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Terremoto no mercado

 *O homem que causou um terremoto no mercado financeiro*


da Redação16 de maio de 2025, 14:22



André Vieira*


Brazil Stock Guide – João Daniel Piran de Arruda carrega um currículo de elite no mercado financeiro. Formado em administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), passara quase 15 anos no Bank of America (BofA), onde liderou a área de derivativos e estruturação de dívida corporativa na América Latina. Antes, atuara no Crédit Agricole, em São Paulo e Londres. Conhecido por sua habilidade em montar operações complexas, ganhou fama como um engenheiro financeiro capaz de transformar exposição cambial em rentabilidade. Quando assumiu o cargo de CFO da Ambipar, em agosto de 2024, aos 43 anos, parecia o nome certo para levar a companhia a um novo patamar de sofisticação financeira.


Foi essa reputação técnica que lhe garantiu liberdade quase total — e que, ironicamente, permitiria a criação do instrumento que precipitaria a situação atual da Ambipar. O contrato que depois parecia rotineiro: um simples aditivo a um hedge cambial. Mas por trás da aparência técnica havia uma estrutura letal. A crise foi deflagrada quando a Ambipar transferiu seus derivativos do Bank of America (BofA) pagando uma multa de R$ 20 milhões e um prêmio de R$ 62 milhões para o Deutsche Bank, em fevereiro de 2025, acreditando estar reduzindo custos e ampliando eficiência.


Na prática, a operação montada sob supervisão de Arruda criou um mecanismo em que o valor de mercado dos próprios títulos da Ambipar passou a definir o grau de estrangulamento financeiro da companhia a cada oscilação. O nome soava sofisticado — PIK bonds (Payment-in-Kind), instrumentos que permitem postergar pagamentos de juros em forma de novos títulos —, mas o efeito foi devastador: cada queda no preço dos papéis disparava novas chamadas de margem, drenava o caixa e ampliava o risco de crédito. O hedge transformou-se em armadilha. Quando o mecanismo dos PIK bonds veio a público, abalou a credibilidade da Ambipar e levou os bancos a antecipar o vencimento de dívidas.


Antes da tempestade, havia o símbolo do sucesso: os green bonds. No ano anterior, a Ambipar — por meio da Ambipar Lux S.à r.l. e de veículos nas Ilhas Cayman — lançara seus primeiros títulos sustentáveis internacionais, no valor de US$ 750 milhões, premiados como o melhor bond do ano. As emissões, Ambipar Green Bonds 9,875% 2031 e 10,875% 2033, foram registradas na Bolsa de Luxemburgo (LuxSE) e certificadas segundo os Green Bond Principles da ICMA. À época, foram celebradas como marcos do mercado brasileiro: papéis com selo ambiental, atrelados a metas de carbono e economia circular. Foi justamente sobre esses títulos — que Arruda ajudara a estruturar ainda no BofA — que sustentaria, num momento posterior, o mecanismo de proteção cambial que se tornaria fatal.


O Brazil Stock Guide acompanhou os desdobramentos da crise da Ambipar desde a sua eclosão há um mês. Ao longo dessas semanas, a reportagem ouviu uma dezena de pessoas envolvidas direta ou indiretamente nas negociações — executivos, advogados, analistas e credores — e analisou centenas de páginas de documentos. Eles mostram, em detalhe, como um instrumento de proteção financeira evoluiu para uma estrutura de alto risco — e como um aditivo de proteção transformou uma história de sucesso corporativo em um caso de referência sobre alavancagem e falhas causadas por seu gestor financeiro.


Fundada em 1995, por Tercio Borlenghi Junior, a Ambipar começou como uma pequena empresa de coleta e tratamento de resíduos industriais. Três décadas depois, transformou-se em um grupo multinacional presente em mais de 40 países, gerando cerca de 25 mil empregos diretos e 100 mil indiretos. Seu modelo de negócio se dividia em duas frentes complementares: Ambipar Environment, dedicada à gestão de resíduos e soluções de economia circular; e Ambipar Response, especializada em emergências químicas e desastres industriais. O crescimento veio por aquisições em série — uma estratégia agressiva de M&A.


