi forçado a inabilitá-lo. A solução foi oferecer o Máxima para Vorcaro, que aceitou na hora.


Com outros dois sócios, o empresário injetou a liquidez mínima para que o Máxima voltasse a funcionar. Pediu autorização para o Banco Central para operar, mas só a obteve dois anos depois, em 2019, após inúmeras viagens a Brasília.


O golpe de sorte foi a mudança na estratégia do BC em relação ao mercado bancário, tradicionalmente muito concentrado no Brasil. Para favorecer a concorrência, autorizou naquele período um grande número de entidades de crédito, entre bancos e fintechs.


Em 2021, Vorcaro mudou o nome do banco para Master e começou a escalada. Em apenas cinco anos, a instituição passou de um patrimônio líquido de R$ 200 milhões para R$ 4,7 bilhões, com uma carteira de crédito que avançou de R$ 1,4 bilhão para R$ 40 bilhões. Um crescimento de quase 100% ao ano, todos os anos. Nenhum banco brasileiro, nas últimas três décadas, conseguiu ter uma expansão dessa magnitude em tão pouco tempo.


Isso deveria ter chamado a atenção de muita gente. Principalmente das autoridades de vigilância, e em especial pela forma como o Master captava recursos do mercado. O banco oferecia Certificados de Depósito Bancário (CDBs) com juros 30% mais altos do que a concorrência.


O problema não era apenas a ousadia na remuneração de seus papéis, mas como os recursos captados eram aplicados. Com juros tão elevados, seria necessário investir em atividades com um retorno ainda maior para poder devolver o dinheiro aos clientes, algo muito difícil de ser encontrado no mercado. O Master fazia exatamente o oposto: desembolsava bilhões em empresas em recuperação judicial ou com sérios problemas econômicos, apostando que dariam a volta por cima e passariam a operar no azul. Não foi o que aconteceu e o banco não recebeu o dinheiro de volta.


Boa parte das empresas que receberam recursos do Master é controlada ou investida pelo empresário Nelson Tanure — entre elas, a Gafisa, a Oi, a Light — ou é de amigos dele, como a Ambipar. Tanure não aparece oficialmente como sócio do banco, mas a Polícia Federal e o Ministério Público Federal abriram um inquérito para verificar se Tanure seria o controlador real do Master. Relatórios técnicos e informações de mercado geraram a suspeita de que o empresário usaria uma série de fundos de investimento, denominados Aventti, Estocolmo e Banvox, para controlar indiretamente o banco.


Uma das operações que mais levantaram suspeitas sobre essa relação especial entre Tanure e o Master foi a compra de ações da Ambipar entre junho e agosto de 2024. Em poucas semanas, o valor dos papéis disparou mais de 800%, sem qualquer conexão com os resultados econômicos da empresa, que não conseguia produzir números positivos havia anos.


Segundo uma investigação aberta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foram realizadas operações coordenadas entre fundos associados ao Master e a Tanure na compra de ações da Ambipar, o que poderia se enquadrar no crime de manipulação de mercado. A suspeita é que essa operação tenha sido uma “troca de favores” que permitiu à empresa aumentar seu valor de mercado, elevou o patrimônio do Master e permitiu que Tanure conseguisse as garantias necessárias para outra operação: a compra da estatal paulista Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae) em leilão.


Amizades poderosas


Além de Tanure, Vorcaro mantinha relações estreitas com o poder. Ele se gabava de ter feito “fortes amigos” em Brasília, de que “no Brasil não tem como andar se não tiver esse tipo de proteção” e de que, sem o apoio de poderosos, não estaria no lugar aonde chegou. “O networking é algo bem relevante para querer criar algum tipo de empreendimento”, disse durante uma palestra em 2024. “É necessário criar conexões que favoreçam seu negócio.”


Patrocinador de peso dos principais grupos de lobby do Brasil, como o Lide, do ex-governador João Doria, o Esfera, de João Camargo, e o Grupo Voto, de Karim Miskulin, o Master financiou vários eventos no Brasil e no exterior. Os convescotes reuniam empresários, políticos e, principalmente, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de outras cortes superiores.


Um dos mais falados foi o Fórum Jurídico Brasil de Ideias, realizado no Hotel Peninsula, um dos mais luxuosos de Londres, em abril de 2024. Entre os convivas, os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, além do advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. O evento, cujo objetivo era discutir problemas do Brasil, ocorreu a 9 mil quilômetros de distância e a portas fechadas.


