*Editorial Estadão - Fim do Disfarce sobre a Meta Fiscal*
O governo obteve a aprovação do Congresso para seguir o limite inferior da meta fiscal, livrando-se da obrigação de cortar R$ 30,2 bilhões em despesas neste ano. Uma emenda inserida em um projeto aprovado na última quinta-feira alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), permitindo que o Executivo opere com um rombo de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), equivalente a R$ 31 bilhões, em vez de buscar o equilíbrio fiscal.
A proposta foi aprovada em uma votação simbólica e sancionada no dia seguinte, evidenciando um acordo entre o governo e os parlamentares para contornar as exigências do Tribunal de Contas da União (TCU). Em setembro, o TCU já havia alertado que a estratégia de buscar o limite inferior da meta infringia as normas fiscais vigentes. O ceticismo deste jornal na época provou ser pertinente, já que o governo não apenas recorreu da decisão, mas também alterou a legislação para garantir respaldo legal e agir sem responsabilizações. Assim, o objetivo fiscal que o governo alegava perseguir se tornou uma mera ilusão.
O limite inferior da meta, que deveria ser utilizado apenas em situações excepcionais, tornou-se a nova normalidade. O apoio da maioria no Congresso não surpreende: se a determinação do TCU fosse rigorosamente aplicada, não haveria como preservar as emendas parlamentares. O congelamento de despesas precisaria ser elevado de R$ 12,1 bilhões para R$ 42,3 bilhões até o final de novembro, afetando pelo menos R$ 6,8 bilhões em emendas, conforme reportado pelo Estadão.
Após um tempo, a equipe econômica finalmente abandonou a fachada. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia afirmado que o governo buscaria o equilíbrio fiscal; porém, na semana passada, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, admitiu que essa meta era irrealizável. “Não haveria despesas discricionárias que pudessem ser contingenciadas, faltando dois meses para o término do exercício, para atender tal magnitude”, explicou.
Um corte de R$ 30,2 bilhões nos últimos dois meses do ano poderia paralisar a administração pública. Isso suscita reflexões sobre as razões pelas quais o governo não atingirá os objetivos inicialmente estabelecidos. A falha reside na elaboração do Orçamento, que subestimou os gastos e superestimou a arrecadação.
Essa não foi uma falha acidental. Em maio, durante a revisão bimestral de receitas e despesas, o governo já tinha consciência de que os números estavam desalinhados, tanto que anunciou um congelamento de R$ 31,3 bilhões em despesas e a alteração do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre empresas e previdência privada.
Após várias idas e vindas, o governo revogou parte de um decreto que foi interpretado como uma medida de controle cambial, mas o Legislativo o derrubou, e o Supremo Tribunal Federal (STF) restabeleceu-o parcialmente. As tensões resultaram em novas medidas, como a Medida Provisória 1.303, que eliminou a isenção das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e do Agronegócio (LCAs) e aumentou a tributação sobre apostas e fintechs. O governo cedeu mais do que deveria, e a proposta foi consideravelmente reduzida durante as negociações, mas mesmo assim foi rejeitada na Câmara no início de outubro.
No final, restou uma revisão nos gastos com o seguro-defeso, a inclusão do Pé-de-Meia no piso constitucional da Educação e um limite para compensações tributárias, todos incorporados em outro projeto de lei que passou na Câmara na semana passada. O governo ainda busca aumentar a tributação sobre apostas e fintechs, mas já desistiu de tributar os títulos isentos.
Em suma, o Orçamento deste ano nunca foi sólido e o do próximo ano deve seguir a mesma trajetória. O governo deseja aumentar a arrecadação, o Congresso não abre mão de suas emendas e, com um ano até as eleições, ninguém quer cortar gastos. O Executivo foca em uma narrativa que divide ricos e pobres, enquanto o Legislativo recusa o aumento de impostos, mas ambos concordam em buscar o limite inferior da meta fiscal, ignorando o aumento contínuo da dívida bruta.
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