As moedas nacionais sem lastro em coisa alguma é uma realidade muito recente. Data de 1971, quando o governo Nixon decidiu romper a paridade do dólar com o ouro, de US$ 35/onça. Estava, assim, desfeito o acordo monetário de Bretton Woods, que, em 1944, havia determinado essa paridade e as cotações fixas das diversas moedas europeias em relação ao dólar. Esse arranjo foi feito porque o diagnóstico, na época, era que desvalorizações competitivas haviam sido um dos fatores que levaram à instabilidade política e à eclosão da guerra.
A não ser para países absolutamente fechados econômica e financeiramente, o câmbio fixo exige ajustes da economia que podem ser inviáveis politicamente. A Grécia é o exemplo clássico de país que optou pelo câmbio fixo (o Euro) e precisou fazer ajustes que lhe custaram 25% do PIB, enquanto a Argentina (e o Brasil em menor escala) foram exemplos de países que preferiram largar o câmbio fixo para não enfrentar os ajustes necessários em suas economias.
Nesse sistema de moedas fiduciárias sem lastro, o que vale é a confiança. O dólar conquistou o seu lugar como moeda internacional porque seu emissor, os Estados Unidos, são confiáveis. Há instituições que funcionam, principalmente um Banco Central independente. Isso garante, dentro do possível, que a inflação relativa a outros países não vai comer o valor da moeda.
Confiança, portanto, é o nome do jogo. Sem o dólar ou outra moeda com governança confiável, os países precisariam confiar uns nos outros para as suas transações comerciais e financeiras. Por exemplo, em 2024, o Brasil teve superávit de US$ 44 bilhões com a China. Isso significa que teríamos esse montante de yuans nas reservas brasileiras se o BC brasileiro não exigisse que os exportadores brasileiros trouxessem dólares para trocar por reais. Isso significaria algo como 13% das nossas reservas internacionais. Em cerca de 8 anos aceitando yuans, 100% das nossas reservas seriam na moeda chinesa. Hoje esse montante é de cerca de 4%.
Por que o BC não faz isso? Porque o yuan não é uma moeda conversível, ou seja, não é aceita universalmente. Se fizesse isso, a credibilidade das reservas como um seguro não existiria mais, e o câmbio do real para o dólar estaria na lua.
O dólar, portanto, tem esse papel por ser conversível, e é conversível por ter uma governança confiável. Mas não só. Além disso, é emitido por um país cuja economia é suficientemente grande para servir de lastro. A ideia de que a moeda fiduciária não tem lastro algum é falsa. O lastro das moedas nacionais é a sua própria economia. A base monetária precisa acompanhar o crescimento do PIB, e a governança confiável serve para garantir isso. O Euro assumiu um firma segundo lugar como moeda de reserva internacional, roubando espaço do dólar, porque, além de ter uma governança confiável, representa uma economia suficientemente grande para servir de lastro.
Chegamos agora ao governo Trump. Suas ações minam os pilares da confiança nas instituições americanas. A sua imprevisibilidade de regras no comércio internacional, os seus ataques ao Fed, a aprovação de uma legislação que aumentará ainda mais o déficit, são características de países pouco confiáveis.
Mas o dólar não perderá a sua hegemonia da noite para o dia. Primeiro, porque sua economia ainda é a maior e mais dinâmica do mundo, é difícil encontrar um lastro dessa natureza. Segundo, porque não há substitutos à altura: o Euro é uma experiência multinacional muito recente, e que ainda precisa ser provada pelo tempo, e o yuan é emitido por um país que controla o fluxo de capitais discricionariamente. E, finalmente, porque, no fundo, os agentes econômicos ainda acreditam nas instituições americanas, vendo o trumpismo como um soluço que passa. Tendo dito isso, Trump age no sentido de enfraquecer o dólar, não fortalecê-lo.
Para quem quiser aprofundar, dedico o primeiro capítulo do meu livro Descomplicando o Economês à natureza da moeda fiduciária e o capítulo 6 às crises cambiais. Disponível na Amazon.
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