segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Leitura de domingo

 *Leitura de Domingo: W. Street prevê lucro mais fraco com tarifas de Trump e fareja gastos com IA*


Por Aline Bronzati, correspondente


Nova York, 13/10/2025 - Analistas em Wall Street esperam que o crescimento do lucro das empresas de capital aberto nos Estados Unidos desacelere no terceiro trimestre, à medida que se esgotam as estratégias para conter os efeitos do pacote de tarifas do presidente Donald Trump. Por outro lado, também procuram sinais de investimentos em inteligência artificial (IA), que têm impulsionado o rali no mercado ao longo do ano, apesar das turbulências provocadas pelas constantes mudanças nas políticas de Washington.


O lucro por ação (EPS, na sigla em inglês) das empresas listadas no S&P 500, que reúne as maiores companhias do mundo, deve apontar crescimento de 8% no terceiro trimestre deste ano, projeta a casa de análises americana FactSet. Trata-se de uma desaceleração em relação ao avanço de 11% apontado no segundo trimestre.


Apesar disso, Wall Street está mais otimista que o normal com os resultados trimestrais. Os analistas elevaram as estimativas de lucros para o terceiro trimestre de 2025 nos últimos três meses. "Em um trimestre típico, os analistas geralmente reduzem as estimativas de lucros durante o trimestre", diz o vice-presidente e analista sênior da FactSet, John Butters.


Um deles é o Bank of America, que espera que o lucro por ação do S&P 500 seja 4% maior que as expectativas de Wall Street. "O crescimento econômico, os primeiros balanços sólidos, orientações positivas e o suporte de um câmbio mais fraco apoiam uma recuperação mais ampla dos lucros, mas a última reviravolta tarifária representa riscos para o futuro", diz a analista de estratégia de ações do Bank of America, Savita Subramanian.


O principal motor para lucros maiores virá do setor de tecnologia. O Morgan Stanley estima que o avanço do lucro líquido da trupe das 'Sete Magníficas' seja de 24,3% contra 2% das demais companhias listadas no S&P 500. No entanto, o que analistas anseiam é quanto aos gastos das empresas com IA, o que pode tornar investidores mais céticos em um momento que crescem alertas quanto ao risco de correção das ações americanas diante dos excessivos valutions e um ambiente repleto de incertezas.


A temporada de balanços em Wall Street ganha tração nesta semana, com a divulgação de resultados dos grandes bancos americano. JPMorgan Chase, Bank of America, Wells Fargo, Goldman Sachs e Citigroup, além da BlackRock, divulgam números do terceiro trimestre amanhã (14).


A expectativa de analistas é de que os grandes bancos americanos continuem apresentando melhores resultados em áreas como bancos de investimento e tesouraria, como ocorreu no segundo trimestre. Dados do mercado já divulgados apontam para números melhores tanto na renda fixa quanto na variável, com mais emissões ocorrendo em Wall Street no terceiro trimestre, e também mais transações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês).


Analistas estão, porém, em sinal de alerta depois quanto aos riscos de uma guerra comercial global em meio à mais nova deterioração na relação entre os EUA e a China. O presidente Donald Trump ameaçou impor tarifas de 100% a produtos chineses em retaliação às restrições de Pequim à exportação de terras raras na última sexta-feira, dia 10. Mas, ontem, abrandou o tom e disse que "tudo ficará bem" com a China.


"Grandes cortes de estimativas são inevitáveis se a ameaça de tarifa adicional de 100% da China se mantiver, o que é improvável em nossa visão, dado seu potencial de paralisar o crescimento dos lucros", alerta Subramanian, do Bank of America.


Nesse sentido, o JPMorgan anunciou hoje que vai investir até US$ 10 bilhões em indústrias críticas para a segurança econômica e resiliência dos EUA. A ofensiva faz parte da iniciativa de Segurança e Resiliência do banco, um plano de US$ 1,5 trilhão, com duração de 10 anos. "Ficou dolorosamente claro que os EUA permitiram que se tornassem excessivamente dependentes de fontes não confiáveis de minerais críticos, produtos e manufatura - todos essenciais para nossa segurança nacional", disse o presidente do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, em nota à imprensa.


Investidores também vão monitorar o sentimento do empresariado americano em meio à paralisação das máquina pública americana, o chamado shutdown, e o vai e vem tarifário. "O otimismo dos executivos das empresas do S&P 500 nas teleconferências de resultados do segundo trimestre caiu para seu nível mais baixo em dois anos", observam os estrategistas da XP, Raphael Figueredo e Maria Irene Jordão, em relatório a clientes.


Mas, ao menos por ora, as primeiras divulgações de resultados têm indicado melhora no ânimo. A Delta Air Lines sinalizou que a recuperação geral da demanda nas últimas seis semanas deve se manter à frente. Por sua vez, a Pepsico viu suas receitas trimestrais crescerem a despeito da queda do volume de vendas no terceiro trimestre, e o sentimento passado a analistas e investidores foi de "otimismo" com o que vem pela frente. Quanto ao shutdown, a Delta Air Lines estima impacto de menos de US$ 1 milhão por dia, descartando um "efeito material".


Contato: aline.bronzati@estadao.com


Broadcast+

Leitura de domingo

 *Leitura de Domingo: com tarifaço, café do Brasil corre risco de perder espaço nos EUA*


Por Isadora Duarte


Brasília, 15/10/2025 - Com o tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos sobre produtos importados brasileiros, o Brasil corre o risco de perder espaço no maior mercado consumidor de café do mundo a partir das próximas safras e ser substituído por outros fornecedores. O alerta é do diretor executivo do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Matos. "O grande receio é perder o maior mercado global, onde estão as principais empresas. É um prejuízo enorme perder o acesso ao maior mercado global para seus concorrentes", afirmou Matos, em entrevista exclusiva ao Broadcast nas Redes. Veja a entrevista completa aqui.


