Pular para o conteúdo principal

Marcello Estêvão - linda homenagem

 Como sabem, meu pai morreu na semana passada. Aqui um texto curto que fiz para marcar o momento. (Quebrando a minha regra de não postar nada pessoal em mídia social.)  As you know, my father passed away last week. Here’s a short piece I wrote to mark the moment. (Breaking my usual rule of not posting anything personal on social media.) The English version is below the Portuguese version.

 

Meu pai foi uma pessoa extraordinária.


É difícil descrever a dimensão do que ele enfrentou e do que ele nos ensinou. Nascido cego, viveu uma vida de obstáculos concretos — a deficiência física num Brasil ainda despreparado para acolher, a dificuldade de concluir os estudos universitários nos anos 1950 (que fez de forma exemplar junto a dois outros amigos cegos, que se tornaram os primeiros cegos a se formarem numa universidade brasileira) e depois, aos 37 anos, a perda da esposa, minha mãe, quando ficou sozinho com cinco filhos pequenos: eu, com 2 anos; meus irmãos com 12, 9, 4 anos e o caçula com apenas 6 meses de idade.


Mas o que sempre me impressionou não foi só a sua força, foi a forma como ele a exercia. Meu pai combinava estoicismo com leveza. Ele encarava a vida com uma seriedade silenciosa — fazia o que precisava ser feito — mas também com um sorriso no rosto, uma piada pronta e um coração cheio de gratidão a Deus. Ele nunca se achou herói, mas era. E não por querer parecer invencível, mas porque sabia cair e levantar com humildade e confiança.


Ele enfrentou tudo isso sem autoimportância. Trabalhou muito, mas também teve a sabedoria de pedir ajuda quando era necessário — como quando conseguiu bolsas de estudo para que estudássemos em ótimos colégios. Sim, éramos bons alunos, mas as bolsas foram dadas por necessidade, e meu pai nunca teve vergonha disso. Ao contrário, ele sabia argumentar com clareza e dignidade quando o futuro dos filhos estava em jogo. Essa mistura de inteligência emocional, bom senso e resiliência é, talvez, a maior lição de vida que ele me deu.


E depois de nos criar com tanto amor e sacrifício, ele teve o direito — e soube exercer esse direito — de viver bem. Nos últimos 41 anos de sua vida, encontrou em Carminha uma companheira formidável, uma mulher incrível que caminhou ao lado dele com afeto, humor e parceria. Juntos, construíram uma nova fase, mais leve, cheia de descobertas, viagens ao Sul do Brasil, ao exterior, e uma vida doméstica serena, feita de conversas, projetos e alegrias. Foi bonito ver meu pai feliz, realizado, completo.


Hoje, ao olhar para tudo que ele viveu e tudo que nos deixou, não posso deixar de sentir orgulho — mas acima de tudo, sentirei falta do amigo. Do meu pai companheiro de todas as horas. Das piadas, das estórias da infância em Ubá e Belo Horizonte, das aventuras no Instituto Benjamin Constant, que ele contava com aquele jeito todo especial, entre risadas e reflexões. 


Pensando bem, não vou sentir falta das estórias em si, pois estão gravadas em mim. Vou contá-las aos meus filhos e netos, não como a saga de um herói (embora ele tenha sido), mas como as memórias de um pai amigo, espirituoso, generoso — um homem que me ensinou que é possível enfrentar a vida com coragem e alegria ao mesmo tempo.


Meu pai vai estar comigo para sempre. Nas palavras que repito sem perceber. No jeito que olho para as dificuldades. No riso que escapa mesmo em momentos difíceis. Ele está no fundo do meu coração. E é de lá que ele nunca sairá.


English version:


My father was an extraordinary person.


It’s hard to express the full extent of what he went through and what he taught us. Born blind, he lived a life full of real, tangible obstacles — a physical disability in a Brazil still unprepared to offer support, the challenge of completing university studies in the 1950s (which he did brilliantly, alongside two other blind friends: the first blind people to graduate from a Brazilian university), and then, at age 37, the loss of his wife — my mother — when he was left alone with five small children: I was 2; my siblings were 12, 9, and 4; and the youngest was just 6 months old.


But what always struck me wasn’t just his strength — it was the way he carried it. My father combined stoicism with lightness. He faced life with a quiet seriousness — he did what needed to be done — but always with a smile on his face, a ready joke, and a heart full of gratitude to God. He never thought of himself as a hero, but he was. Not because he wanted to appear invincible, but because he knew how to fall and rise again with humility.


