Trump enfrenta choque de realidade
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, sábado, 26 de abril de 2025
Só a reação interna pode deter o presidente americano. Além da sabedoria e da paciência milenares dos chineses
Da posse de Trump até ontem, o valor das companhias americanas listadas em Bolsas caiu cerca de 10%. É coisa de trilhões de dólares. Afeta principalmente as empresas que têm cadeias globais de produção, as maiores vítimas do tarifaço.
Mas, se a tendência foi claramente de queda nesse período, a característica principal do mercado foi a volatilidade. A partir não apenas de fatos, mas especialmente das declarações de Trump.
Esta semana foi assim. Começou bem pessimista, repercutindo ainda as falas do presidente ameaçando engrossar com a China e demitir o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central), Jerome Powell, se ele não reduzisse imediatamente a taxa de juros.
Ações desabaram.
Assustados, assessores de Trump chamaram sua atenção. Ele próprio, um homem de negócios, também se inquietou. Resultado: declarações mais amenas dizendo que as negociações com a China começavam e que ele seria “gentil”. Mais: acrescentou que as tarifas de importação sobre produtos chineses ficariam bem abaixo do teto atual de 145%. Já isso de demitir o presidente do Fed, era coisa de uma imprensa que sempre “exagera”.
Acalmou os mercados, Bolsas voltaram a subir, mas isso ficou longe de tranquilizar o pessoal de lá e do mundo todo. Gerou desconfiança, manifestada reservadamente por empresários e executivos americanos. Se a Bolsa oscila na base de declarações, fica óbvio que pode haver manipulação. Se um assessor sabe que Trump desmentirá a ameaça de demissão de Powell, sabe então que as ações subirão. Uma comprinha rápida dá um caminhão de lucros em poucas horas de pregão. Quem soube antes que Trump atacaria o Fed pode ter lucrado duas vezes.
São desconfianças, claro, mas alimentadas pela conhecida falta de escrúpulos de Trump. E de seu pouco apreço pela verdade. Ele não apenas disse que demitiria Powell, como escreveu isso em sua rede social. Ainda o ofendeu, também por escrito, chamando-o de “atrasadão” e “grande perdedor”. Depois, com a maior cara de pau, diz que foi coisa da imprensa.
No caso da China, foi ainda pior. Enquanto Trump afirmava que cabia a Xi Jinping dar o primeiro telefonema e, depois, que negociações estavam em andamento, o governo chinês negou tudo. Segundo Pequim, não há qualquer conversa. Xi não telefonou. E não telefonará enquanto Trump não suspender as tarifas e zerar o jogo. O governo chinês também quer que Washington designe um negociador responsável.
Trump ficou quieto, pelo menos até ontem.
Feitas as contas, a disputa tarifária afeta mais os Estados Unidos que a China. Do total de exportações chinesas, 13% vão para empresas e consumidores americanos. Os outros 87% estão distribuídos por diversos países, praticamente no mundo todo. A China já vinha reduzindo a dependência em relação aos Estados Unidos.
Do outro lado, 15% das importações americanas vêm da China. Outros 15%, do México, mais 14%, do Canadá. Quase a metade das importações vem de três países, todos duramente atingidos pelo tarifaço.
Executivos de supermercados advertiram Washington de que seus consumidores em breve poderiam topar com prateleiras vazias e produtos muito mais caros, uma péssima combinação. Em geral, os executivos evitam entrar em conflito com Trump, dada sua política vingativa. Mas não tiveram como evitar o tarifaço na apresentação de seus resultados trimestrais. Aí apareceram com frequência as palavras inflação e recessão. Eis o ponto: só a reação interna pode deter Trump. Além da sabedoria e da paciência milenares dos chineses.
Por falar em tarifaço e países protecionistas, a Nintendo acaba de lançar seu game Switch nos Estados Unidos por US$ 450. Para o Brasil, o lançamento oficial está marcado para 5 de junho, ao preço sugerido de R$ 4.500. É só fazer as contas para verificar onde está o protecionismo. É curioso: nos meios econômicos brasileiros, a crítica a Trump é praticamente unânime. E os nossos tarifaços?
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