quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Marcelo Viana, do IMPA

 Reprodução da coluna de Marcelo Viana na Folha de S. Paulo.

Considere um segmento de reta de comprimento 1. Divida-o em três partes de igual comprimento e remova a do meio: sobram dois segmentos de comprimento 1/3, certo? Em seguida, divida cada um desses segmentos em três partes de igual comprimento e remova a do meio: agora sobram quatro segmentos de comprimento 1/9. Novamente, divida cada um desses segmentos em três partes iguais e remova a do meio: o resultado são oito segmentos de comprimento 1/27. E assim sucessivamente. O que sobra ao final de infinitas operações como essa é chamado “conjunto de Cantor”, em homenagem a Georg Cantor (1845-1918), que introduziu esse conceito em 1883.

Em 1974, o estudante de doutorado Douglas Hofstadter conjecturou que os níveis de energia de um elétron preso num cristal sob a ação de um ímã formam um conjunto de Cantor quando o fluxo magnético é irracional. Seus colegas físicos acharam a ideia bizarra (“numerologia!”). E ele não sabia provar que era verdade.

Anos depois, em 1981, dois matemáticos se encontraram para almoçar e discutir a conjectura de Hofstadter. Marc Kac (1914-1984) e Barry Simon vinham estudando um modelo da equação de Schrödinger e, baseados em seu próprio trabalho, concluíram que Hofstadter provavelmente estava certo. Mas eles também não sabiam provar a conjectura: Kac avaliou que seria tão difícil que ofereceu pagar dez martinis a quem conseguisse. Simon propagandeou a oferta, e assim nasceu o “problema dos dez martinis”.

No ano seguinte, Simon conseguiu um avanço parcial no problema, e Kac pagou três martinis pelo resultado. Mas quando Kac morreu, em 1984, o problema continuava em aberto, e assim permaneceria por mais duas décadas. Não por falta de esforço.

matemática ucraniana Svetlana Jitomirskaya vinha trabalhando no tema há anos. Mas em 2003 ela estava desanimada: no ano anterior, o espanhol Joaquim Puig tinha resolvido a questão para a maior parte dos valores do fluxo magnético. E o pior é que ele tinha usado o trabalho dela para isso! “Queria dar um soco em mim mesma: eu tinha feito todo o trabalho difícil, e aí ele chegou e encontrou aquela solução linda.”

Entra em cena o jovem matemático brasileiro Artur Avila, então com apenas 24 anos, propondo trabalharem juntos nos casos restantes do problema. “Expliquei a ele que ia ser difícil e demorado, e que ninguém estava nem aí”, conta Svetlana. Foram em frente assim mesmo e deu certo: logo os dois resolveram um dos problemas mais relevantes e desafiadores da física matemática. O trabalho conjunto foi publicado em 2005 no periódico Annals of Mathematics, o mais prestigioso da área da matemática. E a solução do problema dos dez martinis seria uma das realizações do Artur mais citadas quando ele ganhou a Medalha Fields em 2014.

Comemoraram com martini? “Claro. Teve um monte de bebidas comemorativas, inclusive martinis”, esclarece Svetlana, com um sorriso.

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