*Organograma do crime: veja as ligações das gestoras Reag e Altinvest com o PCC, segundo o Gaeco*
Profissionais de gestoras envolvidas na Carbono Oculto têm participações em negócios e assinaram documentos como representantes de fundos da organização, segundo o MPSP; Reag, Altinvest e executivos negam conexão com o crime e dizem colaborar com investigação
Operação Carbono Oculto é a maior feita até hoje contra a infiltração do crime organizado na economia formal
A relação das gestoras de recursos Reag Administradora de Recursos e Altinvest com o Primeiro Comando da Capital (PCC), revelada pela Operação Carbono Oculto, vai além da administração de fundos de investimentos ligados à organização criminosa, segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP). Os promotores disseram à Justiça que a Reag e alguns de seus sócios e diretores, bem como acionistas da Altinvest têm participações em negócios ligados à facção, entre outras conexões.
Procurada, a Reag afirmou em nota serem “infundadas as alegações que procuram associar sua atuação ou de seus diretores a práticas irregulares” (leia posicionamento completo abaixo). A Altinvest disse, também por meio de nota, repudiar “veementemente qualquer tentativa de associar a empresa ou seus profissionais ao crime organizado. Todas as participações societárias e atividades são devidamente registradas e realizadas dentro da legalidade” e que desde o início a empresa e seus executivos têm colaborado de “forma ampla e irrestrita” com as autoridades.
Porém, segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público estadual, Reag, Altinvest e pessoas ligadas a ambas as empresas criaram estruturas jurídicas e societárias, bem como estiveram à frente de fundos de investimentos, que dificultaram a identificação dos verdadeiros donos de ativos que pertencem ao crime organizado.
Além dessa ocultação, ao assinarem como representantes das gestoras em aquisições de negócios, os envolvidos viabilizaram juridicamente a entrada e saída de recursos ilícitos. Em alguns casos, participaram da gestão operacional de empresas adquiridas com esses fundos, que têm recursos “sem origem no sistema financeiro”, como afirma o MPSP.
Em documentos do Gaeco sobre a Operação Cassiopeia, que envolveu várias pessoas do mesmo grupo e foi deflagrada em março de 2023, há diferentes exemplos de tentativas de transações financeiras feitas pela facção em bancos como Santander e Safra. Sem que os depositantes conseguissem comprovar a origem dos recursos, os valores foram imediatamente reportados ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e devolvidos a seus donos, que fazem parte da organização criminosa, segundo o MP. Algumas transações superavam R$ 50 milhões.
As ligações entre Reag e o grupo, porém, não têm a mesma dinâmica. De acordo com o documento do Gaeco, a Reag, por exemplo, tem presença estruturada em operações com usinas de açúcar e etanol controladas pela organização criminosa no interior do Estado. A Reag Administradora de Recursos e Walter Martins Ferreira III, sócio da gestora até junho, aparecem como representantes legais da Usina Itajobi, de Catanduva (SP). A propriedade foi comprada por meio do fundo Mabruk II, gerido pela Reag e cujos recursos, de acordo com o MPSP, são de Mohamad Mourad, principal suspeito de lavagem de dinheiro do PCC.
Conhecido como “Primo”, Mourad é descrito como o “epicentro das operações”, e montou a rede criminosa com familiares, sócios e profissionais cooptados para fraudes fiscais, ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro. Ele e seu grupo são donos de uma série de negócios, sendo muitos de fachada. Além das usinas, há distribuidoras, formuladoras e postos de combustíveis, imóveis, empresas de logística e terminal portuário, sempre segundo a denúncia. Mourad, que teve a prisão decretada, está foragido.
Procurado, o advogado de Mohamad Mourad nega a prática de qualquer ilícito, e afirma que provará sua inocência no curso da investigação. “Mohamad tem sido alvo de ilações e conjecturas injustas. São afirmações infundadas, que não encontra respaldo em nenhuma prova dos autos, é que foi criada apenas com a finalidade de atingir a reputação de empresas que atuam licitamente no mercado. Até o momento, não existe nenhum indício sequer que permita extrair qualquer ligação com as atividades ilícitas do PCC”, escreveu a defesa, em nota.
Os nomes da Reag e de Ferreira III figuram como representantes da Usina Itajobi numa procuração pública anexada ao pedido de quebra de sigilo contra os acusados, apresentado à Justiça pelo Gaeco. O documento é um dos que serviram de base à Operação Carbono Oculto. Quem assina essa procuração pública como representante da Reag Administradora é Ramon Dantas, diretor executivo da principal empresa do grupo, a Reag DTVM.
