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Leitura de sábado - ANAC

 Leitura de Sábado: Regulador não pode ser fardo adicional para setor aéreo, diz Faierstein/Anac


Por Luiz Araújo


Brasília, 16/10/2025 - O diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Tiago Faierstein, afirma que sua gestão terá como pilar o diálogo com o Congresso Nacional. Tendo assumido o posto há dois meses, o presidente avalia que, de forma equivocada, a agência se distanciou do Legislativo, o que teria enfraquecido o orçamento e levado ao desalinhamento entre a agenda regulatória e projetos parlamentares.


Em entrevista à Broadcast, Faierstein defende que a independência técnica não pode significar isolamento institucional e que o diálogo com o Executivo e o Legislativo é essencial para recompor o orçamento e garantir estabilidade regulatória. "A Anac tem excelência técnica, mas perdeu capacidade de articulação. Nosso papel é reconstruir essa ponte."


Com passagens pela Infraero, o diretor-presidente destaca que a estatal tem condições de recuperar protagonismo na aviação regional. "Após anos de déficit, ela conseguiu equilibrar as contas e hoje tem capacidade de investimento", afirma. Confira os principais trechos da entrevista:


Broadcast: Recentemente o senhor falou sobre a necessidade de equilíbrio do papel regulatório para que o setor aéreo não seja prejudicado. Como deve ser esse equilíbrio?


Tiago Faierstein: No fim do dia, o que queremos é melhorar o serviço para a população. A principal reclamação em relação às companhias aéreas é o preço da passagem. Há espaço para reduzir custos. Dois fatores impactam diretamente o valor das passagens. O primeiro é a oferta e procura: temos mais pessoas querendo viajar e menos aeronaves disponíveis, devido à manutenção, escassez de peças e atraso na entrega de novos aviões - uma situação global, não apenas do Brasil. O segundo ponto é o custo dolarizado: cerca de 60% das despesas do setor dependem do dólar. Quando a moeda sobe, o custo sobe. Mesmo com tarifas elevadas, os voos estão lotados, e as companhias enfrentam dificuldades financeiras. O objetivo é que a Anac não seja um fardo adicional para o setor, já pressionado por custos dolarizados e alta judicialização. Entre os temas em discussão, está a jornada dos tripulantes. Temos dialogado com o sindicato dos aeronautas em busca de um consenso. A ideia é equilibrar os interesses e manter a segurança e o bem-estar de todos.


Broadcast: A questão da judicialização está próxima de ser resolvida, certo? Já que há um julgamento em curso no STF que terá repercussão geral.


Faierstein: O Supremo vai decidir se prevalece o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) ou o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Se o STF entender que prevalece o CDC, pouco há o que fazer. Mas se prevalecer o CBA, teremos de atualizar a Resolução 400. A Anac pretende apresentar uma proposta de atualização ainda este ano, respeitando os prazos de consulta pública e de análise de impacto regulatório.


Broadcast: O Congresso se mostrou bastante crítico às companhias nos últimos anos. Não há risco de se opor a pautas como a flexibilização da jornada dos tripulantes?


Faierstein: A relação com o Congresso é de diálogo constante. Estamos próximos, trocando informações e sentindo a temperatura das pautas para evitar decisões desalinhadas. O objetivo é que a Anac seja o centro de consulta técnica antes de qualquer projeto de lei sobre o setor. Isso já está mudando. Passei nove meses entre a indicação e a sabatina no Senado, o que me permitiu circular, entender o ambiente e amadurecer o diagnóstico. A Anac tem reconhecida excelência técnica, mas se isolou nos últimos anos, deixou de dialogar com o Congresso. Esse isolamento foi prejudicial. Quando se deixa de conversar com o Congresso, perde-se orçamento e espaço na formulação de políticas públicas. O Congresso quer proximidade, quer ouvir, e é isso que estamos restabelecendo. Temos um programa de regulação responsiva, que ajusta o nível de normatização conforme o risco. Agora queremos aplicar o mesmo conceito à comunicação: conversar antes de publicar novas regras, antecipar informações ao Congresso e aos atores do setor. Assim, as demandas chegam mais amadurecidas e com menos ruído político.