O Master financiou também a Lide Brazil Conference de Nova York, em novembro de 2022, eternizada pelo infame “perdeu, mané, não amola” pronunciado pelo ministro Luís Roberto Barroso contra um manifestante. O Fórum Esfera Internacional de Paris, em outubro de 2023, e o de Roma, um ano depois, ou o Fórum Empresarial Lide no Rio de Janeiro, em agosto de 2024. Todos os eventos locados em hotéis de luxo contaram com a presença de Moraes, Mendes, Barroso e Dias Toffoli, entre outros.


Além das mordomias, Vorcaro frequentemente emprestava seus três jatinhos de luxo para os amigos poderosos de Brasília se deslocarem dentro e fora do Brasil. Mais do que isso, os contratava diretamente. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, imediatamente após ter deixado o STF, se tornou membro do Comitê Consultivo Estratégico do Master, assim como dois ex-presidentes do Banco Central, Henrique Meirelles e Gustavo Loyola.


Outra contratada pelo Master foi Viviane Barci, mulher do ministro Alexandre de Moraes. O escritório de advocacia dela receberia R$ 129 milhões ao longo de três anos por serviços prestados — um valor completamente fora dos padrões do mercado jurídico, principalmente pela inexistência de um escopo de atuação definido. Ela exercia a função desde janeiro de 2024.


O networking deve ter funcionado, pois Vorcaro foi liberado menos de duas semanas depois de ser preso e Dias Toffoli decretou sigilo máximo no processo do Master poucas horas após viajar de jatinho particular para Lima, no Peru, onde foi assistir à final da Copa Libertadores. No mesmo voo estava um dos advogados do Master, Augusto Arruda Botelho, ex-secretário de Justiça do governo Lula, que atua no processo defendendo o diretor de compliance do Banco, Luiz Antônio Bull.


Vorcaro tinha grandes aliados também no Legislativo, especialmente no centrão. É o caso do senador Ciro Nogueira (PP-PI), onipresente nos eventos patrocinados pelo Master, e que, em 2024, apresentou uma emenda para elevar de R$ 250 mil para R$ 1 milhão a cobertura do FGC. O jabuti foi incluído na PEC da Autonomia Financeira do Banco Central e não passou despercebido, tanto que ganhou a alcunha de “Emenda Master” por favorecer diretamente títulos como CDBs, carros-chefe do banco.


Outro episódio mostrou o tamanho da força do Master. Em julho de 2024, dois gerentes da Caixa Econômica Federal, feudo do PP, opuseram-se à compra de um lote de R$ 500 milhões em letras financeiras do Banco Master. Foram sumariamente demitidos. A área técnica de Renda Fixa da Caixa Asset tinha desaconselhado a aquisição, classificando-a como “arriscada” e “atípica” para os padrões da instituição estatal. Mesmo assim, a diretoria queria proceder. Diante da repercussão, a aquisição foi abortada.


Mas o mais grave foi a tentativa de aprovar um projeto de lei que permitiria ao Congresso Nacional demitir integrantes da diretoria do BC. Apresentado pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA), teve o apoio dos líderes das bancadas do MDB, PP, União Brasil, PL, PSB e Republicanos. Não prosperou pela oposição do corpo técnico do Banco Central. O projeto foi protocolado poucos dias antes da decisão do BC sobre a compra do Master pelo Banco de Brasília (BRB). Sentindo que a autorização não seria concedida, muita gente no Legislativo atuou para pressionar o Banco Central. Não adiantou, e a operação foi vetada.


Desespero e fracasso


A aquisição do Master pelo BRB foi uma última tentativa de Vorcaro de salvar o banco. Em 2025, o Master teria que reembolsar R$ 12 bilhões de CDBs em vencimento. Diante dos sérios problemas de balanço que a instituição financeira apresentava, em dezembro de 2024, Vorcaro e seus sócios foram convocados pelo então presidente do BC, Roberto Campos Neto, para uma reunião em Brasília. Na ocasião, foram intimados a recapitalizar o Master com R$ 2 bilhões até o dia 31 de março, ou o banco seria liquidado compulsoriamente. Dinheiro que eles não tinham, ou não queriam desembolsar.


Milagrosamente, no dia 28 de março, o BRB anunciou ao mercado a compra do Master e, contextualmente, a injeção de R$ 2 bilhões. Exatamente o valor do aporte de capital exigido pelo BC — uma operação considerada no mínimo ilógica pelo mercado.