Segundo a Reag, seus executivos respeitam a legislação em vigor e seu patrimônio e atos não se confundem com os da gestora. Procurado, Ferreira III disse não ser gestor de fundos, “jamais ter cometido qualquer irregularidade, que está à disposição das autoridades e comprovará sua inocência.” Dantas não respondeu a pedido de entrevista, feito por meio da Reag.
Diretor de compliance e lavagem de dinheiro da Reag era gestor da Itajobi
Ferreira III tem papel mais ativo no negócio, de acordo com o Gaeco. Ele figura na procuração pública como diretor administrativo, financeiro e comercial da Usina Itajobi. Ferreira III foi eleito, em novembro do ano passado, diretor de compliance e lavagem de dinheiro da Reag e deixou a gestora em junho de 2025.
Na investigação, Dantas aparece ainda como representante da Reag em operações imobiliárias envolvendo a Urban Prime, que pertence ao fundo Zurich e recebeu imóveis ligados à organização criminosa, segundo o Gaeco. Assina ainda como representante do Fundo Participation na sociedade de participações Monroy West Agro, ao lado de Armando Houssein Ali Mourad, irmão de Mohamad. Dantas aparece também como representante de outros fundos com participações ou sociedades ligadas a esse grupo, de acordo com a investigação do Gaeco, que tem nada menos do que 10 mil páginas.
Um terceiro sócio da Reag, Silvano Gersztel, assina pela gestora como representante do fundo Mabruk II (de Mourad), no contrato de aquisição da Usina Itajobi. O Gaeco diz que, além de integrarem os quadros da Reag, Dantas e Gersztel “atuaram em circunstâncias absolutamente imprescindíveis para a operacionalização dos fundos de investimento para os propósitos do grupo Mohamad”. Gersztel também não respondeu ao pedido de entrevista, feito reiteradas vezes à Reag.
A Itajobi enviou um comunicado no qual diz colaborar ativamente com as autoridades para o esclarecimento dos fatos, “convicta que sua reputação não será abalada e os fatos serão devidamente esclarecidos”. Também afirma que a empresa existe há mais de 40 anos, tem 900 funcionários, mas não respondeu a perguntas específicas sobre a presença de Ferreira III em sua diretoria ou da ligação com o PCC.
Mourad se apresentou, numa reportagem no site da Associação dos Fornecedores de Cana da Região de Catanduva, em dezembro de 2023, como João Mourad, sócio proprietário da Usina Itajobi, detalhando planos para a empresa. Como mostra o documento do Gaeco, também comprou uma casa de alto padrão em Catanduva, com o uso do fundo Toronto. Já as mobílias foram compradas por meio de uma empresa laranja.
Ferreira III, Gersztel e Dantas também são sócios da RPN Partners Participações, uma holding de instituições não-financeiras, que funciona no mesmo endereço de outras sete empresas que têm alguma ligação com Mourad, segundo o MPSP. Tanto a RPN quanto essas outras companhias funcionam na Rua Conselheiro Saraiva, 229, em Santana, na zona Norte da cidade.
O compartilhamento de endereços é prática comum a diferentes empresas do grupo conectado a Mourad, segundo o Gaeco. Para o MP estadual, essa prática facilita a triangulação de notas fiscais, a simulação de operações comerciais e a lavagem de capitais.
A Reag não é a única gestora a ter sócios próximos da organização criminosa, segundo o MP. A denúncia mostra que Rogério Garcia Peres, sócio da Altinvest, empresa especializada em estruturação e gestão de fundos de investimentos, também participa de alguns empreendimentos ligados ao grupo investigado.
Peres, por exemplo, faz parte do conselho de administração da Rede Sol Fuel, distribuidora de combustíveis que tem ligações, segundo o MPSP, com o grupo de Mourad. Peres também é sócio de postos de combustíveis em Catanduva (SP) e Araçatuba (SP) com Valdemar de Bortoli Junior, acionista e presidente da própria Rede Sol.
A Altinvest afirmou, em nota, que Peres jamais operou postos de combustíveis. “Ele apenas adquiriu da BR Distribuidora alguns imóveis para investimento nos quais funcionavam antigos postos BR desativados, dentro de um programa de desmobilização da BR Distribuidora que contemplou a alienação para diversos investidores de mais de 600 imóveis em nível nacional, com o objetivo de reformá-los e destiná-los para venda a operadores de postos bandeirados BR, mantendo apenas a propriedade do imóvel para recebimento de futura locação comercial, prática de investimento comum no mercado. Esses investimentos são de natureza imobiliária, não operacional, efetuados de forma lícita e devidamente declarados”.