He faced all of it without self-importance. He worked hard but also had the wisdom to ask for help when it was needed — like when he secured scholarships so we could attend excellent schools. Yes, we were good students, but those scholarships were granted out of necessity, and my father was never ashamed of that. On the contrary, he knew how to make his case with clarity and dignity when his children’s future was at stake. That blend of emotional intelligence, common sense, and resilience is perhaps the greatest life lesson he gave me.


And after raising us with so much love and sacrifice, he had the right — and knew how to exercise that right — to live well. In the last 41 years of his life, he found in Carminha a remarkable partner, an incredible woman who walked by his side with affection, humor, and companionship. Together, they built a new chapter — lighter, full of discovery, trips to southern Brazil and abroad, and a calm domestic life filled with conversations, projects, and joy. It was beautiful to see my father happy, fulfilled, complete.


Today, when I look at everything he lived through and everything he left behind, I can’t help but feel proud — but above all, I will miss my friend. My father, my constant companion. The jokes, the childhood stories about Ubá, Belo Horizonte, and the adventures at the Benjamin Constant Institute, which he told in that unique way of his — a mix of laughter and reflection. 


Come to think of it, I won’t really miss the stories themselves, because they’re all etched in me. I’ll tell them to my children and grandchildren — not as the saga of a hero (though he was one), but as the memories of a father who was funny, generous, and kind — a man who taught me that it’s possible to face life with both courage and joy.


My father will always be with me. In the words I repeat without noticing. In the way I face difficulties. In the laughter that escapes even in hard times. He lives deep in my heart. And from there, he will never leave.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Call Matinal ConfianceTec

 CALL MATINAL CONFIANCE TEC 30/10/2024  Julio Hegedus Netto,  economista. MERCADOS EM GERAL FECHAMENTO DE TERÇA-FEIRA (29) MERCADO BRASILEIRO O Ibovespa encerrou o pregão na terça-feira (29) em queda de 0,37%, a 130.736 pontos. Volume negociado fechou baixo, a R$ 17,0 bi. Já o dólar encerrou em forte alta,  0,92%, a R$ 5,7610. Vértice da curva de juros segue pressionado. Mercados hoje (30): Bolsas asiáticas fecharam, na sua maioria, em queda, exceção do Japão; bolsas europeias em queda e  Índices Futuros de NY em alta. RESUMO DOS MERCADOS (06h40) S&P 500 Futuro, +0,23% Dow Jones Futuro, +0,05% Nasdaq, +0,24% Londres (FTSE 100),-0,46% Paris (CAC 10), -0,83% Frankfurt (DAX), -0,43% Stoxx600, -0,59% Shangai, -0,61% Japão (Nikkei 225), +0,96%  Coreia do Sul (Kospi), -0,82% Hang Seng, -1,55% Austrália (ASX), -0,81% Petróleo Brent, +1,20%, a US$ 71,97 Petróleo WTI, +1,29%, US$ 68,08 Minério de ferro em Dalian, +0,38%, a US$ 110,26. NO DIA (30) Dia de mais ind...

Matinal 0201

  Vai rolar: Dia tem PMIs e auxílio-desemprego nos EUA e fluxo cambial aqui [02/01/25] Indicadores de atividade industrial em dezembro abrem hoje a agenda internacional, no ano que terá como foco a disposição de Trump em cumprir as ameaças protecionistas. As promessas de campanha do republicano de corte de impostos e imposição de tarifas a países vistos como desleais no comércio internacional contratam potencial inflacionário e serão observadas muito de perto não só pela China, como pelo Brasil, já com o dólar e juros futuros na lua. Além da pressão externa, que tem detonado uma fuga em massa de capital por aqui, o ambiente doméstico continuará sendo testado pela frustração com a dinâmica fiscal e pela crise das emendas parlamentares. O impasse com o Congresso ameaça inviabilizar, no pior dos mundos, a governabilidade de Lula em ano pré-eleitoral. ( Rosa Riscala ) 👉 Confira abaixo a agenda de hoje Indicadores ▪️ 05h55 – Alemanha/S&P Global: PMI industrial dezembro ▪️ 06h00 –...

Prensa 2002

 📰  *Manchetes de 5ªF, 20/02/2025*    ▪️ *VALOR*: Mercado de capitais atinge fatia recorde no nível de endividamento das empresas                ▪️ *GLOBO*: Bolsonaro mandou monitorar Moraes, diz Cid em delação          ▪️ *FOLHA*: STF prevê julgar Bolsonaro neste ano, mas há discordância sobre rito     ▪️ *ESTADÃO*: Moraes abre delação; Cid cita pressão de Bolsonaro sobre chefes militares por golpe