*Leitura de Domingo: juros sugerem apostas sobre cenário eleitoral, diz Leal, da G5 partners*
Por Renata Pedini e Maria Regina Silva
São Paulo, 10/09/2025 - Os investidores estão fazendo algumas apostas em relação ao cenário eleitoral de 2026 e o debate já pode estar influenciando os negócios com juros futuros, como indicam os níveis mais baixos das taxas projetadas entre 2027 e 2030, período do próximo mandato presidencial, segundo o economista-chefe da G5 Partners, Luis Otávio de Souza Leal.
Em entrevista à Broadcast, ele menciona que o mercado tende a preferir candidatos que façam oposição ao governo atual, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas destaca que um dos potenciais concorrentes ao comando do Executivo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), assustou o mercado ao defender a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro e atacar o Supremo Tribunal Federal em manifestação na Avenida Paulista no último fim de semana.
"Ele era visto como um bolsonarista técnico, não político, que poderia transitar. Fazer a ponte entre o bolsonarismo radical e o STF", disse Leal, para quem a melhor aposta do mercado deveria ser o governador Ratinho Júnior (PSD), menos associado a Bolsonaro.
"Não me surpreenderia se o Ratinho Júnior virasse o cavalo da vez. Além de Tarcísio estar se desgastando com esse negócio do Bolsonaro, ele foi para vidraça muito cedo", acrescentou.
Foto: Divulgação/G5 Partners
Broadcast: O mercado antecipou o debate eleitoral de 2026?
Luis Otavio de Souza Leal: "Antecipação" é muito forte, mas já há algumas apostas. Talvez uma indicação seja a curva de juros. Com o nível de juros muito alto que temos, o normal é uma curva inclinada. Há uma barriga [taxas mais baixas] na curva de juros exatamente entre 2027 e 2031, que é o próximo mandato. Não sei se isso é coincidência ou exemplo de que já existem algumas apostas.
Broadcast: E a valorização do real frente ao dólar, tem a ver com a política?
Leal: O fato de o dólar estar perto de R$ 5,40 tem pouco a ver com especulações em torno da eleição. Estimo que é a combinação de dólar mais fraco no exterior, após um exagero ao final do ano passado, e juros muito altos aqui dentro. Muitos dizem que o juro de 15% no Brasil, devido ao diferencial de taxas externa e interna, incentiva o carry trade, e que o investidor toma dinheiro lá fora para aplicar aqui. Não é esse o principal fator do dólar a R$ 5,40. Se fosse, não teríamos um fluxo negativo que é recorde histórico. O juro de 15% retira o especulador do mercado, porque o custo de oportunidade de ele apostar contra o real é muito grande. Tem que ter certeza para fazer uma posição comprada em dólar, que daqui a 12 meses o real teria que se desvalorizar mais do que 15%, com um dólar algo próximo de R$ 6,20. É uma aposta arriscada. Além disso, desde o final do ano passado houve um desmonte de hedge, ou apostas contra o real.
Broadcast: Como o senhor avalia as manifestações do 7 de Setembro em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro?
Leal: O mercado tem reagido a notícias. Quando sai uma pesquisa favorável ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tem um dia bom. Favorável ao presidente Lula, um dia ruim. Acho que o mercado se assustou com a elevação do tom do Tarcísio na manifestação. Ele era visto como um bolsonarista técnico, não político, que poderia transitar. Fazer a ponte entre o bolsonarismo radical e o STF. E apaziguar um pouco o cenário de polarização. Houve reação do STF, reportagens mostrando que os ministros ficaram assustados com as declarações dele e posição na figura do Gilmar Mendes, que é o decano. Rebateu item por item, e ainda deu o recado sobre a posição do STF com relação à anistia, na linha de que quem atentou contra a democracia não tem direito a anistia. O mercado se assustou com a possibilidade de, se Tarcísio for eleito, continuarmos nessa crise institucional.
Broadcast: Tarcísio é o candidato com maior aceitação no mercado financeiro?
Leal: Para mim, a melhor aposta do mercado deveria ser o Ratinho Júnior. A carreira política dele não tem nenhuma ligação com a do Bolsonaro. Óbvio que ele nadou nas águas bolsonaristas, mas foi eleito governador do Paraná no mesmo ano em que Bolsonaro venceu para presidente. Tem algo a oferecer. É bem avaliado. Tem algo de diferente do Zema [Romeu, governador de MG] e do Caiado [Ronaldo, governador de GO]. Inclusive melhor que o Tarcísio, que é conhecido aqui em São Paulo e não no Nordeste. O pessoal confunde ele com o pai dele, o Ratinho. Então, ele já é 'conhecido' de antemão no Nordeste. Não me surpreenderia se o Ratinho Júnior virasse o cavalo da vez. Além de Tarcísio estar se desgastando com esse negócio do Bolsonaro, ele foi para vidraça muito cedo.
Broadcast: E na economia, está mais difícil projetar cenário com Trump nos EUA?
