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Deu no NYT

 DEU NO NEW YORK TIMES 


[O BRASIL CONSEGUIU O QUE OS ESTADOS UNIDOS NÃO CONSEGUIRAM]


Em tempos em que democracias vacilam diante de líderes que não aceitam a derrota eleitoral, o Brasil trilhou um caminho que os Estados Unidos não ousaram percorrer: levou à Justiça — e condenou — um ex-presidente, quatro milicos militares e dois milicos civis que conspiraram contra a ordem constitucional. 


No artigo publicado hoje (12/9) pelo New York Times, Filipe Campante e Steven Levitsky (autor de Como as Democracias Morrem) se reúnem para refletir sobre os limites do poder e a coragem das instituições.


Uma leitura indispensável sobre o contraste entre duas nações e o futuro da democracia.


Introdução e tradução: Edward Magro 


*****


O Brasil conseguiu o que os Estados Unidos não conseguiram


Por Filipe Campante e Steven Levitsky no NYT 


Na quinta-feira (11/9), o Supremo Tribunal Federal do Brasil fez o que o Senado e os tribunais federais dos Estados Unidos tragicamente não fizeram: levou à Justiça um ex-presidente que atacou a democracia.


Em uma decisão histórica, o Supremo decidiu, por 4 votos a 1, condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro por conspiração golpista e tentativa de golpe após sua derrota nas eleições de 2022. Ele foi sentenciado a 27 anos de prisão. A menos que consiga um recurso bem-sucedido — o que é improvável —, Bolsonaro se tornará o primeiro líder golpista da história do Brasil a cumprir pena em regime fechado.


Esses acontecimentos contrastam fortemente com os Estados Unidos, onde o ex-presidente Trump, que também tentou derrubar uma eleição, não foi enviado à prisão, mas sim de volta à Casa Branca. Trump, talvez reconhecendo a força desse contraste, chamou o processo contra Bolsonaro de “caça às bruxas” e descreveu sua condenação como “uma coisa terrível. Muito terrível”.


Mas Trump não se limitou a criticar os esforços do Brasil para defender sua democracia: ele também puniu o país. Citando o processo judicial contra Bolsonaro antes mesmo de a decisão sair, o governo Trump impôs uma tarifa exorbitante de 50% sobre a maioria das exportações brasileiras e aplicou sanções a vários funcionários do governo e juízes do Supremo. O ministro Alexandre de Moraes, que conduziu o caso, foi alvo de sanções especialmente severas com base na Lei Magnitsky Global.


Foi uma medida sem precedentes. O governo mirou um ministro da Suprema Corte de um país democrático com sanções até então reservadas a violadores notórios de direitos humanos, como Abdulaziz al-Hawsawi, implicado no assassinato em 2018 do colaborador do "Washington Post" Jamal Khashoggi, e Chen Quanguo, um dos arquitetos da perseguição do governo chinês à minoria uigur. Após o veredicto contra Bolsonaro, o secretário de Estado Marco Rubio reforçou a política de Trump (e a analogia), declarando que os Estados Unidos “responderiam adequadamente a essa caça às bruxas”.


Em resumo, o governo Trump procurou usar tarifas e sanções para intimidar os brasileiros a enfraquecer seu sistema judicial — e, com ele, sua democracia. Na prática, a administração americana está punindo o Brasil por fazer aquilo que os próprios EUA deveriam ter feito, mas não fizeram: responsabilizar um ex-presidente por tentar derrubar uma eleição.


As democracias contemporâneas enfrentam crescentes desafios de políticos e movimentos antiliberais que chegam ao poder pelo voto e depois subvertem a ordem constitucional. Líderes eleitos como Hugo Chávez na Venezuela, Recep Tayyip Erdogan na Turquia, Viktor Orbán na Hungria, Nayib Bukele em El Salvador e Kais Saied na Tunísia politizaram órgãos do Estado e os usaram para enfraquecer adversários e se consolidar no poder.