Raramente se viu um banco menor tentar absorver um banco de maior dimensão. Muito menos um banco estatal e regional como o BRB em relação a um banco privado e nacional como o Master. Mas a pressão do governo do DF, controlador do BRB, foi mais forte. Sem contar que o presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, é apadrinhado por Nogueira e já havia ocupado uma vice-presidência da Caixa. A compra foi vetada pela justiça do DF por suspeitas de irregularidades, mas mesmo assim a Assembleia Legislativa local votou a toque de caixa uma lei autorizando a transação. Em setembro, o Banco Central proibiu a compra.


Mesmo com essas negativas, o BRB já tinha transferido cerca de R$ 12 bilhões para os cofres do Master com a compra de uma carteira de crédito que se descobriu ser fictícia. Vorcaro jurou ter adquirido a carteira de duas associações de servidores públicos da Bahia: a Asteba e a Asseba. Os contratos, contudo, eram atribuídos a pessoas físicas que residiam em outros Estados. As apurações do BC mostraram que os papéis foram comprados pelo Master de uma outra fonte, a Tirreno Promotoria de Crédito, considerada pela Justiça como uma empresa de fachada.


Foi essa a razão que levou à prisão de Vorcaro no aeroporto de Guarulhos e ao afastamento do presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, em seguida demitido pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.


Fraude dos aposentados


Mais uma vez, as maiores vítimas da fraude do Banco Master serão os brasileiros mais vulneráveis, como trabalhadores de empresas públicas de vários Estados e municípios brasileiros, que confiaram suas poupanças compulsórias a fundos de pensão que lhes deveriam garantir uma aposentadoria digna. Dezoito fundos de pensão de servidores públicos compraram papéis do Master muito além da cobertura oferecida pelo FGC, como mostrou a reportagem da edição 297 de Oeste. É o caso da Rioprevidência, responsável pela aposentadoria dos servidores do Estado do Rio de Janeiro, que aplicou quase R$ 1 bilhão em títulos do banco. Agora que o Master quebrou, receberá apenas R$ 250 mil.


A operação Compliance Zero está apurando se essas operações foram realizadas pela atratividade dos CDBs do Master ou por pressão dos amigos poderosos de Vorcaro. Empresas públicas e privadas também embarcaram nos papéis do Master, como a rede de tratamento de câncer Oncoclínicas, que investiu R$ 433 milhões, e a concessionária fluminense de saneamento Cedae, com R$ 200 milhões.


Aparentemente, o Master usou recursos de fundos de pensão estaduais desde o começo de sua trajetória. Se a Justiça brasileira funcionasse, Vorcaro teria sido preso há pelo menos seis anos. Em 2019, um juiz federal de Rondônia decretou sua prisão em um processo por aplicações financeiras feitas pelo Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do município de Rolim de Moura (RO), o Rolim Previ. A ordem nunca foi cumprida. Vorcaro também tentou manter esse caso em segredo de Justiça, alegando que a exposição poderia prejudicá-lo. E conseguiu: ainda hoje o processo permanece inacessível.


Luxo e ostentação


Com a avalanche de dinheiro que ingressou no banco em pouco tempo, Vorcaro dedicou-se àquilo que melhor sabia fazer: ostentar uma vida de luxo. Nas redes sociais, o banqueiro aparecia constantemente surfando em praias paradisíacas, nos Alpes suíços ou em festas de altíssimo padrão. Sempre rodeado de mulheres deslumbrantes. “O principal item que eu posso falar sobre é ter um propósito”, disse em 2024, quando convidado para discursar na Brazil Conference do MIT de Boston. “Sem propósito, não tem meta, nem projeção de onde chegar.”


Em menos de cinco anos, Vorcaro comprou mansões no Brasil e no exterior por centenas de milhões de reais — como a de Trancoso, no litoral baiano, adquirida por R$ 280 milhões, rodeada por um enorme parque privativo de Mata Atlântica. Outra propriedade, em Miami, foi comprada por R$ 460 milhões — a transação mais cara já realizada na cidade americana. Também adquiriu três jatinhos Falcon 7X, Dassault Falcon 2000 e Gulfstream GV-SP por um valor total superior a R$ 1 bilhão.


Além disso, Vorcaro se tornou acionista do Atlético Mineiro, comprando 20% da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) que controla o time por R$ 300 milhões.


Sem contar as extravagâncias imobiliárias de um banco pequeno, mas com claros sinais de megalomania. Como a sede faraônica na Vila Olímpia, em São Paulo, ou o aluguel recorde no 830 Brickell Plaza, em Miami, prédio mais alto da cidade, no qual nunca ocupou o escritório de quase 2,5 mil metros quadrados. A mesma coisa em Londres, onde o Master alugou um espaço no 22 Bishopgate, o prédio mais alto e um dos mais exclusivos da capital britânica, em que nem sequer os bancões brasileiros ousariam se instalar.