Leal: No Brasil, a vida está mais certa. Os modelos econômicos começaram a ficar mais aderentes de novo à realidade. A pandemia bagunçou modelos econômicos, por isso os economistas erraram tanto. Nos EUA, está mais difícil, porque há uma volatilidade que não existia. Na questão das tarifas, há uma discussão grande sobre inflação. Muitos tentam achar uma similaridade com o que ocorreu no primeiro mandato de Trump, que foi uma mudança no nível de preço, e não inflação. Mas subestimamos um pouco o fato de que, no primeiro mandato, os EUA estavam há praticamente 40 anos sem ter inflação.
Broadcast: E o tarifaço?
Leal: Três motivos. Um é a segurança nacional. Trump foi presidente na pandemia e viu o quanto os EUA dependem de produtos externos para sobreviver. Coloca em siderúrgicos, base para qualquer indústria, farmacêuticos, que dependem de insumos, semicondutores, que são o futuro. A segurança nacional é mais importante que a questão da criação de empregos. O segundo motivo, talvez no curto prazo até mais importante, é a arrecadação. Com o Big Beautiful Bill, a expectativa é de aumento do déficit americano. Assim a arrecadação é uma forma de compensar. Na minha visão, Trump não vai voltar atrás porque não pode, já que precisa do dinheiro. O terceiro motivo é pitoresco, voltar para uma época dourada que ele acha que ocorreu na virada do século 19 para o 20, no governo William Mackenzie.
Broadcast: Vê chance de mais exceções aos produtos brasileiros?
Leal: A missão empresarial a Washington mostrou que a questão é política. O que pode resolver no curto prazo? O Congresso aprova a anistia e o Supremo não barra. No médio, que um candidato de oposição a Lula seja eleito e normalize. A relação Brasil-EUA vai ser um mote de campanha. Ainda pode ter alguma coisa, algumas exceções.
Broadcast: E quanto aos juros nos EUA? Trump ataca o Federal Reserve...
Leal: Nunca houve um ataque tão grande à independência do Federal Reserve como vemos agora. O que vai acontecer se o Fed reduzir os juros sem ter que fazer isso? Qual será o impacto nos ativos no mundo? Externamente, há dúvidas. Tenho mais medo do que dúvida.
Broadcast: Por quê?
Leal: Há um risco grande. Vou colocar minha preocupação em números. O Fed tem três estruturas. A primeira é o board, com sete integrantes, incluindo o presidente, Jerome Powell. A segunda são os 12 dirigentes regionais. E a terceira, o Fomc, do qual participam os 19, sendo cinco dos regionais votantes e rotativos, com exceção do de Nova York, que sempre vota. Trump já tem dois membros. Michelle Bowman, que colocou como vice-presidente, e Stephen Miran, que era chefe dos assessores econômicos e agora, diretor. Está tentando tirar a Lisa Cook. Se conseguir, são três votos e pode ter quatro, com a substituição do presidente Jerome Powell, cujo mandato termina em maio. Ano que vem é importante porque é de renovação dos mandatos dos 12 presidentes do Fed. Eles indicam a renovação ou não, mas quem dá a palavra final é o board. Com Trump tendo maioria, basta ele mudar os cinco que votam, e pode fazer a política monetária que ele quiser.
Broadcast: E no Brasil, o Banco Central está blindado contra pressões?
Leal: Há sempre a história de que quando a pessoa senta na cadeira tem um sentimento de pertencimento. O presidente Gabriel Galípolo entrou em meio a dúvidas quanto à postura dele, que é o 'menino de ouro' de Lula, mas tem um desempenho bastante razoável. Ele criou uma reputação.
Broadcast: E o Copom de setembro?
Leal: Manutenção. Com relação ao BC americano, dirá o que sempre diz. Não existe relação mecânica entre a política monetária no Brasil e nos Estados Unidos. Com relação à atividade, deve dizer que continua desacelerando como esperado para a política monetária, mas que as expectativas de inflação estão desancoradas. A inflação está desacelerando na margem, mas continua incompatível com a meta. Justificar a manutenção dos juros está fácil. Estimo redução em janeiro e 12,50% ao final de 2026. E espero 10,50% em 2027.
Broadcast: Com juro menor nos EUA e, ainda, chances de redução no Brasil, o Ibovespa pode deslanchar?
Leal: A Bolsa é um exemplo clássico onde a questão eleitoral terá um peso elevado. Estamos num cenário muito binomial. Se aumentarem as chances de o presidente Lula ganhar a eleição em 2026, haverá uma piora muito grande. Se o Tarcísio ou outro candidato da oposição começar a aparecer bem nas pesquisas, há possibilidade de a Bolsa disparar. O que vai definir o Ibovespa no ano que vem é muito mais o cenário eleitoral do que qualquer outra coisa. Obviamente a questão dos juros caindo no Brasil em 2026 ajuda também. O divisor de águas será eleitoral.
Broadcast: Nesse ambiente, o dólar deve continuar a perder valor?
Leal: Sim. Até porque, se eu estiver correto, a política monetária americana será mais frouxa do que é agora. Mas a moeda americana não vai deixar de ser referência porque não há outra substituta.
Contato: reginam.silva@estadao.com; renata.pedini@estadao.com
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