Uma lição dos anos 1920 e 1930 — a última vez em que democracias ocidentais enfrentaram ameaças internas desse tipo — é que forças antiliberais raramente jogam limpo nas eleições. Não hesitam em recorrer à demagogia, à desinformação e até à violência para conquistar e manter o poder. Como os liberais europeus aprenderam à época, a passividade diante dessas ameaças pode custar caro. Democracias não se defendem sozinhas: precisam ser defendidas. Mesmo os mecanismos constitucionais mais bem desenhados não passam de papel se não houver líderes dispostos a aplicá-los.


Na última década, Estados Unidos e Brasil enfrentaram ameaças antiliberais. As semelhanças são impressionantes. Ambos elegeram presidentes com instintos autoritários que, após perderem a reeleição, atacaram as instituições democráticas.


Trump violou a regra fundamental da democracia ao se recusar a aceitar a derrota nas eleições de 2020 e tentar anular os resultados em uma campanha que culminou na insurreição de 6 de janeiro de 2021.


Bolsonaro, político de extrema-direita eleito em 2018, inspirou-se fortemente no manual de Trump. Atrás nas pesquisas à medida que se aproximavam as eleições de 2022, Bolsonaro passou a questionar a integridade do processo eleitoral. Atacou repetidamente as autoridades eleitorais e tentou deslegitimar — e até eliminar — o sistema de votação eletrônica brasileiro. Disse que a única forma de perder seria por fraude, insinuando que uma vitória da oposição seria ilegítima.


Após perder por pequena margem para Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro, como era esperado, se recusou a admitir a derrota. Em 8 de janeiro de 2023, milhares de seus apoiadores invadiram o Congresso, o Supremo e o Palácio do Planalto. Embora a revolta tenha lembrado os eventos de 6 de janeiro nos EUA, o ataque de Bolsonaro à democracia foi além do de Trump. Apoiado na tradição de envolvimento militar na política brasileira, Bolsonaro — ex-capitão do Exército — cultivou alianças com setores das Forças Armadas. Sem um partido sólido ou base legislativa, apoiou-se nos militares.


Investigações da Polícia Federal revelaram abundantes evidências de que Bolsonaro e alguns aliados militares conspiraram para derrubar a eleição e impedir a posse de Lula. O complô teria incluído planos para assassinar Lula, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e o ministro Moraes. Felizmente, o alto comando do Exército, pressionado pelo governo Biden, recusou-se a aderir à tentativa de golpe.


Assim, tanto nos EUA quanto no Brasil, presidentes eleitos atacaram instituições democráticas para se manter no poder após perder a reeleição. Ambos fracassaram — a princípio.


É aqui que as histórias passam a divergir. Os americanos fizeram pouco para proteger sua democracia do líder que a havia atacado. Os tão exaltados freios e contrapesos constitucionais do país não conseguiram responsabilizar Trump. A Câmara aprovou seu impeachment em janeiro de 2021, mas o Senado o absolveu, permitindo que ele concorresse de novo. O Departamento de Justiça demorou quase dois anos para abrir processo contra Trump. Ele foi indiciado em agosto de 2023, mas a Suprema Corte, sem pressa, deixou o caso se arrastar. Em julho de 2024, decidiu que presidentes têm imunidade total, inviabilizando o processo. O Partido Republicano nomeou Trump para a reeleição em 2024 e, quando ele venceu, os processos federais foram arquivados.


Essas falhas institucionais tiveram um custo enorme. O segundo governo Trump tem sido abertamente autoritário, usando o Estado como instrumento para punir críticos, ameaçar rivais e intimidar empresas, imprensa, universidades, escritórios de advocacia e organizações da sociedade civil. Tem contornado rotineiramente a lei e, por vezes, desafiado a Constituição. Menos de nove meses após o início do segundo mandato, os EUA já atravessaram a fronteira para o autoritarismo competitivo.