O negócio começou a ficar grotesco quando se descobriu que Vorcaro tinha doado um apartamento de R$ 4,4 milhões para uma “sugar baby”, Karolina Santos Trainotti, cujo nome apareceu em uma operação contra o tráfico internacional de cocaína.


Vorcaro gastou cerca de R$ 20 milhões na festa de 15 anos da filha, realizada em agosto de 2023 em Nova Lima (MG). O evento viralizou com um bufê caríssimo, shows dos DJs Alok, The Chainsmokers, Dennis DJ, entre outros, e um bolo de R$ 25 mil, que chegou de avião de São Paulo. Para deixar os 500 convidados mais à vontade, o executivo asfaltou uma rua, deu vinhos Sassicaia e ofereceu diárias no Hotel Fasano aos vizinhos incomodados com o barulho.


Aparentemente imune às críticas ou a preocupações, e mesmo com o Master no olho do furacão, Vorcaro decidiu festejar o Carnaval 2025 com pompa e circunstância. O banqueiro bancou um camarote na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, com 2,5 mil metros quadrados distribuídos em três andares, recheado de modelos internacionais e com chefs estrelados que prepararam pratos saboreados com bebidas de luxo. Custo total: R$ 40 milhões. A entrada era gratuita, desde que fosse amigo do dono.


Quando os credores do Master tentarem penhorar o patrimônio do banco para recuperar as perdas, dificilmente encontrarão algo. Boa parte acabou nas taças de champanhe, nas bandejas prateadas e nas luzes que iluminaram as noites infinitas de Daniel Vorcaro. O dinheiro dos investidores financiou a dolce vita de um mineiro bon-vivant, que conseguiu — com a cumplicidade de muita gente — dar o maior golpe da história do Brasil.

Bco Master

 Para Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, há um grande risco de fuga de investimentos no Brasil em caso do processo demorar a ser resolvido ou mesmo terminar em pizza, ou seja, sem punição.


“Em qualquer outro lugar do mundo, as ferramentas de reparação são muito mais efetivas. E, mais do que elas, as práticas concretas de prevenção de danos. Aqui, infelizmente, super estruturas jurídicas são postas, no mínimo, para retardar medidas de compensação”.


*Banco Master: Crescimento acelerado, riscos e a liquidação que acendeu o alerta no sistema financeiro*


Leia mais

https://emprc.us/O5hjmu

Bruno Carazza

 


Instituições importam, mas dependem das pessoas que as conduzem. Caso Master revela uma série de agentes públicos - de parlamentares a ministros do Supremo, passando por governadores e ministros do TCU - que manobram em favor de interesses privados, fazendo bullying institucional contra aqueles que defenderam o interesse público.


Minha coluna de hoje no Valor:

Call Matinal 2912

 Call Matinal

29/12/2025

Julio Hegedus Netto, economista

 

MERCADOS EM GERAL

 

FECHAMENTO (2612)

MERCADOS E AGENDA

No mercado brasileiro de sexta-feira (26), o Ibovespa fechou em alta de 0,27%, a 160.896 pts, com giro de apenas R$ 15 bilhões. Na semana curta, o índice subiu 1,53%⬆️. Já no mercado cambial, o dólar encerrou alta de 0,16%, a R$ 5,5446. Na semana, acumulou valorização de apenas 0,27%, mas caminha para fechar dezembro com ganho próximo de 4%. Na agenda da semana, em destaque a ata do FOMC e os dados de emprego no Brasil.

 

 

PRINCIPAIS MERCADOS

Semana mais curta e com pouca atividade, embora novidades "fora de agenda" com viés positivo possam animar o rally natalício para fechar um ano muito generoso e que deixa boas bases para um 2026 promissor.

 

 

 

MERCADOS 5h30

EUA

 

 

Dow Jones Futuro: -0,11%

S&P 500 Futuro: +0,01%

Nasdaq Futuro: +0,03%

Ásia-Pacífico

 

 

Shanghai SE (China), +0,04%

Nikkei (Japão): -0,51%

Hang Seng Index (Hong Kong): -0,71%

Nifty 50 (Índia): +0,10%

ASX 200 (Austrália): +1,10%

Europa

 

 

STOXX 600: +0,30%

DAX (Alemanha): -0,26%

FTSE 100 (Reino Unido): -0,05%

CAC 40 (França): +0,03%.

FTSE MIB (Itália): -0,20%

Commodities

 

 

Petroleo WTI para fevereiro subia a US$ 57,86 (+1,97%) e o Brent para março, a US$ 61,33 (+1,81%). Minério de ferro fecha em alta de +2,58% em Dalian, na China, cotado a US$ 113,68/ton.

