*Leitura de Sábado:com moratória da soja, varejo europeu ameaça avaliar tradings individualmente*
Por Gabriel Azevedo
São Paulo, 05/09/2025 - Grandes redes varejistas e empresas alimentícias da Europa enviaram uma carta aos presidentes globais das maiores tradings de soja ameaçando avaliar individualmente cada empresa caso a Moratória da Soja seja suspensa no Brasil. O documento, obtido com exclusividade pelo Broadcast Agro, é assinado por gigantes como Tesco, Sainsbury's, Marks & Spencer, ASDA, Lidl, Aldi e Co-op, e representa a mais contundente pressão internacional desde que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) suspendeu práticas coletivas do acordo em 18 de agosto.
"Na ausência de um mecanismo setorial como a Moratória da Soja da Amazônia, avaliaremos o desempenho de cada empresa individualmente segundo nossas próprias políticas de compras", diz a carta enviada nesta sexta-feira (5) aos CEOs Juan Luciano (ADM), Greg Heckman (Bunge), Brian Sikes (Cargill), Michael Gelchie (Louis Dreyfus) e Wei Dong (Cofco International).
O documento, com cópia para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, e o diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), Sérgio Mendes, faz duas exigências específicas às tradings. Primeira: "reafirmar publicamente a data de corte de 2008 para a Amazônia em todas as compras de soja - diretas e indiretas - no bioma amazônico, consistente com seus próprios compromissos, políticas e obrigações legais individuais". Segunda: manter a conformidade através de "medida de conformidade interina em base de empresa individual até que uma solução de longo prazo seja garantida".
A carta surge em momento de múltiplas frentes de batalha jurídica sobre o acordo. O Cade abriu processo administrativo contra 30 empresas e duas entidades setoriais por suspeita de cartel, suspendendo auditorias conjuntas e troca de informações do Grupo de Trabalho da Soja (GTS). A decisão foi revertida por liminar da 20ª Vara Federal do Distrito Federal em 26 de agosto, mas o órgão antitruste recorrerá. Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga quatro ações contra leis estaduais que retiram incentivos fiscais de signatários da moratória. O julgamento da lei de Mato Grosso foi suspenso por pedido de vista do ministro Edson Fachin, com placar parcial de 3 a 1 pela constitucionalidade.
"Estamos escrevendo a vocês em momento crítico para o futuro da Moratória da Soja da Amazônia - uma iniciativa que suas empresas defenderam, protegendo a Amazônia por quase duas décadas e corretamente aclamada como uma das medidas de conservação mais significativas deste século", afirma a carta.
Os varejistas dizem que "proteger a Amazônia permanece parte crucial de nossos esforços coletivos para atingir nossas metas climáticas e manter a credibilidade internacional do Brasil como pilar responsável na agricultura global".
Os signatários reconhecem a liminar obtida pela Abiove, mas alertam que "ação é necessária para remover qualquer incerteza de mercado neste período sobre as proteções deste ecossistema vital". O documento cita que "o próprio Cade confirmou que empresas podem continuar aplicando a data de corte de 2008 independentemente e em linha com a legislação nacional".
Sobre a decisão de agosto do Cade, os varejistas afirmam: "O anúncio de agosto pela autoridade de concorrência do Brasil de suspender a Moratória da Soja da Amazônia representa séria ameaça a este acordo vital. Acolhemos seus esforços para recorrer da decisão e defender sua legalidade."
A pressão ocorre dois meses antes da COP30, em Belém (PA), e três meses antes da entrada em vigor da Regulamentação Europeia de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR). As empresas afirmam que suas políticas individuais "tipicamente refletem os benchmarks independentes amplamente reconhecidos para fornecimento responsável de soja, que incluem a data de corte de 2008 na Amazônia".
A carta inclui ressalva jurídica explícita: "Para evitar dúvidas, esta carta não constitui acordo entre concorrentes: espera-se que cada destinatário determine sua própria abordagem independentemente, e cada signatário avaliará o desempenho do fornecedor individualmente e em linha com suas próprias políticas de compras."
Além das já citadas, assinam o documento: Waitrose, Morrisons, Ocado, 2 Sisters Food Group, Avara Foods, The Compleat Food Group, Cranswick, Dunbia, Kepak, National Pig Association (NPA), Dew Valley, Greencore, Park Cakes, Princes Group, Samworth Brothers, Sofina e Troy Foods. Juntas, essas empresas representam parte substancial do mercado consumidor europeu de produtos derivados de soja, especialmente na alimentação animal para produção de carnes, ovos e laticínios.
A moratória, criada em 2006, proíbe a compra de soja de áreas da Amazônia desmatadas após julho de 2008. No ciclo 2022/23, o monitoramento identificou 7,3 milhões de hectares de soja no bioma, dos quais 250 mil hectares estavam em desacordo. As tradings coordenam o pacto através da Abiove e Anec, que defendem o acordo como essencial para acesso ao mercado europeu. Produtores representados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e federações estaduais consideram o mecanismo uma "dupla penalização" além do Código Florestal.
Contato: gabriel.azevedo@estadao.com
Broadcast+
Comentários
Postar um comentário