Diante da sobretaxa que atinge o café brasileiro, outros países, como México, Honduras e Colômbia, passaram a exportar maior volume aos Estados Unidos. "Levamos muito tempo para conquistar o primeiro lugar no mercado americano. Com novas safras vindo e perspectiva de maior colheita em importantes players, o grande risco é o Brasil ser o maior fornecedor e depois ir para o fim da fila e perder espaço nos blends deste grande mercado, quando a produção mundial de café aumentar. O caminho é resolver isso o mais rápido possível", observou Matos. O Brasil, por sua vez, redirecionou parte do que deixou de vender aos EUA para países europeus, árabes e asiáticos, minimizando efeitos sobre a balança comercial do setor em movimento de realocação no mercado mundial. No acumulado de janeiro a setembro, o Brasil exportou 29,105 milhões de sacas, queda de 20,5% em relação aos nove meses de 2024, enquanto a receita gerada saltou 30%, para US$ 11,049 bilhões.


Com a aplicação da alíquota , os Estados Unidos saíram de principal destino do café brasileiro em julho, antes da vigência da sobretaxa, para o terceiro destino em setembro, perdendo o posto de maior importador de cafés do Brasil para a Alemanha. Segundo o Cecafé, os impactos para os exportadores de café são "incalculáveis". "Há um prejuízo enorme com custo de postergação de contratos e suspensão e cancelamento de contratos, por isso, não temos outra estratégia se não a isenção total aos cafés brasileiros. Se não resolvermos isso o mais rápido possível, além dos exportadores, os impactos chegarão aos produtores", apontou o CEO do Cecafé.


Dados do conselho apontam para queda de 52,8% nos embarques do grão ao mercado norte-americano em setembro, adquirindo 332.831 sacas. No ano passado, a exportação brasileira de café para os EUA somaram 8,1 milhões de sacas e US$ 2 bilhões, 16% de tudo o País exportou. "O aumento de 40% no preço internacional do café somado à tarifa de 50% sobre o grão brasileiro inviabiliza os embarques", apontou. O Brasil responde por 34% de tudo que os Estados Unidos consome de café. "76% dos americanos consomem café diariamente. São dois países insubstituíveis no comércio de café", pontuou o diretor-executivo do Cecafé.


O setor exportador defende que o café seja incluído na lista de exceções ao tarifaço. As sinalizações dos importadores é de que o produto é o item número 1 na lista, segundo Matos, para potenciais novas exceções. A abertura de diálogo entre os países, que começou com a conversa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente dos EUA, Donald Trump, e a missão diplomática brasileira ao governo americano, pode contribuir nesse movimento, segundo Matos. "Talvez seja factível a suspensão geral da tarifa ou a ampliação da lista. O importante é virar a página das tarifas", defendeu o CEO do Cecafé.


O impacto inflacionário do encarecimento do café, que registrou em agosto a maior alta no varejo americano desde 1997 nove vezes superior à média, bem como os efeitos já sentidos pelos consumidores e o fim do estoque da indústria local influenciam ainda no convencimento das autoridades e na pressão da opinião pública para isenção do café, avalia o Cecafé.


Em paralelo, o setor busca também a diversificação de mercados. Para Matos, os movimentos de preservação de mercados consolidados, como Estados Unidos e Europa, e a abertura de novos destinos são pautas distintas que não devem se sobrepor. China e Austrália despontam entre os países em crescimento do consumo do grão brasileiro. Nesse cenário de escalada tarifária, estoques mundiais baixos e incertezas quanto à nova safra, os preços do grão tendem a seguir elevados no mercado internacional pelo menos até o fim do ano.


Contato: isadora.duarte@estadao.com


Broadcast+

domingo, 19 de outubro de 2025

Ambipar

 *O nome e o instrumento por trás da queda da Ambipar*


João Daniel Piran de Arruda deixou a empresa às vésperas de reunião com credores para explicar aditivo com o Deutsche Bank


A situação financeira crítica da Ambipar tem na raiz um nome muito conhecido do mercado financeiro: João Daniel Piran de Arruda, que se tornou CFO da empresa em agosto de 2024, e uma operação por ele negociada. Ele é o responsável pela transferência do hedge da companhia do Bank of America (BofA) para o Deutsche Bank e um aditivo feito com o banco alemão, em agosto deste ano.


A mudança exigiu o pagamento de multa ao BofA de R$ 20 milhões, concentrava as garantias no Deutsche e impunha pagamento adicional de R$ 62 milhões. O aditivo introduziu um instrumento de nome aparentemente técnico – PIK bond (Payment-in-Kind) –, mas que alteraria o perfil de risco da companhia e colocaria a Ambipar em grande vulnerabilidade financeira.


Arruda deixou a Ambipar em 19 de setembro, uma sexta-feira. O pedido de demissão aconteceu antes da reunião marcada para acontecer em Nova York no dia 22, segunda-feira. Na reunião, ele explicaria a credores internacionais a situação da queda dos bonds da Ambipar por causa do mecanismo do PIK bond.


A convocação para a reunião foi feita por ele mesmo, no dia anterior, em 18 de setembro. A saída – comunicada por email, às 22h30 do dia 19, pegando todos de surpresa – foi tomada como confirmação de que o sistema supostamente criado para beneficiar a Ambipar se voltara contra a própria empresa.


Na semana anterior à saída de Arruda, o Deutsche cobrou depósitos de margem que totalizaram R$ 170 milhões em cinco dias. Só no dia 16 de setembro foram três notificações, ultrapassando R$ 70 milhões.


No fim de semana entre a saída de Arruda e a reunião – que não aconteceria – teve início a batalha jurídica: escritórios de advocacia em Londres e Nova York começaram a questionar o Deutsche sobre execução das garantias e o risco, cada vez mais real, de que cláusulas de disclosure nos títulos da dívida de US$ 750 milhões viriam a ser descumpridas.