 

 

 

NO DIA, 2912

Semana mais curta pelo feriado do Reveillon na quarta-feira (31), sem Ibovespa. Mesmo assim, segue pegando fogo o ambiente político e institucional, com acareação “inventada” pelo ministro do STF, Dias Toffoli, muitos achando, para constranger o BCB. Nos EUA, seguem em negociação Trump e Zelensky, na busca de um cessar-fogo com os russos, mas, interessante que o prócere do processo todo, Vladimir Putin não é consultado. Na quarta-feira (31), apenas os Treasuries fecham mais cedo.

 

Agenda Macroeconômica Brasil

 

Segunda-feira, 29 de dezembro 

Brasil: IGP-M de dezembro (8h), a desacelerar para 0,17%

Brasil: Boletim Focus

Brasil: Tesouro divulga hoje (14h30) as contas do Governo Central

 

 

Terça-feira, 30 de dezembro 

Brasil: Resultado do setor público consolidado de novembro (BCB)

 

Brasil: Pnad Contínua (9h), IBGE

Brasil: Dados do Caged (14h), Min Trab.

Brasil: Resultado Mensal da Dívida Pública de novembro.

EUA: PMI medido pelo ISM de Chicago em dezembro

EUA: Vendas pendentes de imóveis em novembro (12h)

China: PMI industrial de dezembro e medido pelo setor privado

Estoques de petróleo do DoE, às 12h30.

Quarta-feira, 31 de dezembro 

Treasuries encerram às 16h, mas as bolsas em NY operam normalmente. Os mercados financeiros em Portugal e na Espanha fecham mais cedo e não abrem na Alemanha e Itália.

Quinta-feira, 01 de janeiro   

Reveillon

Sexta-feira, 02 de janeiro

Leitura final de dezembro do PMI/S&P Global industrial nos EUA, Zona do Euro, Alemanha e Reino Unido

 

 

 

 

 

Boa semana para todos! Feliz 2026 !

Trilhões de dólares em êxodo

 https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/12/27/trilhoes-de-dolares-em-exodo-as-licoes-de-um-ano-brutal-para-a-selecao-de-acoes.ghtml


*Trilhões de dólares em êxodo: as lições de um ano brutal para a seleção de ações*


_Concentração em big techs americanas faz investidor reavaliar se vale a pena pagar por carteiras de gestão ativa que se diferenciem significativamente dos índices de bolsa_


Por Bloomberg


A última coisa que um gestor de fundos de investimento diversificados deseja é administrar um portfólio dominado por apenas sete empresas de tecnologia — todas americanas, todas mega capitalizadas, concentradas no mesmo setor da economia. No entanto, enquanto o índice S&P 500 atingia novos recordes nesta semana, os investidores foram novamente forçados a confrontar uma realidade dolorosa: acompanhar o mercado significou, em grande parte, ter pouco mais do que isso.


Um pequeno grupo de super ações de tecnologia, estreitamente interligado, foi responsável por uma parcela desproporcional dos retornos dos investimentos em bolsa em 2025, estendendo um padrão que já dura quase uma década.


O que chamou a atenção não foi simplesmente o fato de os vencedores permanecerem praticamente os mesmos, mas o grau em que a diferença começou a testar seriamente a paciência dos investidores.


A frustração ditou a movimentação do dinheiro. Cerca de US$ 1 trilhão foi retirado de fundos mútuos de ações de gestão ativa ao longo do ano, de acordo com estimativas da Bloomberg Intelligence usando dados da ICI, marcando o 11º ano de saídas líquidas e, segundo algumas métricas, a mais acentuada do ciclo. Em contraste, os fundos de índice negociados em bolsa (ETFs, na sigla em inglês) de ações de gestão passiva receberam mais de US$ 600 bilhões.


As saídas ocorreram gradualmente ao longo do ano, com os investidores reavaliando se valia a pena pagar por carteiras que pareciam significativamente diferentes do índice, apenas para serem forçados a conviver com as consequências quando essa diferença não se pagou.


*“A concentração torna mais difícil para os gestores ativos obterem bons resultados”, disse Dave Mazza, diretor executivo da Roundhill Investments. “Se você não ponderar o índice de referência das Sete Magníficas, provavelmente estará correndo o risco de um desempenho inferior.”*


Ao contrário do que previam os especialistas que acreditavam estar diante de um ambiente propício para a prática de *“stock picking” (seleção de ações)*, este foi um ano em que o custo de se desviar do índice de referência permaneceu teimosamente alto.


