ANÁLISE: Copom reforça flexibilidade e rejeita gatilhos para baixar juros
Alex Ribeiro De São Paulo
O diretor de política econômica do Banco Central, Diogo Guillen, disse ontem, na entrevista do Relatório de Política Monetária (RPM), que alguns analistas estão "ansiosos" com o sobreaquecimento da economia e sobre quando poderá haver algum nível de ociosidade nos fatores de produção.
Mas não é só o chamado hiato do produto que mexe com os nervos do mercado. Há muito debate também sobre as projeções de inflação do Banco Central, que estão acima da meta, e sobre a desancoragem das expectativas de inflação.
O que todos procuram saber é se esses fatores podem ser um gatilho para, em algum momento no futuro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC dar por concluído o período prolongado de juros altos - e, portanto, começar um ciclo de distensão. Mas é exatamente isso o que o Copom quer evitar: amarrar seus passos futuros a algum prazo ou dado econômico em particular. A ideia é manter a flexibilidade da política monetária e decidir, com base em um conjunto amplo de dados, quando o cumprimento da meta de inflação de 3% está mais bem encaminhado e, portanto, seria possível uma política monetária menos draconiana.
Na semana passada, quando saiu o comunicado da reunião do Copom, participantes do mercado entenderam que a projeção de inflação do colegiado, que ficou estável em 3,4% para o horizonte relevante de política monetária, foi uma mensagem dura. Em tese, ela reduz as chances de uma queda de juros em janeiro — hipótese de trabalho que alimentou o modelo de projeção de inflação, que usa a mediana das expectativas para a Selic do boletim Focus.
Ontem, na entrevista de divulgação do RPM, Guillen baixou a bola dessas projeções, enfatizando que elas são condicionais e dinâmicas. Podem mudar e ir para a meta, dependendo de como os juros vão ser fixados no futuro e, também, de como vai evoluir o cenário econômico.
O presidente do BC, Gabriel Galípolo, foi questionado se seria possível baixar os juros caso as projeções de inflação do Copom indiquem o cumprimento da meta, mas as expectativas de inflação continuem desancoradas.
Ele respondeu que o Copom observa um conjunto de dados, e não apenas uma informação em particular, para tomar suas decisões sobre os juros.
Quando Guillen diz que há ansiedade em torno do hiato do produto, o que ele aparentemente quer dizer é que essa variável, sozinha, não vai determinar a decisão de política monetária do Banco Central. Talvez porque o BC possa sentir o cheiro de ociosidade na economia por vários indicadores.
Galípolo e Guillen procuraram temperar a importância que, individualmente, projeções, expectativas e hiato do produto podem ter sobre as decisões futuras - mas isso não quer dizer, necessariamente, uma indicação de que o Copom está inclinado a reduzir os juros mais cedo.
O Copom acabou de rever a trajetória do hiato do produto, que mostra uma economia mais sobreaquecida no momento presente e uma abertura de ociosidade menor no futuro. A ata do comitê disse que as expectativas tiveram uma queda "incipiente", e Galípolo repetiu que elas causam desconforto. E, numericamente, as projeções de inflação da autoridade monetária estão em 3,4%, acima da meta de 3%.
A ideia, aparentemente, é mostrar que não há um dado especifico que vai mover o comitê e, assim, garantir flexibilidade para a tomada futura de decisão. Galípolo disse e repetiu três vezes que vai definir o quão prolongados serão os juros altos com base nos dados econômicos que serão divulgados no futuro. Isso não significa ser "dovis" (propenso a juros mais baixos); é, sim, um reflexo da estratégia de política monetária.
Lá atrás, o Banco Central fez uma escolha. De um lado, poderia ter seguido subindo os juros a percentuais cada vez mais altos, até achar o patamar que colocasse a inflação na meta. O risco, neste caso, era de superdosagem, sobretudo quando a taxa se encontra no maior patamar em quase 20 anos. A escolha foi subir o juro para um nível bem apertado e mantê-lo alto por bastante tempo.
Isso, naturalmente, gera uma incerteza nos mercados, que se perguntam o tempo todo quanto tempo o juro ficará alto e se o BC vai desistir antes da hora. Para resolver essa tensão, alguns banqueiros centrais amarraram seus passos futuros a indicadores econômicos específicos - como determinado percentual de desemprego - ou a um horizonte de tempo.
Mas esta pode não ser uma boa ideia. Muitos passaram vexame e tiveram de voltar atrás porque, decorrido o tempo prometido ou alcançado o nível do indicador escolhido, o trabalho de baixar a inflação não estava feito ainda. A boa prática recomenda que os bancos centrais mantenham flexibilidade e indiquem como vão reagir aos dados futuros.
Os participantes do mercado, naturalmente, vão ficar ansiosos com um ou outro dado particular, que pode ou não ser o ponto de virada da política monetária.
O Banco Central, porém, segue sem se comprometer com nada, além de afirmar que conduzirá a política monetária com "perseverança, firmeza e serenidade". Ou seja, vai ter perseverança para insistir com os juros altos até se convencer de que a meta está encaminhada; vai ter firmeza para adequar a dose caso chegue à conclusão de que ela não é suficiente; e vai ter serenidade para não reagir de maneira abrupta a uma ou outra peça de informação.
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