Entre 2020 e 2023, já listada na B3 (AMBP3), o grupo comprou dezenas de ativos nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e América Latina, incluindo a Allied International Emergency, a One Stop Environmental e a PERS – Professional Emergency Resource Services. Em 2023, a divisão Response foi listada na NYSE American (ticker AMBI), após fusão com a SPAC HPX Corp., numa operação liderada por João Arruda quando ainda estava no BofA, dando à Ambipar status de pioneira global em ESG entre emergentes. No Brasil, suas ações chegaram a integrar o índice verde da B3, com certificação da S&P, e eram apresentadas como símbolo de “capitalismo regenerativo”.


Fundos estrangeiros — entre eles gestoras dos Estados Unidos, Reino Unido e Escandinávia — tornaram-se acionistas relevantes. No auge da euforia verde, as ações da Ambipar se valorizaram mais de 800%, impulsionadas pela onda ESG. A capitalização de mercado superou R$ 44 bilhões, segundo a Elos Ayta Consultoria, no fim de 2024, quando o faturamento alcançou quase R$ 7 bilhões. Naquele momento, a Ambipar representava uma ideia de país: o Brasil moderno, exportador de soluções sustentáveis, com uma multinacional brasileira nascida do lixo industrial.


A chegada de João Arruda à Ambipar se deu pelas relações do passado. Ele conhecia Tercio Borlenghi havia quase uma década, desde os tempos em que o Bank of America assessorava as captações externas, ajudava no IPO e no follow-on da companhia. O convite veio num jantar no fim de 2023. Borlenghi queria alguém que falasse “a língua de Nova York, Faria Lima e Leblon”, requisitos que parecia oferecer.


Como condição para aceitar o cargo de CFO, pediu e recebeu carta branca para reestruturar os departamentos financeiro, de governança, compliance, jurídico, recursos humanos, tributário, bem como as áreas de comunicação e marketing. Logo depois de assumir, em agosto do ano passado, demitiu vários executivos com posição de destaque nesses departamentos. O conselho, confiante na experiência dele, aprovou tais mudanças. “Ele falava com assertividade, trazia garantias técnicas”, relembra um ex-membro. “Mas essa suposta experiência virou deslumbramento.”


Em fevereiro, a Ambipar transferiu sua carteira de derivativos cambiais do Bank of America para o Deutsche Bank. O novo contrato prometia spreads menores e maior eficiência operacional. Para encerrar a antiga operação, a empresa desembolsou cerca de R$ 20 milhões em multa ao BofA — um custo apresentado internamente como parte de uma “otimização financeira”. O que parecia um avanço técnico, porém, se transformou em armadilha. A estrutura firmada com o Deutsche, reforçada meses depois pelo aditivo de agosto — o chamado pik bond — alterou profundamente o perfil de risco da companhia, concentrando as garantias no banco alemão e impondo o pagamento adicional de R$ 62 milhões. O que era para reduzir exposição acabou ampliando o grau de dependência e vulnerabilidade financeira da Ambipar.


Durante os meses de março a agosto, o hedge funcionou em silêncio. Mas a partir de agosto, com o fatídico aditivo já em vigor, tornou-se explosivo. O valor dos green bonds caiu de 100 para 60 centavos por dólar. Na semana anterior à saída de Arruda do cargo de CFO da Ambipar, o Deutsche passou a exigir dezenas de milhões diariamente em depósitos de margem, totalizando R$ 170 milhões em cinco dias. Em 16 de setembro, chegaram três notificações no mesmo dia, somando mais R$ 70 milhões.


*O colapso financeiro*


A ruptura começou a se desenhar em meados de setembro. No dia 18 de setembro, uma quinta-feira, Arruda convocou para a segunda-feira seguinte uma reunião em Nova York com bondholders internacionais — seria a primeira oportunidade para explicar a deterioração dos títulos e o aditivo assinado com o Deutsche.


