Estando aposentado, tenho que me apresentar em pessoa todos os anos à administração da Universidade para confirmar que ainda estou vivo, para desgosto deles.
Fiz isso hoje. Tive que assinar alguns papéis onde era tratado como Sr., só Sr, nada mais. Quando fui professor ali, toda a documentação a mim dirigida usava o tratamento Ilmo. Sr. Prof. Dr.
O que essa mudança indica? Muito. Pra começar, que a administração da Universidade não sabe a diferença entre função, cargo e título.
Função é uma atividade, simplesmente, cargo é uma posição regulada por leis que definem sua amplitude, pré-requisitos, modos de acesso e outras características que a singularizam, título é uma distinção acadêmica conquistada pelo seu titular por mérito comprovado.
Eu era professor na Universidade, essa era a minha função. Meu cargo era o de Professor Titular, o mais alto, conquistado em concurso público de títulos e provas. Meus títulos são Mestre, Doutor e Livre-Docente.
Ao me aposentar, eu abandonei minha função e meu cargo, mas preservei os meus títulos. Eu deveria, se a Universidade entendesse dessas coisas, continuar a ser tratado como Dr., ou Prof. Dr., se se entende, como de fato, que professor é a minha profissão.
Mas não se pode esperar, claro, que nossas universidades sejam permeáveis a essas sutilezas. Elas estão acima da compreensão deles.
Para comparação. Quando meu amigo Michael, que era inglês, obteve o seu doutorado em Berkeley, o consulado britânico de São Francisco, por iniciativa própria, recolheu o seu passaporte e emitiu um novo em que o seu nome era precedido por um Dr. Daquele dia em diante nunca mais o trataram senão por doutor.
Na Alemanha, todo cidadão titulado antepõe o título a seu nome e é assim tratado socialmente. Todas as vezes em que estive lá, sempre fui tratado por Herr Doktor, até pelo serviço de venda de ingressos da Ópera. Quando o indivíduo tem dois doutorados, fica Herr Dr. Dr.
No Brasil, o doutorado acadêmico não tem nenhum valor social, nem mesmo para as universidades que o concedem. Aqui, doutor é só o advogado de porta de cadeia, o médico ou pessoas consideradas socialmente elevadas.
Muitos anos atrás, quando do aluguel de um apartamento, no contrato de locação, o dono da imobiliária e o locatário, um professor primário, eram tratados por doutor, mas eu não, eu era só Sr. Porque se supunha que o proprietário era socialmente mais digno que o locador e mereceria o título. Por sacanagem, devolvi o contrato dizendo que não podia assiná-lo porque continha falsidade ideológica. Doutor aqui, eu disse, só eu. Eles o mudaram.
Isso é o Brasil.
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