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Fernando Cavalcanti

 SÓ UM MILAGRE (DE NOVO)


O branquelão que vos escreve mal tinha saído da adolescência quando um nipo-americano decretou que a história tinha acabado. E com um final magnificamente feliz.


O fim da União Soviética, explicou Francis Fukuyama em 1994, demonstrava o reconhecimento não só do poderio militar e econômico dos EUA, mas de sua supremacia MORAL.


No século XX, a democracia liberal foi desafiada pelo Comunismo. E a sensação de que a democracia não tinha força para combater o totalitarismo comunista fez surgir o fascismo, um totalitarismo sem extinção completa da propriedade privada.


No fundo, como as pessoas inteligentes sabem, as duas desgraças se equivalem. Comunistas e fascistas não se odiavam por incompatibilidade de ideias, e sim porque competiam pelo mesmo púlico.


Num mundo perfeito, a Alemanha nazista e a União Soviética comunista ter-se-iam digladiado sozinhas. Até que a vencedora do duelo de titãs totalitários ficasse tão exausta que fosse, numa vitória de Pirro, depois facilmente derrotada pelas democracias liberais.


E o totalitarismo se acabaria, e o mundo seria feliz para sempre.


Em vez disso, na II Guerra Mundial, as democracias liberais foram forçadas a escolher um aliado entre os 2 monstros. Por razões puramente táticas, escolheram o comunismo no lugar do nazi-fascismo.


E a partir daí seguiu-se meio século de horrores sem fim. Parecia que o Comunismo terminaria vencendo as democracias, como triunfara sobre o nazismo.


Lembro-me de meu professor de história no Colégio Nóbrega nos anos 1980, Newton Nery (estará ainda vivo?) colocando um mapa-múndi  no meio da sala de aula e grifando os países que iam virando comunistas em vermelho.


Em 1930, era só a URSS. Em 1950 eram ela, os países da então chamada Europa Oriental ou "Cortina de Ferro" e a China. Em 1970, eram esses e mais várias outras nações do mundo inteiro. E o número, explicava-nos Newton em 1985, não parava de crescer. Pois países capitalistas se tornavam comunistas, mas o contrário nunca se dava. (Impressionante como ele não percebia o caráter sinistro dessa diferença.) Em breve, concluía nosso teacher, babando de satisfação, o mundo inteiro seria vermelho.


Mas milagres existem.


E o branquelão que vos fala viu na TV, em 1989, após o aparentemente despretensioso repensar de excessos da Perestroika soviética, o povo alemão destruindo euforicamente o muro que separava, como as grades de uma prisão, os habitantes de Berlim. Em seguida, o país reunificou-se, e todas as ditaduras da Cortina de Ferro, uma após a outra, inclusive a própria URSS, desmoronaram feito gigantes de pés de barro.


Parecia um sonho tornado realidade. A dream come true.


E otimistas feito Fukuyama correram a explicar que o comunismo já estava "podre" por dentro. Agora, o mundo inteiro se tornaria democrático. O tal fim da história.


Em vez disso, líderes comunistas que não tinham o "penchant" democrático de Gorbachev e Yeltsin refletiam na lição oposta: "Se não esmagar logo o povo quando exige a democracia , a gente cai do poder."


E assim, pouco depois, quando o povo chinês tentou fazer sua própria Perestroika, foi massacrado. O mesmo ocorreu em outros países comunistas.


Calma, disseram os experts, o sonho não acabou. Incrementemos as relações comerciais com os países comunistas remanescentes, e eles, gradativamente, se tornarão democráticos. Mercados livres trarão ideias livres.


Well, essa "osmose" não se verificou. Ao abandonarem as economias fechadas e planificadas, permitindo uma dose controlada de capitalismo, sem liberdades individuais, as ditaduras comunistas só fizeram se tornar mais ricas. E, portanto, mais poderosas.


Voltaram a crescer e multiplicar-se pelo mundo e continuam tão avessas à democracia como antes. Só que, agora, têm muito dinheiro.


E nada é tão perigoso como gente má com dinheiro.


Então, eis o mundo de hoje: os EUA são uma nação dividida e instável, a Europa é um continente decadente, o Japão e a Coréia do Sul morrem de pura insuficiência de natalidade, enquanto a China caminha para ocupar o lugar dos EUA como potência mundial dominante.


Só que com a China não vai ter essa historinha de "soft power" dos americanos. Que procuram dominar pelo fascínio do dinheiro, da moda, do entretenimento e dos prazeres sensuais.


O domínio chinês é sinceramente brutal: ajoelhe-se, cale a boca e será deixado em paz. Do contrário, cadeia ou morte. Como Tibete, Hong Kong e, especialmente, Xinjiang bem o sabem. E Taiwan morre de medo de vir a experimentar.


Essa conversa toda é para dizer que concluí que o mundo, que eu , em minha feliz juventude, pensava que tinha dado certo está muito pior do que antes.


O cinquentão que vos fala teme ver "1984", de George Orwell, concretizado antes de morrer: com a China como o "Grande Irmão", a dar ordens absolutas para o mundo inteiro escravizado.


Acho que só um milagre nos salvará da China.


O que me dá um pouco de esperança é que, em 1985, também parecia que só um milagre salvaria o mundo da União Soviética.

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