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Amilton Aquino: O sistema é foda parceiro...

 O sistema é foda, parceiro

Mais um megaesquema de corrupção envolvendo algumas das figuras mais importantes do Brasil. Como tantos outros, não vai dar em nada. No máximo, algumas manchetes, um período sabático em uma cela especial até que um habeas corpus direto do STF “garanta o direito de responder em liberdade”. Quem sabe até a devolução da devolução do dinheiro roubado, como já aconteceu tantas vezes — de bandidos do colarinho branco a líderes do crime organizado, como André do Rap, que recuperou até um helicóptero após decisões judiciais que consideraram ilegal a apreensão, num processo tocado no STJ.
Mas, se está tudo dominado, por que o escândalo veio à tona? Isso não seria a prova de que as instituições estão funcionando, apesar de tudo?
Gostaria de acreditar nisso, mas o fato é que a conta chegou. A cada dia, novos papéis do banco vencem e os valores precisam ser pagos. Alguém vai ter que arcar com a conta. Eis a questão.
Que a coisa cheirava mal já fazia anos. Não por acaso, o banqueiro se cercou de algumas das figuras mais importantes do país. Do ex-ministro da Fazenda (Guido Mantega) ao ex-ministro do STF e atual Ministro da Justiça (Ricardo Lewandowski), ambos como conselheiros, até familiares de Alexandre de Moraes como advogados, o banqueiro ficou famoso por patrocinar eventos da nossa elite político-judiciária no Brasil e no exterior.
O caso retrata, mais uma vez, o grau de promiscuidade a que chegamos — e tudo institucionalizado com a jurisprudência do STF, que não vê nada de errado em um juiz julgar um caso em que cônjuge ou familiar próximo advoga. Ora, se um juiz não se sente constrangido em atuar em um processo em que ele é, ao mesmo tempo, vítima e promotor, todo o resto é possível. A Constituição vira um mero detalhe a ser interpretado conforme as conveniências do momento.
Não é a primeira vez que ex-ministros do STF e seus familiares advogam formalmente para corruptos famosos. Lewandowski, por exemplo, além de ter trabalhado para os irmãos Batista, tem um filho que atuou para entidades investigadas por fraudes no INSS. No caso de Moraes, o escritório da família — que inclui a esposa e dois filhos — foi contratado pelo Banco Master. E eles não são exceção. Entre ministros atuais e recém-aposentados, a maioria tem parentes com grandes escritórios, defendendo clientes cujos casos frequentemente transitam pelas instâncias superiores.
A esposa de Toffoli, por exemplo, atuou ativamente na defesa de alvos da Lava Jato e, claro, também dos irmãos Batista — réus confessos cujos processos e até acordos de devolução de bilhões aos cofres públicos foram anulados em decisões monocráticas do próprio marido.
Ao mesmo tempo em que a impunidade reina para corruptos, alguns casos chamam atenção pelos excessos de punibilidade. O caso da jornalista Rosane Oliveira, do Zero Hora, é um escândalo: ela foi condenada a pagar R$ 600 mil por danos morais após divulgar o salário da desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira — uma entre tantos privilegiados do setor público que recebem gordos penduricalhos independentemente do estado de calamidade das contas públicas. Noutro caso, uma jornalista da IstoÉ foi condenada por “excesso de ironia” ao ministro Gilmar Mendes, assim como o próprio Moro pode ser condenado por suposta ofensa ao próprio Gilmar.
Como chegamos até aqui? O que nos levou a mudar tão radicalmente da trajetória de faxina ensaiada pela Lava Jato para a atual situação de conformismo absoluto com a corrupção institucionalizada?
Para mim, o divisor de águas foi o momento em que as delações passaram a mencionar ou tangenciar figuras do STF. A partir dali começou o conchavo descrito por Romero Jucá — “com Supremo e tudo” — inclusive com Lula.
A censura à Crusoé, após a revista publicar uma capa com delações que citavam ministros do STF, foi o segundo degrau da escalada. O inquérito das “fake news” consolidou o arcabouço institucional que concedeu poderes praticamente ilimitados ao Supremo.
E aqui chegamos. A frase que dá título a este texto, eternizada em Tropa de Elite (2007), abriu caminho para a indignação crescente da direita emergente, inconformada com o banditismo ascendente — apesar dos bons ventos da economia mundial que impulsionaram nosso crescimento nos anos 2000. Os sucessivos escândalos petistas abriram caminho para a Lava Jato, que, infelizmente, assim como a Operação Mãos Limpas na Itália ou o curto verão de Buenaventura Durruti na Espanha, terminou de forma melancólica.
E, depois do sucesso de Tropa de Elite 1, que transformou, sem querer, o capitão Nascimento em herói da direita, Tropa de Elite 2 tenta fazer um contraponto, exaltando a figura de Freixo como herói da esquerda. Em ambos os casos, o diagnóstico é o mesmo: o sistema é foda, parceiro.

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