Exclusivo: leia trecho da biografia não autorizada de Marcelo Odebrecht, por Gustavo Kahil
Odebrecht durante uma dos seus depoimentos à Justiça
O empresário Marcelo Odebrecht está no centro da maior crise econômica e política da história recente do país. Ele e a sua construtora viram de perto a sede dos políticos por propinas e decidiram participar da festa. O crescimento foi espetaculoso, assim como a sua queda. Hoje, preso, Marcelo não sabe como será o seu futuro. Mais ou menos como o Brasil.
Os jornalistas Marcelo Cabral e Regiane Oliveira investigaram a vida do "Príncipe" e contam com um olhar documental e amplo, em 416 páginas, a história de um "bom pai" que se corrompeu até ser condenado como líder de quadrilha. Abaixo, um trecho da obra separado pelos autores para o Money Times:
O LEGADO DE MARCELO ODEBRECHT
Trecho retirado do livro O Príncipe – Uma biografia não autorizada de Marcelo Odebrecht, lançado na semana passada pelos jornalistas Marcelo Cabral e Regiane Oliveira
Se o futuro da Odebrecht pessoa jurídica é nebuloso hoje, o destino do Odebrecht pessoa física tampouco é claro. Pelo acordo de delação fechado com a Justiça, mesmo após deixar a cadeia no final de 2017, Marcelo Odebrecht deverá seguir em regime de prisão domiciliar pelos próximos sete anos e meio. Durante todo esse tempo, também não poderá manter vínculos com a empresa. Resta saber o que o Príncipe fará com o seu tempo. Dado o seu perfil, ninguém em seu entorno acredita que ele se aposentará, até pela pouca idade. Da prisão, ele mandou reformar o amplo escritório que mantém em sua casa no Morumbi. O local ganhou uma porta independente, pela lateral da casa, para que as visitas não tenham de passar pela residência para ir até lá. Alguns dos executivos que o conhecem acham que ele deve realizar consultorias empresariais. Outros pensam que ele pode muito bem resolver abrir um novo negócio – quem sabe uma pequena construtora no formato butique, que atenda nichos específicos do mercado de construção. Seria irônico se, no futuro, Marcelo acabasse envolvido numa concorrência por projetos com a própria empresa criada por sua família.
"Seria irônico se, no futuro, Marcelo acabasse envolvido numa concorrência por projetos com a própria empresa criada por sua família"
A tragédia de Marcelo e do grupo Odebrecht chama a atenção no Brasil por ser um episódio inusitado. Em países com sistemas institucionais mais desenvolvidos, não há surpresa quando empresas que se envolvem em redes de corrupção são exemplarmente punidas.
Basta olhar o exemplo de casos recentes como a Samsung, na Coreia do Sul, ou a Siemens, na Alemanha. Por aqui, ao contrário, o crime tradicionalmente compensa, pelo menos para políticos e grandes empresários. A Odebrecht e as outras construtoras envolvidas na Lava Jato estão entre os primeiros grandes grupos corporativos nacionais a serem efetivamente penalizados. Trata-se de uma mudança radical e promissora frente aos padrões seguidos até então no país.
De modo inédito, a sociedade nacional começa a tomar ciência que alguns tipos de empresários não são vítimas indefesa do governo ou do sistema, mas sim parceiros mais do que ávidos em usarem caminhos tortuosos para turbinar seus lucros. Não será, evidentemente, uma mudança que ocorrerá da noite para o dia. Mas se pelo menos um empresário de peso pensar duas vezes antes de oferecer ou aceitar pagar propinas ao se imaginar na posição que ocupa Marcelo Odebrecht, terá sido um bom ponto de partida.
Claro, há uma série de barreiras que precisam ser deixadas para trás para atingir esse aperfeiçoamento. Um deles é a mudança do sistema politico, especialmente no que diz respeito à liberdade desenfreada para a nomeação de uma infinidade de apadrinhados políticos de partidos dentro da estrutura do poder executivo. Essas nomeações, feitas em troca de votos no Congresso, invariavelmente têm como objetivo a busca de verbas públicas para as máquinas partidárias e para o bolso dos envolvidos. Trata-se da receita perfeita para transformar o Executivo e o Legislativo em máquinas de fabricar escândalos. Mais do que um MP inquisidor ou os gritos pela volta da ditadura militar que se escutam em algumas searas, uma reforma política que previna o surgimento de teias de corrupção do tamanho do Mensalão ou do Petróleo parece fazer mais sentido na batalha contra o crime.
Não que o terceiro poder da República, o Judiciário, não tenha sua cota de problemas. Além dos mais sabidos – juízes com complexo de Deus, supersalários acima do teto máximo estipulado pelo próprio STF, decisões tomadas mais com base ideológica do que técnica, punições seletivas e atropelamento do direito de defesa, para citar alguns poucos -, é fundamental a criação de sistemas que tornam as decisões mais rápidas. O Supremo levou 7 anos para julgar 38 réus do Mensalão. No caso da Lava Jato, o número final de indiciados na corte pode facilmente ser cinco ou seis vezes maior.
Quanto tempo levará para que o tribunal realize os julgamentos e aplique as penas? De acordo com um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas para o jornal Valor Econômico, após a abertura de um inquérito sobre o envolvimento de um político na Lava Jato, o STF precisa em média de 945 dias para decidir se abrirá um processo ou se a acusação será descartada, sem contra o período do julgamento propriamente dito.
Como se vê, não será fácil evitar que a Lava Jato se transforme no popular raio que cai bem no meio do oceano – gerando muita luz e barulho, mas pouco efeito prático. É superando esses grandes desafios, no entanto, que os países progridem. A sociedade brasileira tem diante de si uma oportunidade de ouro de deixar claro que não irá mais tolerar sistemas cujo combustível é a corrupção – seja ela vinda de políticos, de empresários ou ambos. Do ponto de vista corporativo, o legado de Marcelo Odebrecht é desastroso para a empresa criada por seu avô Norberto. Já para o Brasil, existe a esperança de que o Odebrecht III possa acabar se mostrando um pioneiro involuntário: a pessoa que, através de sua via-crúcis pública, exibiu as vísceras de um sistema apodrecido e assim abriu caminho para uma era de relações mais limpas entre empresas, Estado e cidadãos. Esse sim seria realmente o destino digno de um Príncipe.
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