Pular para o conteúdo principal

OS ESQUECIDOS

Não resta dúvida de que a vitória de Donald Trump pegou o mundo no contrapé.

Contra tudo e todos, com uma postura histriônica, entre raivosa e populista, respondendo aos que tentavam ridicularizá-lo (não sem razão), foi avançando, ultrapassando obstáculos e mesmo isolado pelo mainstream, chegou, na madrugada de quarta-feira, a uma impressionante vitória de 288 votos a favor contra 215 da sua adversária Hillary Clinton (esta sim com grande apoio da inteligentsia norte-americana a porque não dizer, global).

Calou a boca de todos os grandes líderes dos países desenvolvidos, sim porque era Trump contra o mundo, com exceção de Vladimir Putin que se manteve ao seu lado.

Por que Trump resolveu bancar este projeto, indo contra a corrente, quando era maioria os que achavam isso algo improvável? O que o levou a esta vitória avassaladora e inacreditável?

Ele era, de fato, o anticandidato. A antítese de tudo que se acredita neste mundo “politicamente correto”. Seu discurso foi o mais raivoso possível, sua análise econômica rasa como a de todos os populistas que almejam o caminho fácil das soluções sem dor, suas colocações preconceituosas, calaram fundo aos que acreditam na diversidade, numa sociedade mais aberta e justa. Foi, sem dúvida, a vitória do outsider. Das promessas por uma América mais orgulhosa de si e se impondo ao mundo. Pelo menos este era o discurso que todos os seus eleitores esperavam.

Mas quem são estes eleitores. De onde eles saíram?

Não é fácil encontrá-los. Muito se comenta que foi aquele “voto envergonhado”, sem querer se mostrar. Surgiram das “franjas da América”, esquecidos pela crise e a globalização, originários das fábricas do “cinturão de ferrugem, do velho Oeste, das sucatas” (pelo grande número de empresas quebradas), na região de Ohio, Carolina do Norte, Detroit, Wisconsin, etc. Homens brancos, com pouca instrução, sem emprego fixo, trabalhando no chamado “horário parcial” (5,9 milhões nesta situação), nacionalistas e rancorosos, em sua maioria, portando uma arma, mais localizados nos estados do Sul e do Centro-Oeste. Em poucas palavras, este seria o “retrato” do eleitorado de Donald Trump.

Uma pesquisa interessante do jornal The New York Times (NYT) nos ajuda a traçar este perfil. No outro lado, estariam os eleitores democratas, cosmopolitas, bem nascidos e com boa formação, aceitando as minorias raciais e religiosas, vivendo mais nas grandes cidades.

Entre os eleitores de Trump, em sua maioria, homens brancos (58% do total), mais velhos, com idade entre 45 anos ou mais (53%), na verdade, colecionando frustrações pela falência de empresas e mudanças destas para países onde o custo da mão de obra seria mais barato, como na Ásia. Na sua maioria, são pessoas sem ensino superior (51%, entre os brancos chegando a 67%). No nível de renda, estariam distribuídos entre os vários extratos, mas maioria entre aquela “classe média baixa”, vivendo em pequenas cidades ou zonas rurais. Em peso seriam conservadores, eleitores convictos do Partido Republicano. Dentre os praticantes religiosos, os protestantes (58%) e os católicos (52%). São o que a imprensa chama de “wasp, white, anglo-saxan and protestant”. Na sua maioria, casados e em alguns casos, veteranos de guerra ou militares (61%).

Para este eleitor, o País estaria “fora do rumo”, as questões mais importantes seriam a imigração (64%), por estes terem tirado seus empregos, e o terrorismo, outro fantasma da América atual (57%). As condições da economia se caracterizariam pela pobreza, desemprego e a situação das famílias, piorando nos dias de hoje (78%). Seriam contrários à abertura dos mercados, à invasão de produtos estrangeiros, em especial, dos chineses, que acabaram tirando os empregos de muitos (65%). Para estes eleitores, os imigrantes devem ser deportados (84%) e eles concordariam com a construção com um muro na fronteira com o México (86%). São totalmente contrários ao governo atual. Se mostram irritados com Obama (77%), desaprovam seu governo (90%) e consideram Donald Trump um cara confiável (94%).
Enfim, na verdade, o que as pesquisas anteriores não mostraram é que o número de eleitores de Trump foi bem maior do que se imaginava. Brancos, religiosos, com pouca instrução, subempregados e contrários aos imigrantes e às minorias em geral.

Como está a economia norte-americana? Como evoluiu nos últimos anos? 