O colapso veio com a segunda-feira (22/09). Os títulos lastreados nos chamados green bonds, emitidos em 2024, passaram a ser liquidados compulsoriamente, bancos estrangeiros executavam garantias – e o caixa da companhia ia sendo drenado rapidamente. Desde o estouro da crise, há um mês, as ações da Ambipar, que chegaram a valer R$ 26, desabaram para menos de R$ 0,40.


A agência de classificação de risco S&P baixou a nota da Ambipar de “AA” para “D”. Os CDS (Credit Default Swaps, seguros contra calote da companhia) dispararam. A cada nova chamada de margem subia o prêmio de risco, e a cada alta no CDS derrubava ainda mais o preço dos títulos. A academia chama esse ciclo de “espiral de margem” – e foi o que ocorreu: o preço caía; o CDS subia; e o Deutsche exigia mais garantias.


*Nome técnico*


O PIK bond (Payment-in-Kind) é um instrumento que permite postergar pagamentos de juros em forma de novos títulos. O efeito, no entanto, foi o de disparar novas chamadas de margem a cada vez que os papéis caíam de preço.


Em 2024, a Ambipar lançara US$ 750 milhões em green bonds – seus primeiros títulos sustentáveis internacionais – que foram celebrados como marcos do mercado brasileiro: papéis com selo ambiental, atrelados a metas de carbono e economia circular. Foi sobre esses títulos que Arruda contrataria depois os PIK bonds, que se tornariam fatais.


Até a eclosão da crise, a Ambipar vinha em marcha acelerada de expansão: entre 2020 e 2023, comprou ativos nos EUA, Canadá, Reino Unido e América Latina.


No Brasil, já listada na B3, a empresa veio a integrar o índice verde, com certificação da S&P. Seus papéis se tornaram símbolo de “capitalismo regenerativo” – e atraiu participação relevante de gestoras dos EUA, Reino Unido e Escandinávia, chegando a alcançar valorização de mais de 800%.


A Ambipar agora tenta nos tribunais proteger seu caixa contra os credores e, ao mesmo tempo, indiciar seu ex-CFO por fraude.


*O que diz a defesa*


Coordenador da defesa técnica do ex-diretor financeiro da Ambipar, David Rechulski apontou suposta “denunciação caluniosa” no caso. Veja a nota:


“Se é verdade que fizeram mais esse movimento errático – como vários outros anteriores, a exemplo de atribuir ao ex-CFO:


1) a assinatura de um termo de cessão do Bank of America ao Deutsche Bank que, na verdade, foi firmado pelo próprio filho do controlador e diretor estatutário da Ambipar;


2) a assinatura do aditivo com o DB que eles próprios juntaram na cautelar e que se vê ter sido assinado por seus diretores estatutários Thiago Silva e Luciana Barca; ou


3) repentinamente mudar a sede da empresa de São Paulo para um coworking no Rio de Janeiro às vésperas da cautelar – fica claro estarmos diante de uma provável situação típica de denunciação caluniosa.


A propósito, para que não pairem dúvidas desde logo, há até mensagens do controlador, CEO e membro do Conselho de Administração, Sr. Tércio Borlenghi Júnior enviadas ao seu ex-CFO João Arruda comemorando a assinatura do aditivo com o Deutsche Bank que agora dizem ser algo desconhecido.


Destaque-se ainda que, segundo o artigo 21, alínea ‘f’, do Estatuto da Ambipar, documento devidamente registrado nos órgãos oficiais de controles, que cumpre exatamente ao CEO levar o que de direito para ser pautado e votado no Conselho de Administração. Enfim, narrativas falaciosas não resistirão às evidências“.


https://www.metropoles.com/colunas/grande-angular/o-nome-e-o-instrumento-por-tras-da-queda-da-ambipar

Terremoto no mercado

 *O homem que causou um terremoto no mercado financeiro*


da Redação16 de maio de 2025, 14:22



André Vieira*


Brazil Stock Guide – João Daniel Piran de Arruda carrega um currículo de elite no mercado financeiro. Formado em administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), passara quase 15 anos no Bank of America (BofA), onde liderou a área de derivativos e estruturação de dívida corporativa na América Latina. Antes, atuara no Crédit Agricole, em São Paulo e Londres. Conhecido por sua habilidade em montar operações complexas, ganhou fama como um engenheiro financeiro capaz de transformar exposição cambial em rentabilidade. Quando assumiu o cargo de CFO da Ambipar, em agosto de 2024, aos 43 anos, parecia o nome certo para levar a companhia a um novo patamar de sofisticação financeira.


Foi essa reputação técnica que lhe garantiu liberdade quase total — e que, ironicamente, permitiria a criação do instrumento que precipitaria a situação atual da Ambipar. O contrato que depois parecia rotineiro: um simples aditivo a um hedge cambial. Mas por trás da aparência técnica havia uma estrutura letal. A crise foi deflagrada quando a Ambipar transferiu seus derivativos do Bank of America (BofA) pagando uma multa de R$ 20 milhões e um prêmio de R$ 62 milhões para o Deutsche Bank, em fevereiro de 2025, acreditando estar reduzindo custos e ampliando eficiência.


Na prática, a operação montada sob supervisão de Arruda criou um mecanismo em que o valor de mercado dos próprios títulos da Ambipar passou a definir o grau de estrangulamento financeiro da companhia a cada oscilação. O nome soava sofisticado — PIK bonds (Payment-in-Kind), instrumentos que permitem postergar pagamentos de juros em forma de novos títulos —, mas o efeito foi devastador: cada queda no preço dos papéis disparava novas chamadas de margem, drenava o caixa e ampliava o risco de crédito. O hedge transformou-se em armadilha. Quando o mecanismo dos PIK bonds veio a público, abalou a credibilidade da Ambipar e levou os bancos a antecipar o vencimento de dívidas.