Em muitos dias do primeiro semestre do ano, menos de uma em cada cinco ações subiu junto com o mercado em geral, segundo dados compilados pela BNY Investments. A participação concentrada não é incomum em si, mas sua persistência é importante. Quando os ganhos são repetidamente impulsionados por uma pequena parcela, diversificar as apostas deixa de ser benéfico e passa a prejudicar o desempenho relativo.


A mesma dinâmica foi observada no nível do índice. Ao longo do ano, o S&P 500 superou sua versão com ponderação igualitária, que atribui a mesma importância a uma pequena varejista que à Apple.


Para os investidores que avaliam estratégias ativas, isso se traduziu em um problema aritmético simples: escolher uma estratégia que subpondera as maiores ações e correr o risco de ficar para trás, ou optar por outra que as mantenha em proporção próxima à do índice e ter dificuldade em justificar o pagamento por uma abordagem que pouco difere de um fundo passivo.


Nos EUA, 73% dos fundos mútuos de ações ficaram abaixo de seus índices de referência este ano, de acordo com Athanasios Psarofagis, da Business Insider, o quarto pior resultado desde que os dados começaram a ser coletados em 2007. O desempenho inferior piorou após a recuperação da crise tarifária de abril, à medida que o entusiasmo pela inteligência artificial consolidou a liderança do setor de tecnologia.


Houve exceções, mas elas exigiram que os investidores aceitassem riscos muito diferentes. Uma das mais impressionantes veio da Dimensional FundAdvisors, cujo portfólio International Small Cap Value, de US$ 14 bilhões, rendeu pouco mais de 50% este ano, superando não apenas seu índice de referência, mas também o S&P 500 e o Nasdaq.


Aestrutura desse portfólio é reveladora. Ele detém aproximadamente 1.800 ações, quase todas fora dos EUA, com forte exposição aos setores financeiro, industrial e de materiais. Em vez de tentar contornar o índice de ações de grande capitalização dos EUA, o portfólio optou por ficar praticamente fora dele.


“Este ano nos deu uma lição muito valiosa”, disse Joel Schneider, vice-diretor de gestão de portfólio da empresa para aAmérica do Norte. “Todos sabem que a diversificação global faz sentido, mas é muito difícil manter a disciplina e, de fato, sustentá-la. Escolher os vencedores de ontem não é a abordagem correta.”


Uma gestora que se manteve fiel às suas convicções foi Margie Patel, do fundoAllspring Diversified Capital Builder, que obteve um retorno de cerca de 20% este ano graças a investimentos nas fabricantes de chips Micron Technology eAdvanced Micro Devices (AMD).


“Muitas pessoas gostam de ser investidoras disfarçadas ou quase investidoras de índice. Gostam de ter alguma exposição a todos os setores, mesmo que não estejam convencidas de que terão um desempenho superior”, disse Patel à Bloomberg TV. Em contrapartida, a visão dela é que “os vencedores continuarão vencendo”.


A tendência das grandes ações de se valorizarem ainda mais fez de 2025 um ano excepcional para os aspirantes a caçadores de bolhas. O índice Nasdaq 100 é negociado a mais de 30 vezes os lucros e cerca de seis vezes as vendas, em níveis historicamente altos ou próximos disso. Dan Ives, analista da Wedbush Securities que lançou um ETF focado em IA(IVES) em 2025 e o viu crescer para quase US$ 1 bilhão, afirma que avaliações como essas podem testar os nervos, mas não são motivo para abandonar o tema.


*“Haverá momentos de tensão. Isso só cria oportunidades”, disse ele em entrevista. “Acreditamos que este mercado de alta das empresas de tecnologia vai durar mais dois anos. Para nós, o importante é identificar quem se beneficiará com derivativos, e é assim que continuaremos a navegar nesta quarta revolução industrial do ponto de vista de investimento.”*


Outros sucessos se basearam em uma concentração de um tipo diferente. O Global Resources Fund da VanEck rendeu quase 40% este ano, beneficiando-se da demanda ligada a energias alternativas, agricultura e metais básicos. O fundo, lançado em 2006, possui ações de empresas como Shell, Exxon Mobil e Barrick Mining, e é administrado por equipes que incluem geólogos e engenheiros, além de analistas financeiros.


“Quando você é um gestor ativo, isso permite que você busque grandes temas”, disse Shawn Reynolds, que administra o fundo há 15 anos e é geólogo. Mas essa abordagem também exige convicção e tolerância à volatilidade — qualidades que muitos investidores têm demonstrado menos interesse em manter após vários anos de resultados irregulares.