Mas a crise ganhou velocidade. Na sexta-feira, 19 de setembro, último dia útil da véspera do encontro, ele surpreendeu a todos ao apresentar ao conselho seu pedido de demissão por e-mail às 22h30, não comparecendo à reunião do dia 22. “Todo mundo estaria lá — fundo americano, europeu, brasileiro — e ele sumiu”, lembra um interlocutor. O gesto foi interpretado dentro da empresa como o ponto de ruptura definitivo: a confirmação de que o sistema criado para beneficiar a Ambipar havia se voltado contra ela.


No fim de semana, escritórios de advocacia em Londres e Nova York começaram a questionar o Deutsche sobre a execução das garantias e o possível descumprimento de cláusulas de disclosure nos títulos verdes — inaugurando a fase jurídica da crise.


Na abertura do mercado, na segunda-feira, 22 de setembro, o hedge financeiro começou a colapsar. Os derivativos dispararam, os títulos lastreados em green bonds passaram a ser liquidados compulsoriamente, e o fluxo de chamadas de margem ia drenando o caixa da companhia, à medida que bancos estrangeiros executavam as garantias. Em poucos dias, os títulos da dívida despencaram para US$ 0,16 por dólar de face. Na bolsa, o descrédito total dos investidores. Neste primeiro mês de crise, as ações da Ambipar, que chegaram a valer R$ 26, caíram 97%, valendo menos de R$ 0,40 no pregão mais recente. “Foi o Big Short brasileiro. Só que o subprime era verde”, disse um trader.


No mercado internacional, o risco de crédito da Ambipar ficou exposto em tempo real. Quando a agência de classificação de risco S&P baixou o rating de “AA” para “D”, os Credit Default Swaps (CDS) da companhia — seguros contra calote — dispararam, refletindo a probabilidade de default superior a 50% em 12 meses. O CDS virou termômetro da crise: cada nova chamada de margem elevava o prêmio de risco, e cada alta no CDS derrubava ainda mais o preço dos títulos. Esse ciclo vicioso é descrito na literatura acadêmica como margin spiral — a “espiral de margem” conceito formulado por Markus Brunnermeier e Lasse Pedersen (2009), que descreve o colapso em cadeia gerado por chamadas de margem sucessivas. Foi exatamente o que ocorreu: o preço caía, o CDS subia e o Deutsche exigia mais garantias.


*Os efeitos para o investidor de varejo*



A implosão da dívida detonou a ideia de segurança em produtos vendidos ao varejo com base nos green bonds da Ambipar. A corretora XP comercializou Certificados de Operações Estruturadas (COEs) prometendo “IPCA + 11,75%” e “sem exposição cambial”, sugerindo a segurança de um título de renda fixa. Vendidos pela XP por meio de seus assessores de investimentos, agentes autônomos e plataformas digitais, carregavam nomes chamativos: COE ESG Brasil Verde, Ambipar Global Environment, Green 2031 Performance. O apelo funcionou: cerca de R$ 900 milhões foram captados, boa parte de investidores conservadores e pessoas físicas.


Esses produtos que eram instrumentos de crédito apresentados como investimentos seguros eram, na prática, apostas contra a própria Ambipar. Por trás da promessa de rentabilidade fixa, investidores de varejo financiavam a ponta perdedora de um CDS que lucrava com a deterioração dos títulos da empresa. O aditivo obrigava a companhia a depositar garantias diárias sempre que seus papéis perdiam valor — um ciclo que sugava liquidez e acelerava o colapso. Na outra ponta, fundos internacionais recebiam o cupom integral dos bonds — um arranjo que só fazia sentido se o default fosse esperado, e rentável.