Antes da tempestade, havia o símbolo do sucesso: os green bonds. No ano anterior, a Ambipar — por meio da Ambipar Lux S.à r.l. e de veículos nas Ilhas Cayman — lançara seus primeiros títulos sustentáveis internacionais, no valor de US$ 750 milhões, premiados como o melhor bond do ano. As emissões, Ambipar Green Bonds 9,875% 2031 e 10,875% 2033, foram registradas na Bolsa de Luxemburgo (LuxSE) e certificadas segundo os Green Bond Principles da ICMA. À época, foram celebradas como marcos do mercado brasileiro: papéis com selo ambiental, atrelados a metas de carbono e economia circular. Foi justamente sobre esses títulos — que Arruda ajudara a estruturar ainda no BofA — que sustentaria, num momento posterior, o mecanismo de proteção cambial que se tornaria fatal.


O Brazil Stock Guide acompanhou os desdobramentos da crise da Ambipar desde a sua eclosão há um mês. Ao longo dessas semanas, a reportagem ouviu uma dezena de pessoas envolvidas direta ou indiretamente nas negociações — executivos, advogados, analistas e credores — e analisou centenas de páginas de documentos. Eles mostram, em detalhe, como um instrumento de proteção financeira evoluiu para uma estrutura de alto risco — e como um aditivo de proteção transformou uma história de sucesso corporativo em um caso de referência sobre alavancagem e falhas causadas por seu gestor financeiro.


Fundada em 1995, por Tercio Borlenghi Junior, a Ambipar começou como uma pequena empresa de coleta e tratamento de resíduos industriais. Três décadas depois, transformou-se em um grupo multinacional presente em mais de 40 países, gerando cerca de 25 mil empregos diretos e 100 mil indiretos. Seu modelo de negócio se dividia em duas frentes complementares: Ambipar Environment, dedicada à gestão de resíduos e soluções de economia circular; e Ambipar Response, especializada em emergências químicas e desastres industriais. O crescimento veio por aquisições em série — uma estratégia agressiva de M&A.


Entre 2020 e 2023, já listada na B3 (AMBP3), o grupo comprou dezenas de ativos nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e América Latina, incluindo a Allied International Emergency, a One Stop Environmental e a PERS – Professional Emergency Resource Services. Em 2023, a divisão Response foi listada na NYSE American (ticker AMBI), após fusão com a SPAC HPX Corp., numa operação liderada por João Arruda quando ainda estava no BofA, dando à Ambipar status de pioneira global em ESG entre emergentes. No Brasil, suas ações chegaram a integrar o índice verde da B3, com certificação da S&P, e eram apresentadas como símbolo de “capitalismo regenerativo”.


Fundos estrangeiros — entre eles gestoras dos Estados Unidos, Reino Unido e Escandinávia — tornaram-se acionistas relevantes. No auge da euforia verde, as ações da Ambipar se valorizaram mais de 800%, impulsionadas pela onda ESG. A capitalização de mercado superou R$ 44 bilhões, segundo a Elos Ayta Consultoria, no fim de 2024, quando o faturamento alcançou quase R$ 7 bilhões. Naquele momento, a Ambipar representava uma ideia de país: o Brasil moderno, exportador de soluções sustentáveis, com uma multinacional brasileira nascida do lixo industrial.


A chegada de João Arruda à Ambipar se deu pelas relações do passado. Ele conhecia Tercio Borlenghi havia quase uma década, desde os tempos em que o Bank of America assessorava as captações externas, ajudava no IPO e no follow-on da companhia. O convite veio num jantar no fim de 2023. Borlenghi queria alguém que falasse “a língua de Nova York, Faria Lima e Leblon”, requisitos que parecia oferecer.


Como condição para aceitar o cargo de CFO, pediu e recebeu carta branca para reestruturar os departamentos financeiro, de governança, compliance, jurídico, recursos humanos, tributário, bem como as áreas de comunicação e marketing. Logo depois de assumir, em agosto do ano passado, demitiu vários executivos com posição de destaque nesses departamentos. O conselho, confiante na experiência dele, aprovou tais mudanças. “Ele falava com assertividade, trazia garantias técnicas”, relembra um ex-membro. “Mas essa suposta experiência virou deslumbramento.”


Em fevereiro, a Ambipar transferiu sua carteira de derivativos cambiais do Bank of America para o Deutsche Bank. O novo contrato prometia spreads menores e maior eficiência operacional. Para encerrar a antiga operação, a empresa desembolsou cerca de R$ 20 milhões em multa ao BofA — um custo apresentado internamente como parte de uma “otimização financeira”. O que parecia um avanço técnico, porém, se transformou em armadilha. A estrutura firmada com o Deutsche, reforçada meses depois pelo aditivo de agosto — o chamado pik bond — alterou profundamente o perfil de risco da companhia, concentrando as garantias no banco alemão e impondo o pagamento adicional de R$ 62 milhões. O que era para reduzir exposição acabou ampliando o grau de dependência e vulnerabilidade financeira da Ambipar.


Durante os meses de março a agosto, o hedge funcionou em silêncio. Mas a partir de agosto, com o fatídico aditivo já em vigor, tornou-se explosivo. O valor dos green bonds caiu de 100 para 60 centavos por dólar. Na semana anterior à saída de Arruda do cargo de CFO da Ambipar, o Deutsche passou a exigir dezenas de milhões diariamente em depósitos de margem, totalizando R$ 170 milhões em cinco dias. Em 16 de setembro, chegaram três notificações no mesmo dia, somando mais R$ 70 milhões.


*O colapso financeiro*


A ruptura começou a se desenhar em meados de setembro. No dia 18 de setembro, uma quinta-feira, Arruda convocou para a segunda-feira seguinte uma reunião em Nova York com bondholders internacionais — seria a primeira oportunidade para explicar a deterioração dos títulos e o aditivo assinado com o Deutsche.


