O Épico e o Macunaíma
Resolvi escrever uma reflexão sobre o estado contemporâneo do “espírito de brasilidade”, inspirado numa pesquisa que eu andei fazendo sobre o compositor Carlos Gomes.
Tornou-se um tema muito importante para mim, compositor, num momento em que eu compunha um “poderoso” tema instrumental para a abertura do novo show que pretendemos produzir em breve. Ouvindo esse novo tema, não pude deixar de intuir as possíveis, prováveis impressões depreciativas em discussões críticas... devido ao “tom épico” que eu coloquei nas quintas e diminutas da harmonia.
Sou mesmo assumidíssimamente, irremediavelmente épico.
Seria isso a antítese do "pós moderno" ?
Me ajudem, pois não consigo entender bem se o épico é um grave defeito ...
Não tenho culpa, mas carrego esse “fardo” ...num mundo minimalista, cínico, crítico feroz, relativista e destruidor de utopias, um mundo desagregador e anti-estruturalista, e pior, numa distante Taba, a gloriosa Pátria de Macunaíma, o Herói sem Caráter.
Não é pouca a minha Saga.
Fui criado assim, enfurnado no escuro do meu quarto, entre Bach, Beethoven, Tchaikowski, Handel, Wagner, Fauré, Euclides, Guimarães Rosa, Michelangelo, Cervantes e Camões, Arthur Clarke e Orwell, Garcia Marquez e Llosa, Borges e Proust, Julio Verne e Baudelaire, Faulkner, Maiakowski, Rachmaninoff e Stravinsky, Villa-Lobos e Jobim, todos épicos. Como eu amo !
Sou o Guilherme de sempre, o incorrigível épico de Amanhã, de Planeta Água, de Raça de Heróis, de Nosso Fim nosso Começo, Um Dia um Adeus, de Oceano, de Fio da Navalha, de Brincar de Viver, Xixi nas Estrelas, de Taça de Veneno, Sob o Efeito de um Olhar, Muito Diferente, Baile de Máscaras, Toda vã Filosofia para Roberto, Aconteceu Você para Fafá, Labirinto para MPB4, Lindo Balão Azul para o Pirlimpimpim, o épico-sereno de Êxtase, e muitos outros temas, Sonho Latino, Babel, Semente da Maré e Desordem dos Templários. Tudo épico até o talo. Até mesmo Perdidos na Selva foi um épico de uma geração.
O “mundo crítico” de hoje desdenha, por inveja total e incompetencia, e tenta menosprezar e caricaturizar o Épico. Isso é claríssimo.
A lembrança de Carlos Gomes me veio involuntária, porque é Praça em inúmeras cidades brasileiras, e não muito além disso, é o som incômodo e compulsório da Hora do Brasil. É nisso em que se transformou o maior compositor romantico da nossa etnia. Conseguiram ( por aqui ) destruir várias vezes o Carlos Gomes.
A primeira vez, com a proclamação da República, estigmatizado pelas suas relações com a Coroa do Brasil, já consagrado na Europa, inclusive chamado de “talento assombroso” pelo próprio Giuseppe Verdi (inacreditável) .
Carlos Gomes foi viver na Itália, bancado parcialmente por D. Pedro II ( aliás, Pedro II era um rei cultissimo e sensível, um visionário muito à frente de seu tempo, foi outro massacrado pela Roda Ignorante da História... mas esse é outro tema para outras elocubrações ) .
O fato é que Carlos Gomes ficou cristalizado como uma estátua de uma Era a ser demolida pela “modernidade”.
Mais tarde, já na São Paulo Industrial, veio a Semana de 22.
Ah! Essa Semana de 22 ! ...
O Carlos Gomes foi alçado à categoria de Simbolo Máximo da Velha Ordem a ser Iconoclastizada, demolida e moída para o pó da História.
Em seu lugar, uma nova Estátua Egrégia precisava ser erigida, a de Macunaíma, o Herói Sem Caráter.
Não quero aqui polemizar com o genial Mario de Andrade, até porque Macunaíma, uma obra-prima, embora não pareça, embora também seja uma obra iconoclasta e mordaz, TAMBÉM É UM ÉPICO.
O Brasil, como eu, é um Épico incorrigível, e todas as tentativas de demolição dessa essência restarão infrutíferas.
O Brasil é um conceito épico. Muitas vezes se enxerga como anti-herói, mau caráter e gozador, transgressor ao extremo, mas o Brasil é o Brasil, uma Utopia.
Olha o Carnaval, as Escolas de Samba, o arrepio da Grandeza.
Olha Parintins, olha o São João .
Eu nem queria chegar tão longe, mas até o Agro se pretenderia um épico ( controverso ).
Talvez essa seja a chave para entender a complexidade paradoxal que é e sempre será o Brasil.
Mais tarde, e já pegando em cheio a minha geração, viria o Tropicalismo como movimento, muito inspirado em 22, se atribuindo ( de novo, seria outra mania nacional ? ) uma nova quebra das estruturas , contra toda e qualquer Pompa e Circunstância Nobiliárquico-Burguesa... mas... vejam bem ... “Tropicália” é um épico. “Domingo no Parque”, “Alegria, Alegria”, “É Proibido Proibir” , “Divino, Maravilhoso” , tudo épico . Aliás , toda a Era dos Festivais foi épica.
Beto Bom de Bola ? Épico ! “Arrastão”, “Disparada”, “Ponteio”, “BR3”, “Travessia”, “Sabiá”, Vandré, Tom Zé, Mutantes, Taiguara, Elis, Clara, Gal, tudo isso é épico .
E não adiantou o Walter Silva dizer na Folha que a minha Planeta Água era o Hino da Sabesp. Alguém se lembra desse humor ácido ?
Quiseram me desqualificar inumeras vezes por conta da grandiloquencia e pretensão das minhas vidências épicas.
Sou praticamente excluido da chamada Musica Popular do Brasil, ninguém me convida para nada, é horrível, para premio nenhum, troféu nenhum, sou um perfil secundário no Brasil "inclusivo" de hoje ... talvez por outro motivo... também porque os Progressivos e até a Nação Metaleira me respeita e acolhe : sou visto como uma espécie de "estrangeiro" , por minhas raízes no "bailismo" dos anos 60, 70, também por eu posar de virtuose nos teclados... e isso não é o Brasil de Macunaíma...
Sou jogado na "gaveta conveniente" dos "progressivos" ... "não é MPB".
Mas eu sou brasileiro, sim.
E o Brasil também é Guilherme Arantes , sim .
Não serei minimalista e nem desestruturalista jamais, nem que eu quisesse.
Mas o que posso fazer, se Brasília é um épico ? Glauber é um épico. Águas de Março é um épico . Chico Buarque então... até hoje faz suas Caravanas, suas Construções, suas Rodas-Vivas.
O Rei da Vela é um épico.
Racionais também .
O Oficina, Zé Celso, são épicos onde a Alma do Brasil sangra, viva.
Agora deixa eu voltar para os meus temas épicos e grandiloquentes, porque agora, depois deste textão, eu me sinto em muito boa companhia !
Bacio.
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