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Adriana Cotias

 Com revolução na distribuição, brasileiro muda forma de investir


Estabilização monetária, avanço regulatório e plataformas digitais democratizam acesso a produtos financeiros mais sofisticados


Por Adriana Cotias — De São Paulo 30/04/2025 05h06 Atualizado há 2 dias



Há 25 anos, os fundos de investimentos reuniam menos de R$ 300 bilhões, concentrados nos grandes bancos, a poupança acumulava pouco mais de R$ 100 bilhões e ainda não existia o sistema de compra e venda de títulos públicos pela internet, o Tesouro Direto, nem a miríade de papéis de crédito com benefício fiscal para a pessoa física. Hoje, as cifras impressionam. Os fundos têm R$ 9,4 trilhões; a poupança, R$ 1 trilhão; o Tesouro Direto, R$ 164 bilhões e os títulos de crédito privado incentivados, R$ 1,2 trilhão.


Na antiga BM&FBovespa, o número de pessoas físicas que negociava ações nos primórdios do “home broker” era inferior a 100 mil. Agora, a companhia que resultou das fusões das duas bolsas mais a Cetip, o balcão de negociação de títulos privados, se chama B3 e reúne mais de 6 milhões de CPFs.


Se lá atrás os bancos dominavam sozinhos o bolso do brasileiro com perfil poupador, progressivamente novos atores passaram a dividir esse palco. Surgiram as plataformas de investimentos e os agentes autônomos como concorrentes para os bancos e os gerentes. Após 2010 esse cenário começou a ganhar corpo para efetivamente se expandir da metade da década passada em diante.


 

Com a concorrência, ganhou o investidor que passou a poder acessar fundos e produtos antes só disponíveis para a altíssima renda e viu os custos de entrada caírem também. Além disso, os próprios bancos passaram a contar com a chamada “arquitetura aberta”, ou seja, oferecer produtos de terceiros independentes em suas prateleiras.


A desmutualização das bolsas, cujas participações eram das corretoras, foi o primeiro caminho para a disrupção da distribuição e que possibilitou o surgimento das plataformas de investimentos digitais de varejo, como a XP, outras mais institucionais, diz Gilson Finkelsztain, presidente da B3. Esse processo, vale lembrar, veio na esteira de um boom de novas empresas chegando à bolsa em meados dos anos 2000. Com o Brasil em ascensão entre os investidores, foram cinco anos consecutivos de alta da bolsa, entre 2003 e 2007, o que levou os brasileiros a também se animar a investir em ações.


Do lado da bolsa houve o preparo da infraestrutura para aguentar crises, o pregão viva-voz foi encerrado em 2005 e os investimentos em tecnologia, amplificados para suportar volumes crescentes de negociação.


As discussões sobre níveis de transparência corporativa foram institucionalizadas e o investidor passou a ter acesso a uma nova linhagem de produtos, continua o executivo da B3. Ele cita a criação do Tesouro Direto, que nos primeiros dez anos cresceu timidamente; não competia com a poupança, mas hoje é o lugar de reserva das novas gerações. Com a fusão da BM&F e da Bovespa e a aquisição da Cetip, a bolsa deixa de ser um lugar cativo da renda variável para abarcar instrumentos híbridos e de renda fixa.


“Estruturalmente, o Brasil continua sendo o país da renda fixa. A classe tem protagonismo porque a economia roda com taxas de juros reais mais elevadas do que a média do mundo desenvolvido”, diz Finkelsztain. Ele vê espaço, contudo, para ações, fundos imobiliários, de índice (ETF) e recibos de ações estrangeiras (BDR) ganharem participação no patrimônio da pessoa física. Só em fundos imobiliários são 2,3 milhões de CPFs.