Mas a crise ganhou velocidade. Na sexta-feira, 19 de setembro, último dia útil da véspera do encontro, ele surpreendeu a todos ao apresentar ao conselho seu pedido de demissão por e-mail às 22h30, não comparecendo à reunião do dia 22. “Todo mundo estaria lá — fundo americano, europeu, brasileiro — e ele sumiu”, lembra um interlocutor. O gesto foi interpretado dentro da empresa como o ponto de ruptura definitivo: a confirmação de que o sistema criado para beneficiar a Ambipar havia se voltado contra ela.


No fim de semana, escritórios de advocacia em Londres e Nova York começaram a questionar o Deutsche sobre a execução das garantias e o possível descumprimento de cláusulas de disclosure nos títulos verdes — inaugurando a fase jurídica da crise.


Na abertura do mercado, na segunda-feira, 22 de setembro, o hedge financeiro começou a colapsar. Os derivativos dispararam, os títulos lastreados em green bonds passaram a ser liquidados compulsoriamente, e o fluxo de chamadas de margem ia drenando o caixa da companhia, à medida que bancos estrangeiros executavam as garantias. Em poucos dias, os títulos da dívida despencaram para US$ 0,16 por dólar de face. Na bolsa, o descrédito total dos investidores. Neste primeiro mês de crise, as ações da Ambipar, que chegaram a valer R$ 26, caíram 97%, valendo menos de R$ 0,40 no pregão mais recente. “Foi o Big Short brasileiro. Só que o subprime era verde”, disse um trader.


No mercado internacional, o risco de crédito da Ambipar ficou exposto em tempo real. Quando a agência de classificação de risco S&P baixou o rating de “AA” para “D”, os Credit Default Swaps (CDS) da companhia — seguros contra calote — dispararam, refletindo a probabilidade de default superior a 50% em 12 meses. O CDS virou termômetro da crise: cada nova chamada de margem elevava o prêmio de risco, e cada alta no CDS derrubava ainda mais o preço dos títulos. Esse ciclo vicioso é descrito na literatura acadêmica como margin spiral — a “espiral de margem” conceito formulado por Markus Brunnermeier e Lasse Pedersen (2009), que descreve o colapso em cadeia gerado por chamadas de margem sucessivas. Foi exatamente o que ocorreu: o preço caía, o CDS subia e o Deutsche exigia mais garantias.


*Os efeitos para o investidor de varejo*



A implosão da dívida detonou a ideia de segurança em produtos vendidos ao varejo com base nos green bonds da Ambipar. A corretora XP comercializou Certificados de Operações Estruturadas (COEs) prometendo “IPCA + 11,75%” e “sem exposição cambial”, sugerindo a segurança de um título de renda fixa. Vendidos pela XP por meio de seus assessores de investimentos, agentes autônomos e plataformas digitais, carregavam nomes chamativos: COE ESG Brasil Verde, Ambipar Global Environment, Green 2031 Performance. O apelo funcionou: cerca de R$ 900 milhões foram captados, boa parte de investidores conservadores e pessoas físicas.


Esses produtos que eram instrumentos de crédito apresentados como investimentos seguros eram, na prática, apostas contra a própria Ambipar. Por trás da promessa de rentabilidade fixa, investidores de varejo financiavam a ponta perdedora de um CDS que lucrava com a deterioração dos títulos da empresa. O aditivo obrigava a companhia a depositar garantias diárias sempre que seus papéis perdiam valor — um ciclo que sugava liquidez e acelerava o colapso. Na outra ponta, fundos internacionais recebiam o cupom integral dos bonds — um arranjo que só fazia sentido se o default fosse esperado, e rentável.


Quando o preço dos títulos despencou e as cláusulas de cross-default foram acionadas, os COEs vendidos a investidores de varejo viraram pó: cada real aplicado passou a valer centavos. Centenas de clientes receberam mensagens: os papéis haviam atingido o “nível de gatilho de perda total”. A promessa de proteção evaporou em uma tarde. “Disseram que era verde, que era seguro. Perdi tudo”, escreveu um investidor no Reclame Aqui, dentre as dezenas que registraram queixas no site de defesa do consumidor.


Estima-se que cerca de 4.200 pessoas físicas tenham sido afetadas. O caso já alimenta ações coletivas e uma possível investigação da CVM por “falha material de transparência” e “conflito de interesse entre originação e distribuição”. A XP prepara um fundo exclusivo para os investidores que acreditam que podem recuperar ao menos parte dos prejuízos caso a empresa se recupere.


*Proteção à Justiça*


Diante do colapso, a Ambipar recorreu à Justiça. Em 24 de setembro, ingressou na 3ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro com um pedido de proteção temporária contra credores. Os bancos reclamaram. A decisão liminar suspendeu execuções e cláusulas de aceleração por 30 dias, prorrogáveis. Na petição, a companhia alegou “abuso de poder contratual” e “distorção da finalidade do hedge”.


O controlador da Ambipar também tornou pública uma carta endereçada ao conselho em 10 de outubro. Borlenghi Junior afirmou que Bradesco e Opportunity teriam vendido ações de sua titularidade em violação a liminar judicial. As operações, segundo ele, reduziram sua participação de 73,48% para 67,68%, causando perdas de R$ 20 bilhões de marketcap (US$ 3,4 bilhões). Em resposta, o Opportunity alegou não ser credor do FIP Everest, apenas cotista minoritário, sem poder de execução. O Bradesco, até o momento, não se manifestou publicamente.


Um pedido formal de recuperação judicial por parte da Ambipar é considerado iminente e poderá ser apresentado brevemente. A medida daria fôlego ao caixa da Ambipar, preservaria empregos e permitiria que a operação de emergência e gestão de resíduos continue funcionando enquanto o grupo negocia com os credores e tenta se reerguer.


A crise da Ambipar deixou de ser apenas financeira. A empresa ingressou com ação criminal no Tribunal de Justiça de São Paulo contra João Arruda e outros dois executivos. O processo investiga falsidade ideológica, fraude, estelionato e manipulação de informações na montagem do hedge com o Deutsche Bank.


