*Faria Lima: briga expõe uso de dinheiro de investidores em papel encalhado*
19/08/2025 14h14
O principal assunto da Faria Lima nas últimas horas é o litígio em torno de uma das maiores securitizadoras do país acusada por um seus principais ex-executivos de usar irregularmente dinheiro de investidores para bancar um investimento de alto risco.
Em documento enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o ex-executivo da Virgo Companhia de Securitização Eduardo Levy acusa o controlador da empresa, Ivo Kos, de alocar irregularmente R$ 240 milhões de outros clientes em um fundo destinado a bancar a operação de CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários) que não encontrou demanda no mercado.
Segundo a denúncia de Levy à qual a coluna teve acesso, a operação em questão envolvia a emissão de um CRI, cuja primeira emissão seria de R$ 130 milhões, para financiar a construção de um hospital para a Oncoclínicas em Belo Horizonte, estruturado pela Cedro Participações.
Diante da falta de interesse dos investidores, segundo Levy, Kos teria garantido pessoalmente a colocação do papel e, não conseguindo cumprir a promessa, optou por utilizar recursos de outros CRIs sob gestão da Virgo.
A securitização do CRI da Oncoclínicas garantiria uma comissão para a Virgo; os recursos usados pertencem ao patrimônio de reserva de outros CRIs.
No contra-ataque, a defesa da Virgo nega qualquer irregularidade na operação. Ivo Kos acusa o ex-executivo Levy de ter decidido a realização da operação que agora denuncia e, em uma ação civil que a empresa ingressou contra ele, a ex-empregadora diz que o rompimento se deu por insatisfação do profissional com a sua remuneração.
Antes, uma tecla SAP:
Securitização: Transformação de direitos creditórios (como dívidas ou recebíveis) em títulos negociáveis no mercado de capitais. Empresas securitizadoras cobram um "fee" (comissão) sobre o valor total do negócio.
CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários): Título de renda fixa lastreado em créditos originários do setor imobiliário.
Patrimônio Separado: Recursos de titularidade exclusiva dos investidores, segregados do patrimônio da emissora/securitizadora para garantir segurança contra imprevistos. Conforme Resolução 60 da CVM, esses recursos precisam estar alocados em ativos de baixo risco e alta liquidez, caso precisem ser sacados numa emergência.
De acordo com a denúncia do ex-executivo, Kos deu uma garantia firme para a Cedro para o lançamento do CRI, mesmo com o mercado em condições desfavoráveis no momento.
Sem ter conseguido recursos de investidores, a Virgo teria criado um fundo chamado Allocation, para onde recursos do patrimônio separado dos outros CRIs foram transferidos, e este instrumento comprou o CRI da Oncoclínicas, considerado de risco mais alto.
Entenda os números:
R$ 240 milhões: Levy afirma que, no mínimo, R$ 240 milhões de recursos de patrimônios separados de outros CRIs/CRAs foram alocados no fundo "Allocation" para viabilizar a compra do CRI da Oncoclínicas.
R$ 130 milhões: segundo a denúncia de Levy, a Virgo decidiu lançar a primeira série do CRI da Oncoclínicas no valor de R$ 130 milhões para financiar a construção de um hospital em Belo Horizonte. Em português simples, esses R$ 130 milhões são o principal que o título buscaria captar no mercado.
O ponto da denúncia: diante da falta de demanda, a Virgo teria garantido a liquidação dessa série e, não conseguindo vender o papel, usou recursos de patrimônios separados de outros CRIs para viabilizar a liquidação no vencimento da oferta. Ou seja, a controvérsia é como ele teria sido honrado com dinheiro do patrimônio separado.
Segundo Levy, o negócio provocou a renúncia de outros três diretores estatutários em maio. Levy, que diz ter permanecido inicialmente na companhia com o intuito de regularizar a situação, também pediu demissão em julho. Em seguida, notificou extrajudicialmente Kos e o diretor Alexandre Rocha, que segue na empresa.
Responsável pela defesa de Kos e da Virgo, o advogado Rodrigo Tannuri sustenta que não houve nenhuma ilegalidade na conduta da securitizadora porque a Resolução 60 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) não veda o uso do fundo de reserva naquela classe de investimento.
A defesa técnica sustenta que a operação não provocou prejuízo a qualquer investidor e o CRI onde os recursos foram alocados vem sendo honrado pela Oncoclínicas. Tannuri não quis dar declarações sobre o caso.
Ação civil
No dia 6 de agosto, a Virgo também entrou com uma ação pedindo uma ordem judicial de urgência para proibir o ex-executivo Eduardo Levy de entrar em contato com seus funcionários. A empresa alega que, após sua demissão em 8 de julho, Levy passou a telefonar e enviar mensagens de forma insistente — inclusive de madrugada — para a chefe de RH, o CEO e outros colaboradores, com ofensas e ameaças.
Segundo a inicial, Levy saiu da empresa porque, insatisfeito com a remuneração, passou a cobrar do controlador, Kos, uma participação societária na empresa e uma fatia da receita; a recusa teria levado ao seu desligamento. Conforme a Virgo, em seis meses o Levy recebeu cerca de R$ 1,35 milhão, o que dá uma média de R$ 225 mil por mês.
No pedido, a Virgo requeria uma "obrigação de não fazer" (em termos simples: uma ordem para que alguém pare de fazer algo), especificamente que Levy seja proibido de ligar, mandar mensagens ou abordar pessoalmente qualquer colaborador, sob pena de multa diária.
No dia 7, ao analisar a petição inicial, o juiz Claudio Salvetti D'Angelo, da Unidade de Processamento Judicial do Foro Regional de Santo Amaro, na zona sul da capital paulista, extinguiu a ação sem julgar o mérito por considerar que, como se tratava de pedido de medida protetiva, a matéria estava fora da competência cível.
Na semana passada, a defesa da Virgo interpôs apelação ao Tribunal de Justiça de São Paulo para que o caso seja analisado. O caso foi direcionado à 3ª Câmara de Direito Privado do TJ.
A coluna não conseguiu localizar Levy para ouvi-lo sobre as alegações da Virgo na ação civil. Como a ação foi extinta sem julgamento de mérito, ele não chegou a se manifestar nos autos.
Reportagem
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
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