No home broker, se no passado, o acesso partia de R$ 5 mil a R$ 10 mil, hoje a média inicial é de R$ 200. Até em contratos derivativos o brasileiro se versou, com os míni contratos de dólar e de Ibovespa representando de 30% a 40% das transações na B3, em linha com as bolsas de mercados mais desenvolvidos


Desde o advento da internet, começou a se esboçar a ideia dos “supermercados” de investimentos, na virada do século, mas eles demoraram a decolar. Carlos Constantini, membro do comitê executivo e diretor responsável pela divisão de gestão de riqueza e serviços do Itaú Unibanco, lembra que o próprio Unibanco, antes da fusão com o Itaú, tentou criar um, com a aquisição do Investshop do antigo banco Bozano, Simonsen. Havia fundos com aplicação mínima de R$ 50 e outras “coisas revolucionárias para a época”, lembra Constantini, que começou a carreira como analista de ações na instituição.


Com a semente original plantada com o controle da inflação no Brasil, os avanços da tecnologia e a modernização do ambiente regulatório, o mercado de investimentos pôde florescer, diz o executivo. Ele lista a criação do Tesouro Direto, as melhorias na governança corporativa com o Novo Mercado e a habilitação de classes como fundos imobiliários, de previdência e dos títulos isentos como marcos dessa construção gradual.


Conforme enumera Constantini, de 1996 a 2003, foram quatro IPOs na bolsa, saltando para mais de uma centena entre 2003 e 2011. Em 2007, no famoso ano das aberturas de capital, foram 64 ofertas. O número de investidores pessoas físicas na bolsa cresceu progressivamente, e o brasileiro ganhou alternativas.


“Isso tudo significa a profissionalização do mercado de investimentos”, afirma o executivo do Itaú. “Em qualquer recorte que fizer, a gente vai encontrar a evolução em paralelo ao amadurecimento do ambiente regulatório no Brasil, a autorregulação fazendo o ‘catch up’, dando o caldo, as condições, seja para a pessoa física, seja para o institucional, um puxando o outro, e favorecendo o mercado de investimentos.”


Ele acrescenta que, no caminho para uma oferta de produtos de terceiros mais ampla, o exercício do dever fiduciário segue como pedra fundamental, mas que o Itaú aprendeu a não eliminar as opções de escolha do cliente.


“O banco tinha uma arquitetura aberta que passava por um filtro de curadoria rígida e percebeu ao longo do tempo que dava para ser menos rígido, desde que trouxesse os riscos às claras.”


Foi com essa capacidade de juntar times e culturas e se reinventar que o Itaú conseguiu manter participação de mercado relevante, com quase 30% no segmento de private banking, de grandes fortunas, sem incluir as operações “offshore”, e de 20% no varejo. No fim de 2024, contabilizava R$ 3,3 trilhões em ativos sob custódia.


Enquanto não havia a estabilização monetária, o investidor só jogava na defesa, ganhava dinheiro no “overnight”, diz o ex-secretário especial do Tesouro e do Orçamento Bruno Funchal, hoje executivo-chefe (CEO) da Bradesco Asset Management. Foi a combinação de avanços estruturais com ciclos de crescimento favoráveis que permitiu que o Brasil chegasse a cifras trilionárias nos mais diversos produtos.


Ele cita a redução de subsídios dos bancos públicos e o fim da TJLP como um divisor de águas que permitiu que o mercado de capitais prosperasse, carregando junto o de investimentos. As emissões de dívida corporativa decolaram e até o mercado secundário de crédito ganhou profundidade.


De 2000 a 2010, anos de crescimento da economia, começou a haver uma lógica para a indústria de gestão de recursos de terceiros. A regulamentação da CVM para os fundos abertos condominiais data de 2004, mas como os juros seguiram altos, eram os produtos de renda fixa, de menor risco, que povoaram o mercado no início, lembra Funchal.


Foi a partir da segunda metade da década que começou a haver alguma diversificação, com fundos multimercados e de ações e o número de assets se multiplicando. No ciclo de crescimento seguinte, entre 2010 e 2015, o acesso foi amplificado para além dos bancos. “Houve a universalização para produtos muito diferentes e a indústria de fundos foi protagonista. Chegam as plataformas e há um rearranjo estrutural do mercado.”