Procurado, o ex-diretor financeiro da Ambipar não deu entrevista. Mas, em nota, David Rechulski, seu advogado de defesa, afirma que o inquérito policial representa “mais um movimento errático” da Ambipar, dentro de uma sequência de tentativas anteriores de atribuir responsabilidades indevidas a Arruda. Segundo ele, a Ambipar teria imputado ao seu cliente a assinatura de documentos que, na verdade, foram firmados por outros executivos. Entre eles, um termo de cessão do Bank of America ao Deutsche Bank — “assinado pelo próprio filho do controlador e diretor estatutário da empresa” — e o aditivo contratual com o Deutsche, “rubricado pelos diretores estatutários Thiago Silva e Luciana Barca”.


Rechulski diz ainda existirem mensagens do controlador, Tercio Borlenghi Junior, enviadas a Arruda “comemorando a assinatura do aditivo com o Deutsche Bank, que agora afirmam desconhecer”. “Narrativas falaciosas não resistirão às evidências”, conclui Rechulski. Nenhuma cópia de documento foi mostrada à reportagem e o advogado não comentou sobre as responsabilidades do próprio gestor financeiro da companhia, alvo do inquérito policial instaurado.


No fim, a promessa de governança global da Ambipar terminou nos tribunais — e o experimento da companhia com os green bonds tornou-se um exemplo dos riscos do mau uso da inovação financeira por João Daniel Piran de Arruda, pelo Deutsche Bank e pela XP.


https://www.brasilconfidencial.com.br/o-homem-que-causou-um-terremoto-no-mercado-financeiro/

sábado, 18 de outubro de 2025

Leitura de sábado - UBS e Prior

 *Leitura de Sábado: UBS vende ações da Prio para reduzir exposição a Tanure, dizem fontes*


Por Cynthia Decloedt


São Paulo, 16/10/2025 - O Banco UBS Brasil adotou a estratégia de reduzir sua exposição em créditos tomados pelo empresário Nelson Tanure junto ao Credit Suisse, banco suíço adquirido pelo UBS em 2023, apurou a Broadcast. Nesse movimento, o UBS desmontou uma das operações de crédito que tinham as ações da Prio como garantia, resultando na venda de posição relevante das ações da companhia produtora de petróleo que estavam em posse do banco. A operação foi feita na semana passada.


A venda pelo UBS de uma parte das ações da Prio foi comunicada ao mercado pela própria empresa na segunda-feira, 13. A Prio informou que o banco suíço reduziu participação relevante em derivativos, com liquidação financeira, referenciados em ações de emissão da Prio. Na quarta-feira, 14, em outro comunicado, a Prio informou que o UBS Brasil reiterou posição consolidada de 6,43% em derivativos com liquidação financeira referenciados em ações de emissão companhia.


A Prio é considerada um dos principais casos de sucesso dos investimentos feitos por Tanure em empresas problemáticas. A companhia passou por uma grande transformação desde 2013, quando a então HRT foi adquirida pelo empresário. A Prio vale hoje perto de R$ 32 bilhões e se consolidou como uma das maiores exploradoras e produtoras de petróleo privadas.


Mesmo depois desta operação, o UBS segue com parte de uma exposição em empréstimos tomados pelo empresário, que somavam entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões antes desta liquidação, conforme fontes. As operações de crédito a Tanure foram feitas no segmento de gestão de fortunas (wealth managment) do Credit Suisse. O banco foi comprado pelo UBS em 2023, em uma operação global.


EMAE


A decisão de diminuir sua exposição ao empresário acontece em meio a uma série de eventos recentes envolvendo o nome de Tanure e suas empresas investidas. No início deste mês, o empresário perdeu o controle da EMAE, empresa de energia privatizada no ano passado pelo governo de São Paulo. A perda se deu por uma operação feita após o vencimento antecipado de um empréstimo de R$ 520 milhões tomado por meio de uma emissão de debêntures subscritas pela XP. Os papéis eram garantidos por ações da EMAE e ainda da Ambipar, que está reestruturando uma dívida de R$ 11 bilhões e caminha para entrar em recuperação judicial.


O vencimento antecipado das debêntures da EMAE foi decretado após a Phoenix Água e Energia, holding que tinha o controle da EMAE e onde Tanure é o principal acionista, deixar de honrar um compromisso de cerca de R$ 130 milhões. Como mostrou a Broadcast, credores estavam atentos aos movimentos da EMAE havia pelo menos seis meses, incluindo relacionados ao uso do caixa da EMAE. O maior deles, revelado pela Coluna do Broadcast, foi o acordo para a compra de R$ 250 milhões em debêntures conversíveis, bônus de subscrição e títulos de dívida emitidos no exterior (bonds) da Light, empresa na qual Tanure é um dos acionistas de referência.


Procurado, por meio da assessoria de imprensa, o empresário Nelson Tanure questionou a informação apurada pela Broadcast. O UBS não comentou e a Prio não retornou até a publicação da nota.


Contato: cynthia.decloedt@estadao.com


Broadcast+

Leitura de sábado - ANAC

 Leitura de Sábado: Regulador não pode ser fardo adicional para setor aéreo, diz Faierstein/Anac


Por Luiz Araújo


Brasília, 16/10/2025 - O diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Tiago Faierstein, afirma que sua gestão terá como pilar o diálogo com o Congresso Nacional. Tendo assumido o posto há dois meses, o presidente avalia que, de forma equivocada, a agência se distanciou do Legislativo, o que teria enfraquecido o orçamento e levado ao desalinhamento entre a agenda regulatória e projetos parlamentares.


Em entrevista à Broadcast, Faierstein defende que a independência técnica não pode significar isolamento institucional e que o diálogo com o Executivo e o Legislativo é essencial para recompor o orçamento e garantir estabilidade regulatória. "A Anac tem excelência técnica, mas perdeu capacidade de articulação. Nosso papel é reconstruir essa ponte."