O Brasil seguiu outro caminho. Marcados pela memória da ditadura militar, juízes e líderes do Congresso perceberam cedo a ameaça representada por Bolsonaro. Como disse Moraes a um de nós: “Percebemos que podíamos ser Churchill ou Chamberlain. Eu não queria ser Chamberlain”.


Vendo-se como barreira contra o autoritarismo, os juízes reagiram com firmeza. Quando surgiram evidências de que a campanha de Bolsonaro usara desinformação em massa em 2018, o Supremo abriu o chamado Inquérito das Fake News, reprimindo agressivamente o que considerava desinformação perigosa. Moraes, que assumiu a presidência do TSE em 2022, liderou a ofensiva: suspendeu contas de ativistas pró-Bolsonaro em redes sociais, ordenou a remoção de conteúdos considerados ameaçadores à democracia, mandou revistar casas de empresários suspeitos de financiar golpe e até prendeu um deputado que pregava ditadura e a dissolução do tribunal (foi solto após nove meses). Medidas controversas no Brasil, e certamente destoantes da tradição liberal dos EUA, mas alinhadas a como Alemanha e outras democracias europeias regulam o discurso antidemocrático.


No dia da eleição, o TSE tomou medidas para garantir a lisura do processo: mandou desmontar barreiras ilegais montadas pela polícia rodoviária pró-Bolsonaro e anunciou rapidamente os resultados, sem dar tempo para contestação. Crucialmente, líderes de direita, incluindo governadores e chefes do Congresso, reconheceram de imediato a vitória de Lula.


Depois do 8 de janeiro, que deixou clara a ameaça de Bolsonaro, os tribunais agiram com firmeza para barrar seu retorno ao poder. Em junho de 2023, o TSE cassou seus direitos políticos por oito anos, inviabilizando uma candidatura em 2026. Em fevereiro de 2025, Bolsonaro foi formalmente acusado de conspiração golpista, no processo que resultou em sua condenação nesta quinta-feira.


Embora apoiadores tenham ido às ruas protestar, a maioria dos políticos conservadores aceitou o processo. Alguns criticaram o que chamam de “excessos judiciais”, outros ventilaram propostas de impeachment de ministros ou anistia a Bolsonaro e aos golpistas de 8 de janeiro, mas o Congresso — de maioria conservadora — não levou adiante essas ideias. De fato, muitos parecem satisfeitos em ver Bolsonaro fora de 2026, o que abre espaço para um candidato mais convencional da direita.


Ao contrário dos EUA, as instituições brasileiras agiram com rapidez e eficácia para responsabilizar um ex-presidente. É justamente essa eficácia que colocou o país na mira de Trump. Sem saída no Brasil, Bolsonaro buscou apoio em Washington. Seu filho Eduardo pressionou a Casa Branca durante meses. Trump, que dizia que o caso “se parecia muito com o que fizeram comigo”, foi convencido.


Ao tentar intimidar autoridades brasileiras para livrar Bolsonaro, o governo Trump rompeu quase quatro décadas de política americana para a América Latina. Desde o fim da Guerra Fria, os EUA vinham defendendo a democracia na região — como mostrou o apoio de Biden contra o golpe de Bolsonaro. Agora, em uma guinada que lembra as intervenções antidemocráticas da Guerra Fria, o país tenta subverter uma das democracias mais importantes da região.


Com todas as suas falhas, a democracia brasileira hoje é mais saudável que a americana. Conscientes do passado autoritário do país, juízes e políticos brasileiros não tomaram a democracia como garantida. Já suas contrapartes nos EUA falharam. Em vez de minar os esforços do Brasil, os americanos deveriam aprender com eles.

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Filipe Campante é professor de Economia na Johns Hopkins. Steven Levitsky é professor de Ciência Política em Harvard e autor, com Daniel Ziblatt, de "Tyranny of the Minority" (A Tirania da Minoria) e "How Democracies Die" (Como as Democracias Morrem).


(*) Livre tradução por minha conta e risco


Edward Magro 


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