Segundo a empresa ainda, ele atuou na Rede Sol Fuel “apenas prestando serviços jurídicos e como conselheiro independente, não se envolvendo na gestão executiva ou no dia a dia dos negócios da companhia, nem mesmo possuindo qualquer envolvimento com as atividades econômicas ou empresariais conduzidas pelos seus clientes”.
Além disso, de acordo com a nota, Peres tem trajetória profissional de “mais de 25 anos no direito tributário e como executivo em mercado de capitais, como advogado e professor, sem qualquer histórico de participação no setor de combustíveis e qualquer envolvimento com atividades ilícitas. Ao longo de sua carreira, foi conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) em Brasília por dois mandatos, além de ter ocupado funções de liderança em entidades de classe, como a Comissão Jurídica Tributária da Febraban e o Comitê de Assuntos Tributários da ABBI”, além de ser professor no Insper.
O próprio Peres diz, em comunicado, que “desde o início, tem colaborado integralmente com as autoridades competentes. Confia que todos os fatos serão devidamente esclarecidos pelas instâncias responsáveis.”
Ricardo Saldanha, advogado da Rede Sol e de Bortoli Junior, afirma que a empresa é um condomínio no qual 22 distribuidoras autorizadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e habilitadas a operar dentro do Estado de São Paulo ficam abrigadas, em Jardinópolis (SP). Segundo ele, a informação de que a rede é ligada ao grupo de Mohamad Mourad é “inverídica”, já que ele não aparece no contrato social de nenhuma dessas 22 empresas que fazem parte do condomínio. “A empresa e Bortoli Junior estão colaborando com as investigações e esperam que os fatos sejam devidamente esclarecidos”, afirmou Saldanha.
Porém, as distribuidoras Duvale, Estrela e outras quatro classificadas nas investigações como “laranjas” da operação de Mourad, funcionam no endereço da Rede Sol. Inativa em 2020, a Duvale movimentou R$ 2,79 bilhões no ano seguinte. Seria um indicativo de que a empresa teria substituído a distribuidora Aster, que foi alvo da operação Cassiopeia e fechada no ano passado.
O fundo Mabruk II também adquiriu R$ 30 milhões em notas comerciais da Rede Sol, que também vendeu caminhões à Blue Star Locação de Equipamentos. Segundo o MP, a Blue Star é uma empresa de fachada de Mourad, criada para blindar seu patrimônio, que tem 1.026 veículos pesados registrados sob sua titularidade.
Além de Peres, Lucas Pimentel de Oliveira Filho, que foi sócio da Altinvest e da Reag Trust Partners, aparece ligado ao grupo. De acordo com os documentos, ele figurava como diretor de operações da Stronghold Infra Investments, estrutura financeira que está por trás da aquisição da operação portuária do grupo no porto de Paranaguá.
Procurado, Oliveira Filho disse ter atuado profissionalmente na Stronghold “por um curto período e não mantém vínculo atual com a companhia.” Ele diz ainda repudiar “de forma categórica qualquer associação de seu nome a operações ou condutas irregulares.”
Já a Reag disse que além de considerar as alegações do MPSP infundadas, “todas as suas atividades seguem integralmente a legislação aplicável, em especial a Resolução CVM nº 175/2022 e a Lei nº 8.668/1993, que regulamentam os fundos de investimento imobiliário. De acordo com essas normas, cabe ao administrador representar legalmente o fundo em atos de natureza societária, contratual e registral. Assim, eventuais assinaturas de diretores da administradora ocorreram exclusivamente na condição de representantes legais dos fundos por ela administrados, e nunca em nome próprio ou em nome da Reag”, disseram.
De acordo com a nota da empresa, a mesma lei também “estabelece que os bens e direitos integrantes dos fundos não se confundem com o patrimônio da administradora, não integram seu ativo e não respondem, direta ou indiretamente, por obrigações da instituição”.
Para a gestora, todos “os atos praticados pelos diretores da Reag relacionados a imóveis ou direitos pertencentes aos fundos sob sua administração foram realizados estritamente em nome desses fundos e em cumprimento rigoroso às normas legais e regulatórias”.
https://www.estadao.com.br/amp/economia/gestoras-reag-altinvest-pcc/
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