A economia norte-americana vem caminhando moderadamente, com crescimento anualizado em torno de 2,9%, inflação baixa, pleno emprego, com a taxa de desemprego em torno de 4,9% da PEA, mas sem deixar de mostrar algumas deficiências. Estas estariam refletidas nos salários estagnados e na piora da distribuição de renda, com parte dos norte-americanos esquecidos, não se beneficiando da recuperação recente.

Analisando o ciclo de crescimento dos EUA, vemos que este é o quarto mais longo desde meados do século XIX, segundo o Centro Nacional de Pesquisa Econômica (NBER). Teve inicio em 2009, depois da crise de crédito de 2007/08, e se encontra no 89º mês, devendo se tornar o terceiro maior período, isso caso Trump não impeça ou não gere ruídos excessivos à maior economia capitalista de mercado do mundo. O período mais longo de crescimento aconteceu entre 1991 e 2001 (120 meses), coincidindo numa parte ao governo Clinton, que administrou o país entre 1993 e 2001. O ritmo atual de crescimento dos EUA, no entanto, não empolga. Entre 2009 e 2016, a média de crescimento anual foi de 2,1%, menor do que entre 2003 e 2006 (3,2%) e entre 1992 e 2000 (3,8%).

Boa parte da recuperação recente não incorporou esta mão de obra, eleitora de Trump, simplesmente, porque pouco qualificada, não conseguiu se ajustar as mudanças da estrutura produtiva e não conseguiu empregos em outros setores da economia. Por isso, os salários se mantiveram estagnados por um bom tempo, com parte dos trabalhadores ainda se mantendo em tempo parcial, em outubro chegando a 5,9 milhões de pessoas. Já a desigualdade piorou. Em 2015, 10% dos mais ricos ficaram com 50% da renda, incluindo ganhos de capital, enquanto que em 1970 era 32,6% e em 2000 44%.


Por estes motivos citados, pelos americanos esquecidos, Trump acabou eleito. Agora é esperar para saber o que ele pretende fazer. Qual será sua agenda de governo, se a do discurso raivoso de campanha ou do real politik. Pelos movimentos depois de eleito, achamos que deve recair mais sobre a segunda opção.  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Prensa 0201

 📰  *Manchetes de 5ªF, 02/01/2025*    ▪️ *VALOR*: Capitais mostram descompasso entre receitas e despesas, e cresce risco de desajuste fiscal       ▪️ *GLOBO*: Paes vai criar nova força municipal armada e mudar Guarda   ▪️ *FOLHA*: Homem atropela multidão e mata pelo menos 15 em Nova Orleans  ▪️ *ESTADÃO*: Moraes é relator da maioria dos inquéritos criminais do STF

BDM 181024

 China e Netflix contratam otimismo Por Rosa Riscala e Mariana Ciscato* [18/10/24] … Após a frustração com os estímulos chineses para o setor imobiliário, Pequim anunciou hoje uma expansão de 4,6% do PIB/3Tri, abaixo do trimestre anterior (4,7%), mas acima da estimativa de 4,5%. Vendas no varejo e produção industrial, divulgados também nesta 6ªF, bombaram, sinalizando para uma melhora do humor. Já nos EUA, os dados confirmam o soft landing, ampliando as incertezas sobre os juros, em meio à eleição presidencial indefinida. Na temporada de balanços, Netflix brilhou no after hours, enquanto a ação de Western Alliance levou um tombo. Antes da abertura, saem Amex e Procter & Gamble. Aqui, o cenário externo mais adverso influencia os ativos domésticos, tendo como pano de fundo os riscos fiscais que não saem do radar. … “O fiscal continua sentado no banco do motorista”, ilustrou o economista-chefe da Porto Asset, Felipe Sichel, à jornalista Denise Abarca (Broadcast) para explicar o pa...

NEWS 0201

 NEWS - 02.01 Agora é com ele: Galípolo assume o BC com desafios amplificados / Novo presidente do Banco Central (BC) agrada em ‘test drive’, mas terá que lidar com orçamento apertado e avanço da agenda de inovação financeira, em meio a disparada no câmbio e questionamentos sobre independência do governo- O Globo 2/1 Thaís Barcellos Ajudar a reverter o pessimismo com a economia, administrar a política de juros, domar o dólar e a inflação — que segundo as estimativas atuais do mercado deverá estourar a meta também este ano —, além de se provar independente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, são os maiores desafios de Gabriel Galípolo à frente do Banco Central (BC). Mas não são os únicos. Com o orçamento do BC cada vez mais apertado, o novo presidente do órgão tem a missão de dar continuidade à grande marca de seu antecessor, Roberto Campos Neto: a agenda de inovação financeira. Também estão pendentes o regramento para as criptomoedas e um aperto na fiscalização de instituições...