Quando o preço dos títulos despencou e as cláusulas de cross-default foram acionadas, os COEs vendidos a investidores de varejo viraram pó: cada real aplicado passou a valer centavos. Centenas de clientes receberam mensagens: os papéis haviam atingido o “nível de gatilho de perda total”. A promessa de proteção evaporou em uma tarde. “Disseram que era verde, que era seguro. Perdi tudo”, escreveu um investidor no Reclame Aqui, dentre as dezenas que registraram queixas no site de defesa do consumidor.


Estima-se que cerca de 4.200 pessoas físicas tenham sido afetadas. O caso já alimenta ações coletivas e uma possível investigação da CVM por “falha material de transparência” e “conflito de interesse entre originação e distribuição”. A XP prepara um fundo exclusivo para os investidores que acreditam que podem recuperar ao menos parte dos prejuízos caso a empresa se recupere.


*Proteção à Justiça*


Diante do colapso, a Ambipar recorreu à Justiça. Em 24 de setembro, ingressou na 3ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro com um pedido de proteção temporária contra credores. Os bancos reclamaram. A decisão liminar suspendeu execuções e cláusulas de aceleração por 30 dias, prorrogáveis. Na petição, a companhia alegou “abuso de poder contratual” e “distorção da finalidade do hedge”.


O controlador da Ambipar também tornou pública uma carta endereçada ao conselho em 10 de outubro. Borlenghi Junior afirmou que Bradesco e Opportunity teriam vendido ações de sua titularidade em violação a liminar judicial. As operações, segundo ele, reduziram sua participação de 73,48% para 67,68%, causando perdas de R$ 20 bilhões de marketcap (US$ 3,4 bilhões). Em resposta, o Opportunity alegou não ser credor do FIP Everest, apenas cotista minoritário, sem poder de execução. O Bradesco, até o momento, não se manifestou publicamente.


Um pedido formal de recuperação judicial por parte da Ambipar é considerado iminente e poderá ser apresentado brevemente. A medida daria fôlego ao caixa da Ambipar, preservaria empregos e permitiria que a operação de emergência e gestão de resíduos continue funcionando enquanto o grupo negocia com os credores e tenta se reerguer.


A crise da Ambipar deixou de ser apenas financeira. A empresa ingressou com ação criminal no Tribunal de Justiça de São Paulo contra João Arruda e outros dois executivos. O processo investiga falsidade ideológica, fraude, estelionato e manipulação de informações na montagem do hedge com o Deutsche Bank.


Procurado, o ex-diretor financeiro da Ambipar não deu entrevista. Mas, em nota, David Rechulski, seu advogado de defesa, afirma que o inquérito policial representa “mais um movimento errático” da Ambipar, dentro de uma sequência de tentativas anteriores de atribuir responsabilidades indevidas a Arruda. Segundo ele, a Ambipar teria imputado ao seu cliente a assinatura de documentos que, na verdade, foram firmados por outros executivos. Entre eles, um termo de cessão do Bank of America ao Deutsche Bank — “assinado pelo próprio filho do controlador e diretor estatutário da empresa” — e o aditivo contratual com o Deutsche, “rubricado pelos diretores estatutários Thiago Silva e Luciana Barca”.


Rechulski diz ainda existirem mensagens do controlador, Tercio Borlenghi Junior, enviadas a Arruda “comemorando a assinatura do aditivo com o Deutsche Bank, que agora afirmam desconhecer”. “Narrativas falaciosas não resistirão às evidências”, conclui Rechulski. Nenhuma cópia de documento foi mostrada à reportagem e o advogado não comentou sobre as responsabilidades do próprio gestor financeiro da companhia, alvo do inquérito policial instaurado.


No fim, a promessa de governança global da Ambipar terminou nos tribunais — e o experimento da companhia com os green bonds tornou-se um exemplo dos riscos do mau uso da inovação financeira por João Daniel Piran de Arruda, pelo Deutsche Bank e pela XP.


https://www.brasilconfidencial.com.br/o-homem-que-causou-um-terremoto-no-mercado-financeiro/

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