No final de 2025, a lição para os investidores não era que a gestão ativa tivesse parado de funcionar, nem que o índice tivesse resolvido os problemas do mercado. Era mais simples e mais desconfortável. Após mais um ano de ganhos concentrados, o preço de ser diferente continuava alto e, para muitos, a disposição de continuar pagando esse preço havia se esgotado.


Ainda assim, OsmanAli, da Goldman Sachs Asset Management, acredita que há “alfa” a ser encontrado não apenas nas grandes empresas de tecnologia. O co-chefe global de estratégias de investimento quantitativas utiliza o modelo proprietário da empresa, que classifica e analisa cerca de 15 mil ações em todo o mundo diariamente. O sistema, construído em torno da filosofia de investimento da equipe, ajudou a gerar ganhos de cerca de 40% em seus fundos internacionais de grande capitalização, pequena capitalização e fundos com gestão tributária, considerando o retorno total.


“Os mercados sempre lhe darão algo”, disse ele. “Você só precisa olhar de uma maneira muito imparcial e baseada em dados.”

Galípolo no BCB

 *Leitura de Domingo: Em 1º ano, Galípolo enfrentou crises para além da política monetária*


Por Marianna Gualter


Brasília, 23/12/2025 - Em seu primeiro ano à frente do Banco Central, Gabriel Galípolo manteve uma condução técnica e dissipou dúvidas do mercado sobre a possibilidade de ceder a interferências políticas. O período, contudo, não pode ser descrito como de calmaria.


Com a Selic estável em 15%, ele passou a ser alvo de críticas do governo que o indicou. E, para além da política monetária, teve de conduzir o BC durante momentos sensíveis: a resposta aos ataques cibernéticos contra o sistema financeiro e à crise do Banco Master.


Os juros


O Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a Selic em 15% ao longo de todo o segundo semestre de 2025, com base no entendimento de que a taxa nesse nível, por "período bastante prolongado", é adequada para assegurar a convergência da inflação à meta. A estratégia não passou imune à pressão do governo federal - embora em tom abaixo do direcionado à gestão anterior, de Roberto Campos Neto.


Em setembro, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o banqueiro central sabia que os juros estavam altos e que seria uma "questão de dias" para começarem a cair. A condução também foi abordada por outros integrantes do governo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a afirmar que já havia "passado da hora" de o BC sinalizar cortes da taxa. Já a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, disse que Galípolo "deixou a desejar".


Para o ex-diretor do BC e diretor de macroeconomia do ASA, Fábio Kanczuk, o primeiro ano de Galípolo foi "uma grata surpresa" e "em nada transpareceu influência política". Em comparação ao trabalho desempenhado pela gestão anterior, ele avalia que a percepção foi de continuidade.


A visão é corroborada pelo ex-diretor do BC e chairman da Jive Mauá, Luiz Fernando Figueiredo. Ele destaca a postura técnica e harmônica adotada pelo Copom e afirma que Galípolo já havia sanado eventuais dúvidas sobre como seria sua conduta enquanto diretor de Política Monetária e que agora enfatizou sua credibilidade como presidente.


Também nessa linha, o ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, Carlos Kawall, enfatiza que o banqueiro central assumiu a missão de convergir a inflação à meta e ressalta a relação positiva desenvolvida entre o presidente do BC e o atual diretor de Política Econômica, Diogo Guillen - que deixará o cargo no fim deste ano.


Avalia ainda que a transição em relação à gestão anterior foi "bastante suave" e ressalta o papel da autonomia do BC nesse processo. "O avanço institucional resultante da autonomia é ainda mais importante no contexto em que andamos na contramão no que diz respeito à institucionalidade fiscal. Nós temos uma âncora importante vinda do BC enquanto a âncora fiscal está sendo erodida."


Banco Master


Em novembro, o BC pôs fim ao imbróglio sobre sustentabilidade financeira do Banco Master. O anúncio da liquidação ocorreu cerca de dois meses depois de a autarquia vetar a compra de uma fatia da instituição pelo Banco de Brasília (BRB).


Kawall observa que, já em um contexto de deterioração financeira, o Master buscou colocar seu problema dentro do mundo político. Relembra que, enquanto o BC analisava a proposta do BRB, houve uma articulação no Congresso por um projeto que autorizaria a demissão de integrantes da cúpula da autarquia.


Considerando também esse fato, ressalta a importância da decisão de liquidação e avalia que ela seguiu "à risca as recomendações técnicas", colocando um basta à trajetória danosa para o mercado financeiro que estava sendo conduzida pelo Master. Enfatiza que, além do lado técnico, a decisão mostrou a estatura do presidente do BC. "É um primeiro ano de gestão dele, é uma situação super delicada, uma herança de anos anteriores. Também acho que vai ser uma questão a ser esclarecida no futuro. Por que fomos tão longe? Por que o buraco ficou tão fundo?"


