PT NÃO SABE O QUE FAZER SEM LULA
Editorial Estadao, 14/06/2025
A esquerda brasileira está encurralada entre o passado e o risco de se tornar irrelevante, dada sua profunda dependência da reeleição do presidente Lula da Silva para continuar no poder. Em recente entrevista ao programa _Conversa com Bial_, a ministra de Relações Institucionais e ex-presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reconheceu, sem disfarçar um certo tom de lamento, que, “infelizmente, Lula terá de ser candidato” em 2026. Segundo ela, seu partido e a esquerda até “têm quadros políticos”, mas nenhum com “pegada popular” nem tampouco força eleitoral para “fazer disputa e ganhar da extrema direita” na próxima eleição presidencial.
É de reconhecer que a ministra está certa em um ponto. De fato, sem o nome de Lula nas urnas, um candidato que sempre será competitivo – e ainda mais com a força de incumbente movendo a máquina pública federal a seu favor –, não apenas o PT como a esquerda em geral amargarão anos a fio, é possível inferir, sem ter uma perspectiva de poder em âmbito nacional. Basta lembrar quão difícil foi até para Lula derrotar Jair Bolsonaro, um dos piores presidentes da Nova República, na eleição passada. Gleisi, no entanto, omitiu um fato e distorceu outro em sua análise da conjuntura política de seu campo ideológico.
Se o destino da esquerda, para o bem ou para o mal, é profundamente atrelado ao destino de Lula, e não de hoje, a responsabilidade por essa dependência é exclusivamente do presidente. Lula sempre sabotou qualquer movimento de renovação tanto no PT quanto no chamado “campo progressista” – seja o arejamento de lideranças, seja de ideias. Todos os que ousaram, ainda que timidamente, projetar sombra sobre Lula foram logo abatidos no nascedouro, restando ao incauto o culto à personalidade do demiurgo e/ou a posição de “poste” acaso desejasse ter alguma projeção política. Aí estão os exemplos de Dilma Rousseff e Fernando Haddad para desencorajar qualquer um que queira pôr à prova a lulodependência da esquerda.
Outra malandragem de Gleisi foi omitir que a razão para a esquerda “até ter quadros políticos”, mas nenhum deles ser eleitoralmente competitivo, é o fato de a esquerda não ter um projeto para o País, e sim, se tanto, um projeto para aferrar Lula ao poder sabe-se lá até quando. A esquerda brasileira é atrasada. Não enxerga nem o Brasil nem o mundo pelas lentes do século 21. Há uma profusão de análises e pesquisas, na imprensa profissiona e na academia, demonstrando a desconexão que se estabeleceu entre a esquerda, em suas múltiplas derivações, e o eleitorado que, historicamente, sempre apoiou seus candidatos. O exemplo mais notório dessa desconexão, claro, é o próprio Lula, que, malgrado estar em seu terceiro mandato presidencial, é recalcitrante em reconhecer erros e se mostra incapaz de oferecer à sociedade um mero esboço de plano coerente, exequível e sustentável para o desenvolvimento do País.
Diante desse deserto propositivo, não resta alternativa a Lula, em particular, e à esquerda, em geral, a não ser apelar para essa suposta ameaça de retorno do que chamam de “extrema direita” à Presidência da República. Foi exatamente o que Gleisi vocalizou na entrevista, antecipando o tom da campanha eleitoral de Lula ou de quem ele ungir em 2026. Qualquer adversário do PT no ano que vem será invariavelmente tratado como o representante das forças do atraso, do golpismo e “das elites” – tudo isso empacotado como “extrema direita”.
Ocorre que o verdadeiro representante da extrema direita, Bolsonaro, está inelegível. Logo, não representa mais ameaça alguma à ordem democrática. A rigor, não é improvável que ao tempo da eleição o ex-presidente esteja preso por ordem do Supremo Tribunal Federal. Assim, será muito difícil formar uma nova “frente ampla” em torno da candidatura petista sob a bandeira da “defesa da democracia”, que, como é notório, prevaleceu sobre seus inimigos. Sem a retórica do medo, quase nada sobra para uma esquerda anacrônica e incapaz de inspirar esperança para a maioria dos brasileiros. E sem propostas concretas para lidar com os reais problemas do País, resta-lhe o risco de desaparecer como força de transformação social, reduzida a um grupo fechado em torno de Lula e de um discurso vazio de sentido.
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