Entre as plataformas, a primeira a conseguir efetivamente quebrar a barreira da distribuição foi a XP Investimentos, fundada por Guilherme Benchimol. Montada primeiro num escritório em Porto Alegre (RS), a XP Inc. é uma empresa listada na bolsa americana Nasdaq desde o fim de 2019 e reúne hoje cerca de R$ 1,25 trilhão em ativos de clientes na sua custódia. Pelos dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), ao fim de 2024, o total investido pela pessoa física era de quase R$ 7,3 trilhões. “Quando comecei, em 2001, era muito inconsequente e ignorante. O Brasil tinha umas 20 mil, 30 mil pessoas que investiam na bolsa. A XP começou num momento em que não havia a figura do agente autônomo, não existia um mercado de capitais ativo e a concentração bancária de investimentos era 99,5%, com os juros na faixa dos 20% [ao ano]”, diz Benchimol. “Nos últimos 24, 25 anos, teve mais momentos instáveis do que de euforia”, lembra, com os anos de bonança coincindindo com “governos mais austeros”, com a inflação sob controle, o câmbio relativamente estável e um ambiente pró-tomada de risco, refletindo a confiança dos investidores. Ele diz que até 2010 “ era uma corretora de renda variável filhote do ‘bull market’ [mercado comprador] daquele período, entre 2003 e 2007”. Depois começou uma consolidação mais consistente


A trajetória da XP atraiu o interesse de vários escritórios de assessoria que também se transformaram em negócios bilionários, conectados à plataforma, e depois a outras que decidiram usar o canal externo de distribuição, como BTG Pactual, Genial e Safra.


Uma questão que sempre assombra o mercado de investimentos neste 25 anos é a do juro alto. Desde a estabilização monetária do Plano Real, em 1994, o país convive com juros nominais médios de 12,5% e reais na casa dos 6,5%. “Isso traz uma questão cultural que na minha opinião é transformadora no mau sentido; a sociedade fica ‘preguiçosa’, acostumada a investir o dinheiro com muita liquidez sem correr risco”, diz Benchimol. “No Brasil, o investimento mais conservador do mundo, um CDB ou um título público, foi sempre espetacular. Isso mata o nosso futuro. Por que vai investir em ações, alongar por 10, 20 anos, empreender, se pode ganhar inflação mais 6,5% ao ano sem fazer nada?”


Os bancos, por seu lado, também abriram as suas plataformas para produtos de terceiros. Outros movimentos de consolidação enfileirados pelo Itaú - Banco Francês e Brasileiro, BankBoston e as operações de varejo do Citi no Brasil - já tinham como alvo o público de alta renda, com perfil investidor. A aquisição da americana Avenue Secuirities, fundada pelo brasileiro Roberto Lee, é mais um capítulo dessa história, diz Constatini, do Itaú


A grande revolução ainda não terminou, diz Carlos André, presidente da Anbima. Ele afirma que está em curso o processo de “empoderamento” do investidor, com a abordagem de produtos dando lugar à centralidade do cliente na relação. “O que se viu nos últimos 25 anos, seja a maior democratização do mercado de investimentos, seja o surgimento de novos players e modelos de negócios com as plataformas de distribuição e reinvenção de parte dos bancos em como servir os clientes, na prática, tudo isso gira em torno dessa constatação”, afirma André. “Os agentes tiveram que repensar e montar negócios a partir das necessidades do cliente e não o contrário, como o mercado financeiro foi construído 10, 15 anos atrás.” A tecnologia acelerou tudo.


Pelo lado dos bancos, houve a percepção da importância de diversificar fontes de receita que não consomem capital, diferentemente do crédito. É saudável arrecadar tarifas e outras comissões, diz. Ao mesmo tempo, quando o investidor tem seus recursos com determinada instituição, ele é mais fiel. Os próximos 25 anos começam novamente sob a égide do juro alto e de grandes mudanças tecnológicas, com a Inteligência Artificial (IA). Mas o investidor parte de um ponto muito diferente, com mais opções



https://valor.globo.com/google/amp/25-anos/noticia/2025/04/30/com-revolucao-na-distribuicao-brasileiro-muda-forma-de-investir.ghtml

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