Ataques hackers


À luz do envolvimento do crime organizado em uma série de ataques contra instituições financeiras, o BC anunciou um conjunto de medidas para reforçar a segurança do Sistema Financeiro Nacional (SFN) em 2025. Dentre elas, antecipou o prazo para IFs ainda não autorizadas regularizarem sua situação, alterou o regulamento do Pix, mudou as regras de capital mínimo e fechou o cerco às "contas-bolsão".


À Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, o secretário-executivo do BC, Rogério Lucca, esclareceu que muitas das medidas já vinham sendo discutidas nos últimos anos, mas que, de certa forma, a adoção de algumas delas foi acelerada pela sequência de ataques.


Para o advogado Bruno Balduccini, sócio do Pinheiro Neto Advogados, o BC executou "uma agenda de resposta", após identificar pontos de fragilidade no sistema. "Havia uma agenda regulatória um pouco mais organizada, mais cadenciada, mas com a entrada de fraudes, eles decidiram agir mais rápido do que o normal e fizeram a toque de caixa algumas regras, mesmo com o risco de ter que melhorar o texto lá na frente", diz.


Ao comparar a gestão atual com a anterior, Balduccini recorre à figura de um pêndulo. Antes, o pêndulo estava mais inclinado à geração de competição com baixo custo de entrada; agora está mais ao centro, como se sob efeito de um freio de arrumação. "Essa tecnologia que foi super importante para a competição agora está sendo usada para achar brechas. Então é preciso parar um pouco, arrumar e depois continuar."


O advogado e professor de regulação financeira Aylton Gonçalves lembra que a agenda regulatória apresentada pelo BC em abril já previa normas antifraude, mas ressalta que o trabalho normativo da autarquia foi intenso na segunda metade do ano. Associa esse movimento principalmente à urgência causada pelas fraudes envolvendo Prestadoras de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTIs) e avalia que, especificamente sobre esse tipo de prestação, houve certa demora do BC em reconhecer o risco sistêmico envolvido.


2026


O mercado prevê o início de um ciclo de afrouxamento da política monetária no ano que vem. Nesse contexto, Kawall afirma que o principal desafio do BC será conduzir os cortes em meio a um cenário de desequilíbrio econômico, no qual, apesar do enfraquecimento da economia em setores ligados ao crédito, o estímulo fiscal ainda sustenta o consumo de baixa renda e pressiona os serviços. A trajetória do dólar também será decisiva: estabilidade ou queda devem corroborar a flexibilização, enquanto uma alta, por fatores externos ou incertezas fiscais internas, associadas ao período eleitoral, pode dificultar o processo. Ele projeta redução da Selic até 12,25%.


Figueiredo avalia que o grande desafio da autarquia no ano que vem será aproximar a inflação do centro da meta e prevê que o BC levará a Selic para ao redor de 12%. Ele não descarta a possibilidade de novos cortes em 2027, mas diz que eles dependem do compromisso do governo que será eleito com o ajuste fiscal, mesmo que gradual. Em um cenário oposto, não descarta uma eventual retomada da alta dos juros.


Ano de arrumação


Do ponto de vista da regulamentação, a expectativa é pela continuidade no trabalho de combate à infiltração do crime organizado no SFN. "Devemos começar a ver outras regras parecidas com aquela resolução conjunta nº 6, que fala sobre a tentativa de abertura de conta e sobre os concorrentes dividirem informações. Vamos começar a ver mais regras ou autorregulamentação nesse sentido de integração um pouco maior entre vários concorrentes e, eventualmente, a polícia", avalia Balduccini.


Gonçalves afirma que, nesse tema, o mercado aguarda principalmente a definição pelo BC de exemplos de situações atípicas para aferição de indícios de operações fraudulentas. Para além do combate às fraudes, entende que a autarquia terá de demandar atenção a áreas recentemente reguladas, como os ativos virtuais e o Banking as a Service (BaaS). "Os novos modelos de negócios que surgirão a partir da publicação das novas normas sobre esses temas representarão a necessidade de um olhar específico da autarquia, tanto na edição de normas quanto na supervisão."


Contato: marianna.gualter@broadcast.com.br


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Fabio Gallo

 Fábio Gallo, no Estadão do sábado, 27/12/2025, sobre a curiosa polêmica que capturou as discussões sobre o futuro do país. •••••••••• Enqua...