Com passagens pela Infraero, o diretor-presidente destaca que a estatal tem condições de recuperar protagonismo na aviação regional. "Após anos de déficit, ela conseguiu equilibrar as contas e hoje tem capacidade de investimento", afirma. Confira os principais trechos da entrevista:


Broadcast: Recentemente o senhor falou sobre a necessidade de equilíbrio do papel regulatório para que o setor aéreo não seja prejudicado. Como deve ser esse equilíbrio?


Tiago Faierstein: No fim do dia, o que queremos é melhorar o serviço para a população. A principal reclamação em relação às companhias aéreas é o preço da passagem. Há espaço para reduzir custos. Dois fatores impactam diretamente o valor das passagens. O primeiro é a oferta e procura: temos mais pessoas querendo viajar e menos aeronaves disponíveis, devido à manutenção, escassez de peças e atraso na entrega de novos aviões - uma situação global, não apenas do Brasil. O segundo ponto é o custo dolarizado: cerca de 60% das despesas do setor dependem do dólar. Quando a moeda sobe, o custo sobe. Mesmo com tarifas elevadas, os voos estão lotados, e as companhias enfrentam dificuldades financeiras. O objetivo é que a Anac não seja um fardo adicional para o setor, já pressionado por custos dolarizados e alta judicialização. Entre os temas em discussão, está a jornada dos tripulantes. Temos dialogado com o sindicato dos aeronautas em busca de um consenso. A ideia é equilibrar os interesses e manter a segurança e o bem-estar de todos.


Broadcast: A questão da judicialização está próxima de ser resolvida, certo? Já que há um julgamento em curso no STF que terá repercussão geral.


Faierstein: O Supremo vai decidir se prevalece o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) ou o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Se o STF entender que prevalece o CDC, pouco há o que fazer. Mas se prevalecer o CBA, teremos de atualizar a Resolução 400. A Anac pretende apresentar uma proposta de atualização ainda este ano, respeitando os prazos de consulta pública e de análise de impacto regulatório.


Broadcast: O Congresso se mostrou bastante crítico às companhias nos últimos anos. Não há risco de se opor a pautas como a flexibilização da jornada dos tripulantes?


Faierstein: A relação com o Congresso é de diálogo constante. Estamos próximos, trocando informações e sentindo a temperatura das pautas para evitar decisões desalinhadas. O objetivo é que a Anac seja o centro de consulta técnica antes de qualquer projeto de lei sobre o setor. Isso já está mudando. Passei nove meses entre a indicação e a sabatina no Senado, o que me permitiu circular, entender o ambiente e amadurecer o diagnóstico. A Anac tem reconhecida excelência técnica, mas se isolou nos últimos anos, deixou de dialogar com o Congresso. Esse isolamento foi prejudicial. Quando se deixa de conversar com o Congresso, perde-se orçamento e espaço na formulação de políticas públicas. O Congresso quer proximidade, quer ouvir, e é isso que estamos restabelecendo. Temos um programa de regulação responsiva, que ajusta o nível de normatização conforme o risco. Agora queremos aplicar o mesmo conceito à comunicação: conversar antes de publicar novas regras, antecipar informações ao Congresso e aos atores do setor. Assim, as demandas chegam mais amadurecidas e com menos ruído político.


Broadcast: O senhor vê perspectiva de que o problema de orçamento das agências seja superado nos próximos anos a partir dessa aproximação com o Congresso?


Faierstein: Esse é o principal foco do nosso trabalho. Já temos compromisso do presidente da Comissão de Infraestrutura e de lideranças da Câmara e do Senado para recompor o orçamento das agências reguladoras. Reativamos o Conselho das Agências Reguladoras Federais, que estava parado, e hoje temos uma pauta conjunta. Fui eleito vice-presidente, ao lado do diretor-geral da ANTT, Guilherme Sampaio. Estamos atuando de forma integrada com Aneel, Anvisa, Antaq, ANA e outras.


Broadcast: E com o governo, como será a relação?


Faierstein: A relação com o governo é de alinhamento e colaboração, especialmente com o Ministério de Portos e Aeroportos. A Anac foi criada para regular, certificar e fiscalizar, mas também para atuar de forma alinhada às políticas públicas do governo federal, como está previsto na sua lei de criação. Isso não compromete a independência técnica, pelo contrário: fortalece a atuação institucional. A agência precisa da política pública e do orçamento, e o governo precisa da Anac para executar suas diretrizes. Dialogar não é depender. A independência não deve ser confundida com isolamento. Eu costumo dizer que o diretor não está ali apenas para seguir normas, mas para dar rumo, direção e visão institucional.


Broadcast: Quais são as marcas pretendidas para sua gestão?


Faierstein: Nossa agenda não é quantitativa, baseada em número de resoluções ou regulamentos alterados. É qualitativa e estratégica. Queremos que o setor de aviação civil saia desta gestão melhor do que entrou: mais cidades atendidas, mais pessoas voando, companhias mais saudáveis. O foco é o olhar da sociedade. O crescimento do setor só se sustenta com um mercado equilibrado. E não existe aviação civil bem-sucedida no mundo sem apoio do Estado. Nosso trabalho será direcionado para as áreas em que a Anac tem controle efetivo e pode gerar resultados concretos. Vamos focar naquilo que está ao nosso alcance e que pode, de fato, produzir impacto positivo no setor.


Broadcast: Como o senhor avalia o papel dos aeroportos regionais para o avanço do setor?


Faierstein: O Programa Ampliar, criado pelo Ministério de Portos e Aeroportos, é fundamental. Ele estabelece uma mesa de negociação entre governo e concessionárias, oferecendo contrapartidas como extensão de prazo ou reequilíbrio contratual em troca da assunção de aeroportos regionais deficitários. Não se trata de obrigar as concessionárias, mas de criar incentivos. É uma política pública inteligente, semelhante à que originou a Infraero, que administrava aeroportos pouco atrativos à iniciativa privada até se tornarem rentáveis. A lógica agora é a mesma: fomentar o desenvolvimento da aviação regional com apoio estatal, até que esses ativos se tornem viáveis.


