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Bolivar Lamounier

 VERMELHO ATÉ  A MEDULA

Bolívar Lamounier

Em 1966, prosseguindo meus estudos de pós-graduação na UCLA, comecei a sentir que a saudade de casa batia mais forte. Em retrospecto, causa espanto a diferença entre os meios de comunicação de que hoje dispomos e os daquela época. De lá, eu podia telefonar, mas o custo era incompatível com a modesta bolsa de estudos com que me sustentava; e escrever cartas, cujas respostas levavam uma eternidade para chegar. Pegar um avião e vir por um breve período era impensável.

Fui ruminando tal situação até que um dia decidi solicitar e obtive de meu orientador licença para uma viagem um pouco mais demorada a Belo Horizonte. Ele compreendeu perfeitamente os meus motivos psicológicos, mas tratei de reforçá-los dizendo que pretendia colher dados para minha futura tese de doutoramento. 

O momento era alvissareiro, pois o Departamento de Ciência Política da UFMG acabara de entrar em funcionamento, e tudo indicava que viria a ser uma instituição de grande prestígio, como de fato aconteceu. Clara indicação disso foi que, no segundo semestre daquele ano, o DCP promoveria um seminário de ciência política, ao qual compareceria a nata internacional dessa área de estudos. Estaria também presente o representante da Fundação Ford no Brasil, Peter Bell, um grande benfeitor das ciências sociais em nosso país, com quem tive o privilégio de manter uma estreita amizade até o falecimento dele, em 2012. 


Do seminário propriamente eu não teria condições de participar, pois deveria retornar a Los Angeles para o semestre de outono, cujo começo praticamente coincidiria com a referida reunião. Preparei-me, pois, para a viagem de volta, mas não pude iniciá-la em razão de um fato imprevisto e desconcertante. No aeroporto do Galeão, no Rio, ao me apresentar no balcão da companhia aérea, fui informado de que meu visto de entrada nos Estados Unidos fora cancelado. No dia seguinte, fui bem cedo à Embaixada americana, que me instruiu a voltar a Belo Horizonte, uma vez que a ordem de cancelamento partira de lá; era, pois, ao Cônsul local que deveria me reportar. Tratei de estabelecer contato com o Peter Bell antes mesmo de embarcar para a capital mineira, o que, segundo me pareceu, a própria embaixada já havia feito. 


Em Belo Horizonte, fui rapidamente ao encontro do Peter Bell para pedir-lhe que me acompanhasse ao Consulado, o que ele de imediato se prontificou a fazer. O que se passou desse momento em diante, como antecipei, foi bizarro, para dizer o mínimo, e afetou o restante de minha vida.


O Consulado americano funcionava no oitavo andar de um prédio situado na esquina das ruas Guajajaras e Bahia, ao lado da lanchonete  Camponesa, uma referência  da culinária belorizontina daqueles tempos. Quando Peter Bell e eu nos apresentamos à recepção, o cônsul nos fez saber peremptoriamente que nos receberia um de cada vez, não juntos. Entrei primeiro, e bastaram-lhe cinco minutos para me dizer que não iria reconsiderar sua decisão. Que cancelara meu visto porque me considerava um perigoso comunista. Peter entrou em seguida e, na descida do elevador, contou-me rapidamente o que se passara na conversa dele com o Cônsul. Quarenta e um anos mais tarde, em 2007, ele fez o mesmo relato num depoimento prestado à revista dos veteranos da Fundação Ford (LAFF Society Newsletter, 52, 2007). 


The consul insisted on seeing Bolivar and me separately rather than together. When Bolivar emerged from his meeting, he did not utter a word, but looked crestfallen.  It was then my turn to go to the office. The consul shut the door and told me point blank that he could not possibly grant a visa to Bolivar. When I asked why, he said that it was because Bolivar was the real thing. I asked what that meant, and the consul responded: He is deep red. Having told me that, he admonished there was nothing more to be said.


With that, Bolivar and I took the elevator down to the ground floor of the building that housed the Consulate. As we got out, members of the Brazilian secret police seized Bolivar and manhandled him into the back of a covered truck. I tried to accompany him, but was pushed back. I went back to the Consulate again and demanded  an explanation. To no avail”. 


Os agentes e a direção do DOPS nada me disseram, nem perguntaram.  Fiquei quase três meses atrás das grades, sem qualquer comunicação oficial das autoridades. Era, naquele momento, o único preso político sem processo formado em todo o Brasil, com o que meu nome permanecia o tempo todo na imprensa. No documento acima citado, Peter Bell relata que os participantes do seminário internacional de ciência política, uma vez informados do local onde eu me encontrava, alugaram um ônibus e foram até lá; não conseguiram avistar-se comigo, mas conseguiram me ver, certificando-se de que estava vivo. Só quem conseguiu falar comigo foi Mário Brockman Machado, um grande amigo, à época um pós-graduando em Minas, que era advogado e tinha em mãos sua carteira de identificação da OAB. 


Finalmente liberado por meio de um habeas-corpus impetrado junto ao STM (Supremo Tribunal Militar), consegui retornar aos Estados Unidos, mas adianto-lhes que esse foi o episódio inicial de minha trajetória como um “perigoso comunista”, não obstante o teor convictamente  liberal de tudo o que escrevi em livros e pela imprensa por toda a minha vida.

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