Broadcast: O senhor vê perspectiva de que o problema de orçamento das agências seja superado nos próximos anos a partir dessa aproximação com o Congresso?


Faierstein: Esse é o principal foco do nosso trabalho. Já temos compromisso do presidente da Comissão de Infraestrutura e de lideranças da Câmara e do Senado para recompor o orçamento das agências reguladoras. Reativamos o Conselho das Agências Reguladoras Federais, que estava parado, e hoje temos uma pauta conjunta. Fui eleito vice-presidente, ao lado do diretor-geral da ANTT, Guilherme Sampaio. Estamos atuando de forma integrada com Aneel, Anvisa, Antaq, ANA e outras.


Broadcast: E com o governo, como será a relação?


Faierstein: A relação com o governo é de alinhamento e colaboração, especialmente com o Ministério de Portos e Aeroportos. A Anac foi criada para regular, certificar e fiscalizar, mas também para atuar de forma alinhada às políticas públicas do governo federal, como está previsto na sua lei de criação. Isso não compromete a independência técnica, pelo contrário: fortalece a atuação institucional. A agência precisa da política pública e do orçamento, e o governo precisa da Anac para executar suas diretrizes. Dialogar não é depender. A independência não deve ser confundida com isolamento. Eu costumo dizer que o diretor não está ali apenas para seguir normas, mas para dar rumo, direção e visão institucional.


Broadcast: Quais são as marcas pretendidas para sua gestão?


Faierstein: Nossa agenda não é quantitativa, baseada em número de resoluções ou regulamentos alterados. É qualitativa e estratégica. Queremos que o setor de aviação civil saia desta gestão melhor do que entrou: mais cidades atendidas, mais pessoas voando, companhias mais saudáveis. O foco é o olhar da sociedade. O crescimento do setor só se sustenta com um mercado equilibrado. E não existe aviação civil bem-sucedida no mundo sem apoio do Estado. Nosso trabalho será direcionado para as áreas em que a Anac tem controle efetivo e pode gerar resultados concretos. Vamos focar naquilo que está ao nosso alcance e que pode, de fato, produzir impacto positivo no setor.


Broadcast: Como o senhor avalia o papel dos aeroportos regionais para o avanço do setor?


Faierstein: O Programa Ampliar, criado pelo Ministério de Portos e Aeroportos, é fundamental. Ele estabelece uma mesa de negociação entre governo e concessionárias, oferecendo contrapartidas como extensão de prazo ou reequilíbrio contratual em troca da assunção de aeroportos regionais deficitários. Não se trata de obrigar as concessionárias, mas de criar incentivos. É uma política pública inteligente, semelhante à que originou a Infraero, que administrava aeroportos pouco atrativos à iniciativa privada até se tornarem rentáveis. A lógica agora é a mesma: fomentar o desenvolvimento da aviação regional com apoio estatal, até que esses ativos se tornem viáveis.


Broadcast: Qual é o papel da Infraero no atual contexto?


Faierstein: A Infraero é uma empresa pública financeiramente independente, com mais de R$ 2 bilhões em caixa e 51 anos de experiência técnica. Após anos de déficit, ela conseguiu equilibrar as contas e hoje tem capacidade de investimento. É um ativo importante do governo e pode voltar a ter protagonismo na execução de políticas públicas, como a construção, reforma e administração de aeroportos regionais. A ideia não é que ela gere lucro, mas que cumpra sua função social de desenvolver infraestrutura onde o setor privado não tem interesse imediato. O equilíbrio financeiro permite que a empresa use seu caixa para investir em projetos públicos, sem depender do Tesouro. A Infraero também presta serviços remunerados, como consultoria e operação sob contrato com prefeituras, o que ajuda a manter a sustentabilidade. O importante é que, com as contas equilibradas, o dinheiro em caixa possa ser direcionado a investimentos em aviação regional, cumprindo o papel público para o qual a empresa foi criada.


Contato: luiz.araujo@estadao.com


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