Broadcast: Qual é o papel da Infraero no atual contexto?


Faierstein: A Infraero é uma empresa pública financeiramente independente, com mais de R$ 2 bilhões em caixa e 51 anos de experiência técnica. Após anos de déficit, ela conseguiu equilibrar as contas e hoje tem capacidade de investimento. É um ativo importante do governo e pode voltar a ter protagonismo na execução de políticas públicas, como a construção, reforma e administração de aeroportos regionais. A ideia não é que ela gere lucro, mas que cumpra sua função social de desenvolver infraestrutura onde o setor privado não tem interesse imediato. O equilíbrio financeiro permite que a empresa use seu caixa para investir em projetos públicos, sem depender do Tesouro. A Infraero também presta serviços remunerados, como consultoria e operação sob contrato com prefeituras, o que ajuda a manter a sustentabilidade. O importante é que, com as contas equilibradas, o dinheiro em caixa possa ser direcionado a investimentos em aviação regional, cumprindo o papel público para o qual a empresa foi criada.


Contato: luiz.araujo@estadao.com


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Leitura de sábado - peso do juro

 Leitura de Sábado: Peso do juro aumenta e deve prejudicar balanços de varejistas e alavancadas


Por Ana Paula Machado


São Paulo, 17/10/2025 - A desaceleração da economia brasileira deve se refletir nos resultados financeiros das empresas listadas na Bolsa no terceiro trimestre. Analistas e estrategistas ouvidos pela Broadcast afirmam que a taxa elevada de juros penalizará as companhias mais ligadas à atividade doméstica, especialmente as do setor varejista, mas com efeitos também sobre aquelas com endividamento alto. A temporada de balanços ganha fôlego a partir da próxima semana.


A percepção dos profissionais é a de que os resultados do período de julho a setembro evidenciarão a Selic a 15% "fazendo o trabalho dela", ou seja, desacelerando a economia em ritmo de pouso suave para diminuir a inflação. Segundo o Projeções Broadcast, o terceiro trimestre deve mostrar crescimento de 0,2% no Produto Interno Bruto (PIB), ante 0,4% nos três meses anteriores.


"As empresas que são mais sensíveis a este cenário podem apresentar um resultado pior, mas dentro do esperado, não deve ter nada fora da curva", afirma o analista de investimentos da Daycoval Corretora, Gabriel Mollo. "O que mais preocupa é a inadimplência, e isso afeta mais os bancos e varejo, o que acaba contaminando a economia como um todo."


O peso dos juros elevados nos resultados das empresas brasileiras deve permanecer, pelo menos, até o primeiro trimestre do próximo ano, de acordo com os analistas. A expectativa, segundo eles, para o início do ciclo de corte da Selic é a partir de março de 2027.


"O corte está demorando mais do que o mercado imaginava em função do discurso muito conservador do Banco Central", avalia o diretor de Equity Research Latin America do Citi, André Mazini.


O estrategista de ações da Genial Investimentos, Filipe Villegas, é mais pessimista e acredita que o ciclo de afrouxamento monetário deve se iniciar somente em maio ou junho, estendendo os efeitos da restrição monetária por mais tempo que o previsto.


"Em dezembro deve haver uma desaceleração forte da economia, mas hoje o que temos de precificação da curva de juros é um corte da Selic e a partir de janeiro e olhe lá."


Exposição


Expostas imediatamente ao ciclo monetário, as empresas varejistas devem ver a sua receita cair no terceiro trimestre deste ano. "O setor vai performar mal, pois o País está desacelerando e acredito que vai apresentar resultados consistentes quando Selic começar a cair, isso em março do ano que vem", projeta Mollo, da Daycoval Corretora.


O economista da Valor Investimentos Ian Lopes também acredita que o setor segue em um momento delicado, em função das altas taxas de juros. "Apesar de resilientes, os juros altos pesam na dívida das empresas, por isso, não vai ter resultados tão bons, com a inadimplência crescente e o consumo em queda", diz Lopes.


Outro fator que deve pesar nas empresas é o inverno mais persistente neste ano em comparação a 2024.


Para Mazini, do Citi, o fator clima deve impactar os resultados do varejo de vestuário, como Azzas, Lojas Renner e C&A. "Além da atividade ter se desacelerado no trimestre. Os volumes foram mais baixos neste período em todo o setor."


Para o analista da Reach Capital Investimentos Khalil Lima, o que pode melhorar os resultados do setor é a alavancagem, mas por perda de receita e não por redução da dívida líquida das empresas.


"Quando a atividade desacelera, a desalavancagem operacional também cai, isso porque a conversão da dívida líquida com margem Ebitda fica menor", diz Lima. "As piores categorias devem ser o de vestuário, com Lojas Renner, Guararapes e C&A apresentando balanços piores, e alimentos, com volume menor de vendas."


Por outro lado, empresas com muitas dívidas, como Raízen, também devem ser prejudicadas pelos juros altos. Nas últimas semanas, o mercado tem questionado a saúde financeira dessas companhias, dado o alto grau de alavancagem.


"O mercado vai olhar com lupa essas empresas já com receio de que pode prejudicar os resultados futuros", diz Villegas, da Genial. "Com manutenção da Selic e taxa de juros longos nestes patamares, as companhias alavancadas devem sofrer neste trimestre."


Contato: ana.machado@estadao.com


Broadcast+

Bankinter Portugal Matinal

 Análise Bankinter Portugal  NY +0,8% US tech +1,5% US semis +2,5% UEM +1,1% España +1,2% VIX 16,9% Bund 2,85% T-Note 4,14% Spread 2A-10A US...